Dado o perigo de poderem embarcar ratos infectados nas mercadorias, os embarcadoiros, e os caes devem ser construidos de concrete e toas as mercadorias nelles empilhadas devem collocar-se em plataformas elevadas acima do solo um a dois pés. Rupert Blue aconselha que os extensos caes, que avançam ao longo do porto, d’uma cidade atacada de peste, devem ser protegidos por pontes levadiças que se levantem á noite; recommenda tambem que as cargas a embarcar sejam temporariamente postas à prova do rato numa parte dos caes, convenientemente cercada e defendida do acesso d’este roedor.
Como Rupert Blue estivesse convencido de que os ratos transportam mechanicamente dos canos de exgoto varias doenças, recommendou que estes fossem construidos tambem á prova de rato, de cimento, metal ou tubo de grez vidrado, e, para evitar a estagnação dos contentos da canalisação, aconselhava que nelles se fizessem frequentes descargas d’agua, de modo a remover tambem os ratos mortos da peste, que suppunha poderem infectar per os outros ratos.
Como julgasse que a transmissão pela pulga não era o unico meio de contagio, limitou-se a applicar o que julgou de mais importante e seguro no problema de extirpar a peste de S. Francisco da California; de resto, segundo a sua propria expressão, desde que se destruisse o hospede não havia perigo de os parasitas se infectarem.
Poucos mezes mais tarde, já Rupert Blue dizia que os dois factores fundamentaes de disseminação e permanencia da peste numa localidade eram o rato e a pulga[1], e, depois de fornecer interessantes dados sobre os ratos[2], e pulgas da California, acentuava que o homem não desempenhava um papel importante na disseminação da doença de pessoa a pessoa, excepto na forma pneumonica. Para ele a fórma bubónica typica não é, praticamente, contagiosa, succedendo o mesmo com os casos septicemicos, quando não haja insectos sugadores; assim no combate á forma bubónica e septicemica as medidas de beneficiação destinam-se a matar as pulgas e outros parasitas como agentes infectantes primordiaes, sem nos preocuparmos com as excreções do doente. O mesmo não succede com a fórma pneumonica, para combater a qual dirigimos o nosso ataque ao proprio bacillo da peste.
Como quer que seja, Rupert Blue, reconhecendo que qualquer caso bubonico póde transformar-se numa fórma septicemica ou pneumonica, aconselha que todos os doentes sejam removidos para hospitaes á prova de rato.
Quanto a medidas prophylacticas, de que não falla com minucia nesta memoria, entende que na America não seria bem acceite o uso da vaccina e que, como a peste não teve alli grande expansão, tambem não se justificava suficientemente o seu uso.
Um ponto bem frisado neste escripto de Rupert Blue é o que diz respeito a socialisação das medidas hygienicas; para uma campanha ser coroada de exito, è necessario que todo o publico seja esclarecido no tocante aos perigos da doença e aos meios de a evitar. Por isso a vulgarisação larga, de modo a educar toda a gente, é o elemento basilar; é preciso ao hygienista aproximar-se de todas as classes e dizer-lhes em linguagem comprehensivel o suficiente para fazerem ideia da natureza da doença, das suas causas e do modo como se póde combate-la com vantagem. Os resultados d’esta comprehensão do problema por parte de Blue são já conhecidos, nomeadamente a organisação da Comissão dos Cidadãos, que deu um extraordinario e vigoroso impulso á campanha.
Carlos Fortes
[1] Rupert Blue – The underlying principles of antt-plague measures – Relatorio apresentado ao 38º Congresso anual da Sociedade do Estado do Coronado, em abril de 1908 e publicado in California State Journal of Medicine, de agosto de 1908.
[2] Os ratos encontrados em S. Francisco da California dão as seguintes percentagens por especies: M.norvegicus – 80%, M. rattus – 6,8%, M. alexandrinus -0, 2%. M. musculus – 13%. Encontraram-se alguns hybridos resultantes do cruzamento da primeira com a segunda especie. M. musculus não forneceu um unico exemplar empestado, e, dado o pequeno numero de M rattus, pode dizer-se que praticamente a epizootia a considerar foi a de M. norvegicus.
Viu-se alli que de ordinario uma lura de rato se bifurca como um Y; no extremo d’um dos ramos de bifurcação é feito, por assim dizer, o celeiro e ahi se encontram grãos de varios cereaes, pedaços de pão, fructas, etc, no extremo do outro está o ninho, feito de farrapos, penas, palha, feno, etc, o que tudo offerece as melhores condições para um ideal ninho de pulgas. O rato é um animal subterraneo por força das circumstancias, deixando a toca sómente para procurar alimento e agua; nas cidades as suas maiores caminhadas dão-se ao longo das canalisações, onde encontra alimento e bebida e assim a migração atravez dos canos é um factor importante na disseminação da peste nos agglomerados citadinos.
Os ratos esfomeados e privados das suas tocas comem melhor as iscas envenenadas e entram mais facilmente nas ratoeiras. São animaes extremamente cautelosos, que não é possivel reduzir grandemente de numero quando se empreguem pessoas inexperientes na caça; é preciso industriar o homem. Não se imagine que qualquer pessoa póde ser um caçador de ratos, só porque se lhe mette na mão uma ratoeira. Seria o mesmo erro que suppôr que se é um bom soldado, só porque se tem uma arma. Da mesma sorte a distribuição de venenos precisa ser intelligentemente feita, de modo a torna-los inaccessiveis ás creanças e aos animaes domesticos.
As percentagens das pulgas encontradas nos ratos da California são as seguintes: C fasciatus – 79,2%, C. musculi- 6,7%, L. cheopis – 5,6%, P. irritaus- 7,6% e P. felis- 0,8%.
Os ninhos de rato encontrados sob os soalhos de madeira, nos buracos das paredes ou dos pateos contêm um sem numero de ovos de pulga, o que levou R. Blue a julgar que o habitat natural dos ectoparasitas é o ninho do seu hospede normal, no qual os ovos são depositados no verão e no outomno. Nas condições normaes os ovos desenvolvem-se na primavera e no verão e a pulga, já adulta, lança-se sobre o hospede com os primeiros calores. Se estes ninhos e buracos forem destruidos, podemos asseverar que eliminaremos fo combate muitos milhões de possiveis transmissores de peste.
Carlos Fortes - "Do livro – A Peste Bubonica - A 2ª Campanha em S. Francisco da California - Contra a peste 1907-1908"
in Diário dos Açores
de 13 de Novembro de 1920, nº. 8634, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1157.