o nº no jornal está errado
As noticias recentemente publicadas sobre a fundação de pequenos hospitais no Nordeste, Povoação e Maia, se foram geralmente recebidas com simpatia, tiveram tambem cabal reprovação d’uma minoria, muito pequena é certo, mas que supõe estar egualmente do lado da verdade.
Funda-se esta orientação (ou desorientação) em certas ideias e factos com pretensões e argumentos e que podem resumir assim:
1º - A creação dos hospitais pequenos vae perturbar as finanças dos já existentes, pela dispersão de fundos e donativos que, centralisados nestes ultimos, maiores e melhores frutos produziriam.
2º - Dificilmente os doentes das aldeias quererão entrar no seu hospital por causa da tendencia que ha sempre para se fazer tratamento num hospital grande e afamado.
3º - Só nos grandes hospitais se podem pôr em pratica todos os progressos da medicina e cirurgia e executar as grandes operações.
4º - Para a manutenção das pequenas casas de saude conta-se, apenas, com a caridade e esta só se exerce com alternativas muito irregulares e problematicas.
E aqueles que receberam com reservas e pouco agrado aquelas noticias, baseados em tão importantes argumentos, concluem: Fóra os pequenos hospitais!
Só comprehendemos hospitais grandes.
Pois é este, a nosso vêr, um raciocinio muito erroneo. Vejamos.
1º - Os fundos arrecadados e arrecadaveis para os pequenos hospitais não são de modo nenhum desviados ou subtraidos ás casas de caridade já existentes, porque donativos ou heranças que porventura venham a ser feitos aos novos estabelecimentos teem como incentivo unico as simpatias especiais a esses estabelecimentos e a essas aldeias.
E ninguem suponha que esses beneficios possam ser canalisados para outros hospitais já existentes. Como doações e testamentos não obedecem a leis nem a regulamentos, é licito afirmar que esses capitais teriam outra aplicação sem proveito publico.
2º - É incontestavel a tendencia quasi geral, quando se adoece, a procurar para o tratamento, um meio maior, um hospital grande, um grande medico e operador. Até se sabe que nos temperamentos nervosos a satisfação d’esta inclinação para o tratamento em meio desconhecido, com medicos muito falados e pouco vistos, é quasi uma cura.
Mas se esse facto devesse justificar a desnecessidade das casas de saude das aldeias tambem proveria a inutilidade dos hospitais de certas cidades ou, pelo menos, d’algumas enfermarias, visto que os portadores de doenças de tratamento demorado, sejam d’aldeias ou de cidades, já não se satisfazem sem, pelo menos, ouvirem a opinião de medicos estranhos à terra.
E então, se se trata d’operações d’alta cirurgia, conquanto se façam entre nós com toda a competencia e brilho, é uma interminavel fila de açoreanos que preferem operar-se em Lisboa, Paris, etc.
Para os conhecerem, porém a nosologia habitual das nossas aldeias e o que por elas vai sob o ponto de vista higienico, é facto averiguado que as doenças agudas matam mais frequentemente pelo meio desfavoravel em que evolucionam.
E que esses doentes, esperados do seu meio onde tudo falta e internados em qualquer hospital, por muito modesto que fosse, triumfariam dos seus males.
São assim os tifoidicos, pneumonicos, meningiticos, disentericos, albuminuricos, etc, etc, que nunca consentem em deslocar-se leguas para se tratarem no hospital grande distante e que nenhuma relutancia terão em deixar-se internar no pequeno hospital da sua aldeia ou da aldeia mais proxima.
Demais – e com isto respondêmos ao 3º argumento – nos pequenos hospitais podem entrar todos os progressos compativeis com o fim para que são creados. E eles não se fundam, como vimos, para as grandes operações nem para manter anexa nenhuma Faculdade de Medicina...
E se se devessem tolerar sómente aqueles hospitais onde existem e se põem em pratica todos os aperfeiçoamentos da medicina e cirurgia, teriamos, segundo o mesmo pensar, de pedir a supressão de todos os que apresentassem deficiencias nas instalações da radioscopia e radiografia, na distribuição d’aguas e d iluminação, no aquecimento, lavandaria, desinfecção, etc., etc.
4º - Finalmente, é certo que a caridade é virtude muito contingente e intermitente e as despesas d’uma casa de saude não consentem tais incertezas.
Mas quem é que se não tem enternecido e entusiasmado, nos ultimos tempos com tantos e tão belas revelações da Caridade Açoreana e micaelense, com esse tão honroso concurso de donativos e devotados trabalhos para obras de beneficencia que, ainda de bem longe, das colonias residentes na America, se estão sempre a patentear, sem outro estimulo que o amor da humanidade e do torrão patrio?
(...)
Em conclusão: errado é o criterio dos que, com tão poucos fundamentos, regeitam os hospitaes pequenos, e se não nos faltasse de todo a autoridade, pois apenas nos sobeja convicção, bradariamos com força suficiente para sermos ouvidos nos pequenos povoados onde estão iniciadas essas casas de caridade (...)
J.
J. - "Em S. Miguel - Pequenos hospitais"
in Diário dos Açores
de 4 de Março de 1920, nº. 8430, p. 2 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1038.