Vaccinou assim em 1906 cêrca de 200 pessoas sem notar qualquer accidente de gravidade; sómente averiguou a elevação thermica a 38º,5 e a 39º, raramente a 40º C., a qual voltou á normal no fim de 3 a 4 dias, assim como um certo grau de rubor, endurecimento e dôr á pressão ao local da inoculação, symptomas estes que desapareciam dentro de um a tres dias.
Strong considera inoffensiva e propria, portanto, para a vaccinação toda a cultura, que na dóse d’um tubo de gelose não mate uma cobaya de 250 gr.; elle possue um bacillo nestas condições que, usado durante dois annos, não tinha mostrado a menor variação na virulencia, na toxicidade ou no poder immunisante.
Sangrando as pessoas assim vaccinadas, procurou o poder agglutinante e anti-infeccioso dos seus soros; notou que era nullo, o que lhe não causou admiração, porque estas propriedades não aparecem senão nos seres fortemente immunisados[1]. A reacção de Bordet-Gengou foi sempre positiva.
Recordemos que Moorhead recommenda, como aliás o fazem outros pestologos que estudaram a doença na India, a vaccinação como medida importante na lucta anti-pestosa; mas lembremos tambem que na California esse meio não foi usado e não obstante, não só a peste não teve ahi grande disseminação mas ainda pôde ser erradicada como em nenhum outro logar. Isto para nós significa que tal medida prophylactica deve considerar-se como muito secundaria[2], desde que a lucta contra o rato se estabeleça; de nenhum modo se deve confiar nella a ponto de descurar a medida fundamental, que é, está bem de vêr, o combate anti-murino systematico. É certo que o methodo prophylactico da vaccinação ganha terreno na lucta contra certas doenças infecciosas humanas, entre as quaes avulta a febre tiphoide; a verdade, porém, é que tal methodo não pode deixar de ser transitorio. Quando se descubra o meio seguro de atacar o virus – e a lucta allemã sobretudo deixa-nos vêr que esse triumpho não vem de longe – todos os esforços se devem dirigir contra elle.
Os defeitos apontados á vaccinação anti-pestosa são o incommodo consecutivo á injecção, a pequena duração do periodo de immunidade, a phase negativa e o facto d’aquella se não manifestar em todos os individuos inoculados; por nossa parte poderemos acrescentar que se trata d’um metodo caro.
Os primeiros dois incovenientes podem remediar-se um tanto, especialmente o primeiro, não inoculando a dóse vaccinante d’uma só vez, mas fazendo mithriadismo. Assim procedeu o Prof. Souza Junior na Ilha Terceira, inoculando por tres vezes com intervallos de 8 dias a dóse total de 3,5 c. c. de vaccina obtida pela cultura em gelose (Instituto de Berne); a primeira porção era de 0,75 c.c.; segunda 1,25 c. c. e a terceira 1,5 c. c.
Foi para evitar os perigos da phase negativa, durante a qual, pelas experiencias do laboratorio, se deve concluir que os individuos estão mais aptos a contrahir a infecção, que se propôz o uso da sero-vaccinação, aconselhado pela citada “Commissão de sôros e vaccinas”, reunida no Porto em 1899.
No Brazil foi este methodo tambem preconisado. No Maranhão durante a epidemia que alli grassou em 1904, fizeram-se 8:081 inoculações, sendo 5:914 com vaccina só e as restantes com sero-vaccina. Segundo vêmos em A medicina Contemporanea, de 18 de dezembro de 1904, o dr. Victor Godinho, chefe da Missão encarregada do combate da epidemia, notou que os resultados da vaccina eram mais favoraveis que os da sero-vaccina.
Segundo a opinião de Simpson, ter-se-ia notado que 70 a 80% dos individuos vaccinados não contrahiram a peste na India, devendo acrescentar-se que nos vaccinados, que adoeceram, só 25% sucumbiram; outras estatisticas permittem calcular que, comparando um grupo de individuos vaccinados com outro de egual numero não vaccinados, adoece um individuo na primeira pleiade, emquanto que na segunda são atingidos 15.
O sôro anti-pestoso, cujo poder preventivo tem sido brilhantemente demonstrado por toda a parte em experiencias de laboratorio, é aconselhado tambem como agente de vaccinação (immunidade passiva) no combate contra a peste; como porém a duração da immunidade por meio d’elle não deve exceder, por comparação com os dados experimentaes, 12 a 15 dias, a sua acção restringe-se neste campo á inoculação dos contactos e ainda mais particularmente aos individuos sujeitos á infecção pelos casos de pneumonia pestosa primitiva. A dòse de sôro geralmente preconisada é de 10 c. c. para cada individuo, mas forçoso é admitir que seria necessario adquirir um padrão semelhante á unidade anti-toxica, o qual devesse servir de medida aos anti-corpos a inocular.
Carlos Fortes
[1] Embora não possamos firmar a nossa opinião a este respeito sobre dados experimentaes, parece-nos que, pela doutrina de Strong, a inoculação do bacillo da peste morto (vaccina do Instituto Pasteur de Paris) immunisaria mais fortemente, por quanto o Prof. Souza Junior na Ilha Terceira verificou o poder agglutinativo do sôro d’um individuo um, dois e tres mezes após a vaccinação com 1 c.c.
[2] O governo de Venezuella, de accordo com as indicações da Comissão de Hygiene Publica Nacional, publicou um aviso com data de 28 de maio de 1909, fazendo saber que nenhuma pessoa podia sair de Caracas pelos caminhos de ferro ou por quaesquer outras vias de communicação, sem ter sido previamente vacinada contra apeste (lympha Haffkine); o certificado de vaccinação era indispensavel como passaporte e podia ser passado pela Commissão de Hygiene ou por qualquer medico e neste caso visado pela referida Commissão. Esta medida foi tambem recommendada por Simpson na epidemia de 1908 da Costa do Ouro.
Damos aqui esta nota pela sua originalidade e não por supormos que a vaccinação humana possa evitar a disseminação da peste d’um logar para outro. Quando muito ella evitaria, admitindo mesmo que todos os vaccinados ficassem immunes, a formação de um foco de pneumonia pestosa, que poderia originar-se num caso humano não diagnosticado e contra o qual se não adoptassem rigorosas medidas de isolamento. Quanto a prevenir a disseminação da doença, nada se conseguirá com este meio, porque o mal está no rato e nas pulgas; é até curioso significar que os proprios vaccinados poderão carrear pulgas infectadas e ser assim os vehiculadores da peste, contra a qual os immunisaram.
Carlos Fortes - "Do livro – A Peste Bubonica - A Vacinação - Conclusão"
in Diário dos Açores
de 6 de Novembro de 1920, nº. 8628, p. 1 (col. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1152.