Vae occupar agora a nossa attenção a campanha de 1907 e 1908, em S. Francisco da California.
A peste reappareceu nesta cidade em maio de 1907; e 12 de agosto só se registava o caso d’aquella data, mas na segunda metade de agosto já se contaram 14 casos dispersos por toda a cidade. Em setembro apellava o Mayor Taylor para Washington, e o Governo Federal enviava immediatamente uma Missão composta de 16 oficiaes sanitarios federaes, sob a direcção de Rupert Blue. Installou-se um laboratorio e a cidade foi dividida em 13 secções, cada uma das quaes era dirigida por um medico e tinha, além d’uma repartição, um corpo de inspectores, de assistentes e de trabalhadores. Começaram os trabalhos por meados de setembro de 1907 e terminaram no ultimo de março de 1908.
Em janeiro de 1908, tendo-se notado que a infecção murina attingia cêrca de 1,5% dos animaes analysados, julgou Blue azado o momento para levar toda a população a entrar no combate contra o rato, auxiliando assim os trabalhos da Repartição de saude. O presidente da Sociedade de Medicina da California, Evans, dirigiu 600 convites aos principaes cidadãos de S. Francisco, incluindo os profissionaes; compareceram á convocação 60 pessoas, mas, a despeito do pequeno numero, tomou-se logo uma resolução da maior importancia, qual foi a de nomear uma comissão composta de 25 cidadãos, destinada a promover o auxilio do povo, a 28 de janeiro realisava-se o primeiro comicio nas campanhas sanitarias e tão descurado nos paizes onde vigora um regimen de castas.
Nesta reunião o problema foi posto por Rupert Blue, que, apontando a disseminação da peste por toda a cidade, mostrou a conveniencia de todos cooperarem com as autoridades sanitarias, sendo indispensavel collocar todos os edificios á prova de rato e destruir os residuos, que pudessem servir de alimento aos ratos, recebendo-se em caixas de metal vedadas, bem como proceder á destruição directa d’estes animaes e dos seus ninhos. Constituiu se immediatamente o Citizen’s Health Committee, que logo resolveu adoptar todas as medidas aconselhadas pelos funccionarios de saude e promover a sua vulgarisação por todos os meios de publicidade. A Commissão dos Cidadãos, em que estavam representadas todas as classes sociaes[1], realisou 75 reuniões em clubs, em casas commerciaes, em escolas, em associações femininas, em estabelecimentos industriaes, etc. Lançada uma subscripção publica, rendeu cêrca de 177:500 dollars. Este dinheiro foi applicado em subsidiar 400 empregados nos trabalhos da caça aos ratos e dos seu envenenamento, na compra de ratoeiras e venenos e na distribuição de cêrca de 1000000 circulares e cartazes, destinados á vulgarização e conhecimentos sobre etiologia e prophylaxia da peste.
Os resultados da campanha foram tão brilhantes que o relatorio da Commissão dos Cidadãos, numa linguagem de justificado orgulho, embora nisso vá um pouco do espirito mercantil americano, conclue por certificar que valeu a pena este sacrificio, por quanto a cidade de S. Francisco é uma das mais salubres do mundo, bastando consignar que a mortalidade por todas as doenças contagiosas em 1908 foi inferior a 2% da população[2].
O trabalho da Commissão dos Cidadãos foi repartido por sub-commissões, cada uma das quaes desenvolveu separadamente um grande actividade, a ponto de, durante alguns mezes, ser S. Francisco o que a propria Commissão chama – a cidade dos meetings. – Houve nada menos de 62 em 6 semanas, porque todos se convenceram do grande valor dos comicios na diffusão de conhecimentos de que resultava immediatamente o estimulo para entrar em acção. De facto a Commissão dos Cidadãos teve uma comprehensão exacta da influencia da propaganda e não podemos deixar de transcrever textualmente a phrase que a synthetisa: ... the man-to-man conveyance of ideas through personal contact being on essential element inn the propagation of the right sort os social sentiment.
Vamos apresentar uma lista, em que figuram algumas estatisticas d’esta campanha, comprehendendo os casos humanos desde maio de 1907, assim como os trabalhos realisados com fim prophylactico no espaço comprehendido entre 23 de setembro d’aquelle anno e 1 de março de 1909. Eil-a:
Casos humanos – 160
Obitos – 77
Doentes observados – 1951
Cadaveres observados – 7528
Inspecções de habitações – 1025977
Casas desinfectadas – 11342
Casas destruidas – 1713
Fócos de infecção destruido – 141569
Pés quadrados de passeio de concrete – 276000
Pés quadrados de alicerces e pavimentos de concrete – 4921000
Pés quadrados de pavimento em estabulos, em concrete – 1190000
Numero de estabulos concretados – 3967
Estabulos temporariamente postos à prova de rato - 903
Numero de estabulos evacudados – 373
(...)
A parte legislativa d’esta campanha compreende varios editaes do Mayor, regulamentando a collecção dos residuos caseiros (garbage) e o seu lançamento em caixas metalicas fechadas, a construcção dos estabulos, a concretação dos mercados, dos pateos, a construcção dos alicerces á prova de rato, a conservação em á-prova-de-rato dos animaes, mamiferos e aves, destinados ao consumo e finalmente as condições, em que as casas serão consideradas como nocivas e, portanto, evacuadas, até que sofram as beneficiações apontadas pelas aucturidades [sic] sanitarias.
Carlos Fortes
[1] Adheriram ao movimento 47 associações de banqueiros, cervejeiros, machinistas, metallurgicos, droguistas, contractadores, proprietarios de navios, de estabulos, retalhistas de varios generos de commercio, hoteleiros, casas de tabaco, associações de socorros mutuos, restaurants, negociantes de fructas, colonia japoneza, federação do trabalho, colonia grega, pintores, vendedores de leite, etc, etc.
[2] No Porto só a mortalidade por tuberculose é mais de duas vezes aquella cifra...
Carlos Fortes - "Do livro – A Peste Bubonica - A 2ª Campanha em S. Francisco da California - Contra a peste 1907-1908"
in Diário dos Açores
de 11 de Novembro de 1920, nº. 8632, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1154.