O tratamento da difteria pelo sôro especifico diminuiu fortemente a mortalidade por essa doença. Uma estatistica, que tenho presente, referente a uma grande cidade estrangeira, acusa 1.400 obitos por difteria em 1890, e apenas 150 como media dos ultimos anos. São resultados magnificos e basta o seu enunciado para nos estimular as actividades e nos fazer confiar no futuro.
Baixou extremamente a mortalidade, mas não baixou o numero de casos de doença. Com o sôro anti-difterico ficámos possuindo um bom meio terapeutico, mas não um excelente meio profilatico. Experimentou-se essa sua possivel acção, e ainda hoje se aconselha a injecção preventiva em pessoas que tenham contacto com outras já atacadas do mal. Infelizmente essas injecções, se teem real efeito preventivo, teem-no por muito pouco tempo, apenas por três ou quatro semanas. Findo êsse periodo seria necessario proceder a nova injecção.
Sucede, porém, que o efeito dessa segunda tentativa de imunisação é ainda mais fugaz. E tambem que, com o decorrer das injecções, podem aparecer sintomas morbidos que não teem, aliás que ver com a difteria. São os casos de anafilaxia, de que não trataremos agora.
O que seria necessario para a boa profilaxia anti-difterica era um preparado de facil administração e de resultados duradoiros, qualquer coisa como é a vacina anti-variolica. Nesse instituto se trabalha ha bastantes anos e hoje são já muitas as pessoas vacinadas contra a difteria, particularmente na America e em Inglaterra.
Começaram êsses estudos por se tentar a imunisação com a inoculação de toxinas do bacilo difterico. O processo era arriscado, como facilmente se calcula, para os individuos inoculados, e Behring substituiu-o pelo das inoculações duma mistura de toxina e de antitoxina, não sendo aquele inteiramente saturado, isto é, havendo sempre um pouco de toxina a mais. Behring fez inoculações em larga escala e pôde apresentar resultados que, pelo menos indicavam que se estava seguindo a boa via para a solução do problema que importava resolver.
O processo de Behring foi aperfeiçoado na America. Existe no nosso organismo, em todas as crianças de alguns meses e em muitos adultos, uma antitoxina natural ou espontanea que, para aquelas crianças muito novas, pode ser de origem materna. Essas pessoas, na idade em que teem antitoxina espontanea, não carecem de sêr vacinadas; mas quasi todos nós atravessamos um periodo em que o nosso organismo não possui essa imunidade total ou parcial, e que vai, em regra, dos seis meses aos dois anos. Ficou, portanto, assente que é essa a idade própria para se receber a vacina anti-difterica.
Como disse, ha muitas crianças vacinadas na America e em Inglaterra, e o processo foi oficialmente recomendado pelo ministerio da Higiene nêste ultimo país. Demonstrou-se já que a imunização é duravel, pelo menos que se mantem durante cinco anos, visto que ha crianças vacinadas desde esse tempo que se conservam imunes. Convêm esclarecer que a certeza dessa imunidade não provém, nem póde provir, da simples circunstancia de não terem sido atacadas de difteria as crianças vacinadas. Estabelece-se essa certeza por um processo que tem o nome de “reacção de Shick”.
Ha, porém, ainda algumas coisas que notar, em sentido desfavoravel ao processo de Behring, aperfeiçoado pelos americanos. Assim é que a imunização só lentamente se estabelece, o que torna o emprego da vacina ineficaz mas perigoso, visto que póde juntar-se toxina não neutralizada ás toxinas provenientes duma possivel infecção.
Estes defeitos parece terem desaparecido pelo processo proposto pelo bacteriologista Ramon, do Instituo Pasteur de Paris. Tratando a toxina difterica pelo formol e sugeitando-a á temperatura de 40 a 42º. Ramon conseguiu modificá-la de modo a tirar-lhe o poder tóxico sem lhe prejudicar a força imunizante. A essa toxina modificada foi dado o nome de anatoxina.
Aconselha-se actualmente fazer em todas as crianças, quando chegam á idade acima referida duas injecções de anatoxina, com 20 dias de intervalo. A imunisação realiza-se num periodo de cinco a seis semanas, isto é, muito mais rapidamente do que quando se emprega o antigo processo de Behring.
É possível que ainda vejamos no nosso tempo a generalização do emprego de vacina anti-difterica, como se pratica com a vacina anti-variolica.
F. Mira - "Cronica medica - A vacina anti-difterica"
in Diário dos Açores
de 16 de Junho de 1925, nº. 9963, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1212.