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Texto da entrada (ID.1156)

Vale a pena registar algumas notas, pelo menos, dos cartazes que appareceram em S. Francisco da California, durante esta campanha. No primeiro, que teve uma distribuição de 270.000 exemplares em inglez, 10.000 em italiano e 10.000 em grego, dizia-se, depois de expôr summariamente o problema: “Para assegurar o successo, é imperiosa a vossa cooperação. Caçae e envenenae os ratos. Obedecei ás leis sanitarias da cidade”. A phrase mais distacada, escripta em normando grosso é esta: “Matem os ratos”.[1]

Noutro cartaz, especialmente destinado ao commercio, e de que se distribuiram 25.000 exemplares, destaca-se a seguinte observação: “O nosso dever é velar por que os nossos estabelecimentos e habitações estejam livres de ratos”. Aos proprieturios [sic] de casas distribuiu-se uma circular de que foram impressos 10.000 exemplares e cuja prescripção mais frizante dizia respeito á collecção do garbage, que será depositado em receptaculos de metal bem vedados, os quaes a seu turno serão directamente vasados nos carros a este fim destinados”.

Foram dadas tambem instrucções a toda a policia numa circular (3.000 exemplares), recommendando-lhe todo o cuidado no cumprimento das ordens sanitarias referentes ao combate do rato, quer direito quer pela fome.

O plano geral, do ponto de vista technico, da campanha de S. Francisco da California, foi lançado por Rupert Blue no seu trabalho The conduct of a plague campaign, apresentado em sessão de 26 de dezembro de 1907 á Academia de S. Francisco, e cujos topicos principaes passamos a relatar. Primeiro que tudo, um trabalho d’esta natureza exige um corpo de medicos experimentados e capazes de se devotarem inteiramente aos serviços sanitarios. Uma repartição será destinada a averiguar os casos humanos e murinos e a determinar com a possivel certeza a sua localisação, de modo a poder-se traçar a origem da infecção em cada caso e a destruição dos agentes infectantes. Encarregar-se-á tambem do exterminio dos ratos nas habitações e da destruição de tudo quanto possa prover ao sustento d’elles, além disso curará da protecção de todas as residencias humanas contra o ingresso dos ratos. Pelo que respeita á localisação dos casos humanos e murinos, exige-se o exame de todos os cadaveres e de todos os doentes e o isolamento e observação dos casos suspeitos e dos contactos. Os cadaveres dos pestosos devem ser queimados ou metidos em caixas metallicas e envolvidos em cal viva. Quando exista qualquer duvida no diagnostico, recorrer-se-á aos profissionais peritos. O campo de batalha será dividido em varias secções, a cada uma das quaes incumbe o dever de proceder rapidamente a um reconhecimento sanitario, de modo a avaliar-se das condições de salubridade das habitações; especial attenção devem merecer os estabulos, mercados, as alquilarias e todos os locaes onde os ratos se abriguem.

Com estes dados deverão construir-se cartas, em que se consignem as informações de cada zona; é necessário tambem organizar mappas, mostrando os casos humanos e murinos, de modo que os esforços do pessoal sanitario se concentrem onde as manchas epidemicas e epizooticas sejam mais carregadas. Os doentes atacados de molestias agudas devem merecer uma attenção particular, sendo colocados em observação desde que o diagnostico de peste não possa ser radicalmente excluido. Os casos de peste serão cuidadosamente isolados em casas á prova de rato e os contactos ficarão de observação durante o periodo de incubação da doença. Rupert Blue recommenda que se administre uma dóse de 10 c.c. de sôro Yersin a cada pessoa que esteja exposta á infecção no caso da pneumonia pestosa; quando se trate de peste bubonica, julga desnecessaria esta medida. Não aconcelha [sic] tambem o uso da vacina nos contactos, temendo a phase negativa, creada pela inoculação de virus morto.

A destruição dos agentes infecciosos póde realisar-se pelos vapores de enxofre, saturando os recintos e evitando cuidadosamente que o gaz se escape; a quantidade de enxofre a empregar deve ser de 5 libras por 1.000 pés cubicos, bastante 12 horas de exposição para destruir os insectos e as bacterias da superficie, ao passo que o formol não mata os insectos e por isso é condemnado por R. Blue[2]. As roupas de cama e vestuario, bem como outros artigos contaminados com excreções de doentes, devem ser destruidos pelo fogo. As alcatifas serão removidas e batidas; as casas serão varridas, queimando-se as vassouras, e os soalhos regados com uma solução antiseptica forte; os pateos serão borrifados com uma forte solução phenica e as dependencias, onde possa haver ratos, caiadas, lançando-se nas luras das casas infectadas e das adjunctas um soluto de acido phenico a 2,5% ou de bichloreto de mercurio a 2%. Quando haja buracos nos soalhos de madeira serão tapados com folha metallica; se são feitos de tijolo, empregar-se-á o cimento, e, se são terreos, convirá encher as luras de pedaços de vidro e de tijolo. Quanto ao uso de venenos[3], preferem-se o phosphoro e o arsenico, que se lançarão nos buracos das casas infectadas e das contiguas; recommendam-se tambem as ratoeiras de toda a especie; o virus “Danysz”[4] muito virulento será tambem largamente distribuido.

Rupert Blue aconselhava tambem a evacuação das casas infectadas, nomeadamente quando estivessem em más condições de ventilação; no caso de se manifestar na mesma casa mais d’um ataque de peste, achava util fazer pesquizas rigorosas na visinhança, de maneira a verificar a existencia de cadaveres de ratos sob os soalhos, citando o facto de terem apparecido 87 ratos mortos nos tabiques d’ restaurante chinez.

Dada a relação estreita entre a peste murina e humana, era levado a admitir que todas as casas deveriam ser postas à prova dos ratos, guardando-se protegidas do seu accesso todas as substancias que lhes pudessem servir de alimento[5]; tambem defendia a desinfecção das casas para destruir as bacterias e os insectos. Recommendava que as pessoas residentes em casas com ratos empestados deviam considerar-se como se fossem contactos e postas em observação diaria no periodo d’uma semana; do mesmo modo se deveriam evacuar essas casas, como se tivessem albergado casos humanos; a mesma regra se devia seguir com as habitações proximas, que deviam até ser destruidas, quando novos casos de peste surgissem, a despeito das medidas de desinfecção.

Carlos Fortes


[1] A proposito, não deixaremos de citar a frase feliz, corrente entre o pessoal de desratização – o unico rato bom é um rato morto.

[2] As experiencias feitas pelo Prof. Souza Junior no Posto de Desinfecção do Porto mostram que os vapores de formol, obtidos com o formalisador “Ennes”, matam as pulgas e os piolhos (Pediculus cupitis) em cerca de 1 hora.

[3] O pessoal empregado na campanha contra os ratos cuidava de manhã das ratoeiras, 30 a 40 das quaes eram dadas a cada homem, sendo a tarde destinada á distribuição de venenos. As ratoeiras maus usadas na California são de 2 typos – as ratoeiras gaiolas e as de mola; as iscas são de queijo, toucinho, peixe, salsicha, frutos verdes ou vegetaes. Os venenos encorporam-se em massa de farinha, a que se póde addicionar queijo, toucinho, sebo ou assucar.

[4] O virus “Danysz” foi usado na epidemia de Chinatown, em 1903, com excellente resultado. Refere Rupert Blue que 5% dos ratos, capturados vivos e postos de observação no laboratorio, morriam, encontrando-se-lhes o Bacillus Typhi murium no baço e outros orgãos. Comtudo o virus “Danysz” deteriorava-se rapidamente perdendo a sua virulencia, pelo que era necessario distribui-lo com frequencia.

[5] Aconselhou-se tambem, além da remoção de todos os detrictos, a elevação dos moveis a 2 pés acima do solo.


Referência bibliográfica

Carlos Fortes - "Do livro – A Peste Bubonica - A 2ª Campanha em S. Francisco da California - Contra a peste 1907-1908" in Diário dos Açores de 12 de Novembro de 1920, nº. 8633, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1156.



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