I- Tuberculose As duas conferencias do sr. dr. Henrique Maria d’Aguiar, realisadas no Atheneu commercial d’esta cidade, sobre a existencia da tuberculose e causas do seu desenvolvimento, assumpto que, por bem conhecidos motivos, tem para as terras açoreanas uma importancia vasta, foram já noticiadas desenvolvidamente no Diario dos Açores. Comtudo o grande numero de notas que elas reunem, a soma de observações que essas duas conferencias patenteiam no seu integral desenvolvimento, exigiam entre os registos d’este jornal um logar mais espaçoso do que uma informação, embora substanciosa. O maior relevo entretanto acaba de adquirir agora o assumpto d’essas conferencias. Foi a reunião effectuada ha dias no Theatro michaelense para a creação dos serviços contra a tuberculose n’este districto, d’onde se acha marcado o inicio d’esse benemerito movimento entre nós, que veio dar-lhe ainda maior actualidade e exaltar-lhe mais o valor pela sua influencia pratica. Por isso nos convecemos de que é um imprescindivel serviço trasladal-as, com a devida licença, do nosso presado collega o Districto, onde foram publicadas pelo illustre conferente: Minhas Senhoras e meus Senhores: Accedendo ao honroso convite que me foi feito para, n’esta Associação, tomar a palavra sobre qualquer assumpto que vos interessasse e fosse util conhecer, satisfaço de bom grado ao desejo solicito e intelligente de quem me convidou e cumpro um dever, porque todo o homem tem de contribuir, no limite das suas forças, para o aperfeiçoamento do meio em que vive, obedecendo assim à grande lei de solidariedade social, que no momento presente domina e dirige todas as manifestações da actividade humana, orientando-as pelos principios da mutualidade, um dos mais poderosos factores de progresso e harmonia sociaes. Comprehensão elevada tem a vossa zelosa direcção d’esses principios, procurando instruir aquelles dos seus companheiros de trabalho que, tendo entrado cedo na lucta pela vida, não tiveram tempo nem meios para adquirir um dos melhores instrumentos de trabalho – a instrucção. Além dos cursos que vos abriu, quiz ella trazer-vos aqui as noções vulgarisaveis de todas as sciencias, que a todos importa conhecer. Diversos foram os assumptos que me occorreram e todos elles dignos da vossa attenção benevolente; porém, a minha qualidade de medico chamava-me para o campo especial dos meus conhecimentos profissionaes e lançava-me na escolha d’alguns dos multiplices problemas sociaes, que à medicina vão procurar esclarecimentos e esperam a solução do concurso de todos nós. N’este caso depararam-se-me, no capitulo da hygiene social, duas questões momentosas que por toda a parte prendem a attenção de governos, de sociedades philantropicas e de todos os homens, enfim, que pensam no futuro da sua raça e na conservação das forças vivas das suas nacionalidades. São ellas – a tuberculose e o alcoolismo – os grandes males sociaes da epocha, que, depois de corroerem e inutilisarem, o individuo, de se propagarem e arruinarem a familia, alastram finalmente pela sociedade, desiquilibrando-a nas suas forças economicas, flagellando-a nos seus sentimentos mais caros, como as mais duras calamidades. São flagellos tanto mais para temer, quanto é certo que a sua propagação e estragos se fazem lenta e insidiosamente, sem provocarem o grito d’alarme que outras mortes despertam pela rapidez da sua evolução e ruido da sua symptomatologia. Na peste e no cholera, os atacados d’um dia são os mortos dos dias seguintes: - a evolução é rapida, as victimas numerosas n’um momento e o terror a consequencia natural; por isso acodem promptos os meios de as debelar, ou suster-lhes a propagação. Na tuberculose e no alcoolismo, os mortos d’um dia não são os atacados da vespera; entre a invasão do organismo e o desenlace terminal do morbo, medeia um longo periodo, muitas vezes d’apparente saude, que faz affrouxar os cuidados e desattender as medidas preventivas. D’ahi a diffusão crescente d’estes males, demonstrada pela estatistica com a eloquencia brutal dos numeros, que nos vêm revelar que a septima parte da mortalidade annual em todo o mundo é devida à tuberculose e, nas diversas nações, é, por ordem decrescente e por cada 10000 habitantes: Na Russia, 39,8; na Austria, 36,2; na Hungria, 31, 3; na França, 30,2; na Suecia, 23,1; na Allemanha, 22,4; na Suissa, 20,3; na Irlanda, 20,3; na Hollanda, 18,8; na Italia, 18,7; na Belgica, 17,6 e na Inglaterra 13,6. Em Portugal pelo censo referido a 1 de janeiro de 1903, averiguou-se haver 3379 tuberculosos, numero inferior á realidade, segundo julgou o dr. Ricardo Jorge, que diz o seguinte: “Pecca, pois, e grandemente, por defeito o total registado. Ha delegado de saude que não calculam a quebra em menos de metade e outros em mais. A triplicação talvez dê o numero mais proximo da realidade, quer dizer, existiriam no paiz cerca de 10.000 tuberculosos” (Annaes de Saude Publica do Reino) No nosso districto , os obtitos em geral, por tuberculose, por febre typhoide e por doenças indeterminadas, nos ultimos seis annos foram os seguintes. Por esta nota que me foi fornecida pelo meu collega e amigo dr. Bruno Tavares Carreiro, solicito delegado de saude, vêdes que a tuberculose figura alli com uma mortalidade inferior à realidade, pois é avultado o numero da casa das doenças indeterminadas, onde certamente estão incluidos muitos casos de tuberculose não diagnosticados por falta d’assistencia medica. No emtanto, nos ultimos cinco annos a mortalidade pela tuberculose é representada alli pelo dobro da mortalidade pela febre typhoide, doença que tanto alarme causa todos os annos. (Prossegue)
[n.d.] - "Propaganda contra a tuberculose - Conferencias realisadas no Atheneu Commercial pelo sr. dr. Henrique Maria d’Aguiar"
in Diário dos Açores
de 31 de Janeiro de 1908, nº. 5000, p. 1 (col. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1306.