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Texto da entrada (ID.1158)

Posteriormente, Rupert Blue leu ao Congresso Medico Pan-americano de Guatemala um trabalho The campaign against plague in San Francisco, California, em que, embora de apontem ainda alguns cuidados com os casos humanos, se mostra que o verdadeiro combate deve ser dirigido contra os ratos e suas pulgas. Os cuidados com os casos humanos consistiram no isolamento dos doentes num hospital á prova de rato, como foi dito; reconheceu-se, diz Blue, que os doentes atacados de peste bubonica, não complicada, não são contagiosos; e por isso se explica que fosse permittida a permannencia dos doentes em suas casas, quando essas estivessem em boas condições. Comtudo, mantiveram-se os contactos em observação, quer tivessem estado juntos de casos de peste humana, quer vivessem em habitações com ratos infectados ou até nas proximidades d’estas. Insiste-se particularmente na difficuldade de exterminar os ratos exclusivamente pela caça e por isso se recommenda cada vez mais imperiosamente o á-prova-de-rato[1] das habitações e a reducção do rato pela fome; esta tem como principal objectivo obrigar os ratos a comer os venenos.

Outro facto importante a citar no trabalho de Blue é que a cidade de S. Francisco se encarregou da defesa do resto do paiz, evitando o transporte de ratos mortos nos estrumes dos estabulos, que só podiam ser embarcados com um certificado de que vinham de locaes á prova de rato, esterilisando os trapos e d’um modo geral não consentindo que qualquer carga susceptivel (cereaes, fructas seccas, farinhas, couves, etc.) fosse embarcada, sem ter estado num armazem á prova de rato e sem um exame cuidado mostrar que taes generos não foram infetodas [sic] pelos ratos[2].

Na California fizeram-se numerosas experiencias com varios typos de apparelhos até então usados, para evitar o ingresso e a saida dos ratos dos navios, verificando-se que nenhum d’elles satisfazia. Inventou-se alli um apparelho formado por dois cones metallicos, oppostos pelas bases e em cujo interior se collocava uma ratoeira, julga-se ser este o melhor meio de attingir o fim desejado.

As conclusões de Rupert Blue com as quaes plenamente concordamos, são:

1ª – O principio fundamental da erradicação da peste é a erradicação do rato.

2ª – Esta só se pode obter por um ataque simultaneo ao rato, ás suas provisões alimentares e á sua habitação.

3ª – A erradicação permanente da peste depende directamente da quantidade e da permanencia do á-+prova-de-rato.

4ª – Portanto, o isolamento contra a peste deve ser dirigido contra os ratos, mais do que contra as pessoas e as mercadorias.

5ª – A peste póde existir, e de facto existe muitas vezes, na população murina d’uma cidade, durante alguns annos antes de se descobrir no homem. Por isso se recommenda que nas cidades maritimas se cacem systematicamente os ratos e se examinem para determinar se nelles existe ou não a peste. O recente avanço d’esta doença para o norte, a partir do continente sul-americano, indica a grande necessidade de adoptar esta medida.

A peste não apareceu sómente em S. Francisco: attingiu tambem outras cidades banhadas pela mesma bahia e nomeadamente Oakland e Sacramento. Nestas não foram tomadas medidas tão energicas como em S. Francisco, resultando d’ahi o apparecimento de alguns casos de peste humana no anno de 1909. É mais um facto a comprovar a efficacia da campanha raticida.

Merece deter-nos por um momento o trabalho de Billet[3] sobre a peste na Argelia. Depois de nos mostrar a extensão da epidemia, os resultados bacteriologicos, o exame dos ratos pelo que respeita ao seu grau de infecção (3,6%), determinação das diferentes especies dos ectoparasitas, depois de nos dar a conhecer as observações do parasitismo dos ratos pelos trypanozomas e pelos leucocytozoarios, Billet conclue com as seguintes notas sobre a etiologia e a prophylexia da peste:

1ª – A peste murina existe no departamento de Constantina, principalmente no Porto de Philippeville, sendo provavel que exista nos outros e particularmente no de Bône, embora as analyses não permittissem tirar sobre este ponto uma conclusão segura.

2ª – Os ratos examinados[4] apresentam grande quantidade de ectoparasitas, especialmente pulgas, que são consideradas como o principal agente de transmissão da peste.

3ª – Entre as diversas especies de pulgas[5], uma das mais espalhadas na Algeria, como nas Indias, é L. cheopis, que os dados rigorosos da sciencia mostraram ser a mais perigosa sob este ponto de vista; visto como ella é quasi a unica[6], que pica ao mesmo tempo o rato e o homem, inoculando, portanto, o B. pestis do rato pestoso no homem são[7].

Carlos Fortes


[1] É neste trabalho que Rupert Blue nos faz comprehender a importancia do á-prova-de-rato pela elevação (rat-proofing by elevation). Este meio, dando livre passagem aos inimigos naturaes do rato pelo levantamento dos soalhos a cêrca de 18 pollegadas (0m,40) acima do nivel do solo permittindo o accesso dos gatos e dos cães, traz como consequencia a fuga dos ratos.

A tal proposito convem referir o que se deu no Lobos Square Camp., onde a Sociedade da Cruz Vermelha mandou construir 750 barracas de madeira para alojar 2000 pessoas sem habitação; apesar de todos os cuidados hygienicos,  a peste appareceu neste acampamento, dando 18 casos. Reconhecendo-se a improficuidade das medidas de desinfecção para sustar a marcha da epidemia, recorreu-se á elevação das barracas a altura de 0m,40 acima do solo e esta medida denunciou a presença de ratos debaixo das barracas, os quaes se tinham lá refugiado, idos d’outros pontos, visto que alli se não encontraram (ratos?). Seja como fôr, depois que se tomou esta medida a peste desappareceu.

[2] Para Rupert Blue o perigo de disseminação da peste pelas mercadorias, é relativamente pequeno, julga tambem que (...falta de tinta...) influencia do homem não deve ser de grande importancia.

[3] La peste dans le département de Constantine em (...borrão...) Recherches particuliéres sur les rats, leurs ectoparasites et leurs rapports avec l’épidémie par A. Billet, in Annales de l’Institut Pasteur, 25 de agosto de 1908.

[4] Pertencem às tres especies M. norvegicus (61%), M. alexandrinus (36,5%) e M. rattus (2,5%).

[5] Clenop. Musculi 3,6(%), L. cheopis (35%); C. fasciatus (22,8%); P. felis (4,2%).

[6] Já vimos que C. fasciatus tambem pica o homem e se encontrou em leitos humanos no Porto.

[7] O dr. Zeller usou, à semelhança do que fez Liston e a Commissão Ingleza, das cobayas-ratoeiras, postas em diversas casas, onde se tinham manifestado casos de peste. Quatro d’estes animaes foram postos à solta na casa do forno d’uma padaria, onde havia saccos de farinha e onde uma latrina sem syphão communicava com os exgotos; todas capturaram varios exemplares de L. cheopis e uma d’ellas morreu de peste.


Referência bibliográfica

Carlos Fortes - "Do livro – A Peste Bubonica - A 2ª Campanha em S. Francisco da California - Contra a peste 1907-1908" in Diário dos Açores de 15 de Novembro de 1920, nº. 8635, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1158.



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