I- Tuberculose Continuação A lei ordena aos seus funccionarios a perseguição aos tuberculosos, escorraçando-os dos empregos onde ganham o pão de cada dia e muitas vezes a doença que os tortura, mas não cuida da situação futura d’estes infelizes – é o principio da lucta contra o tuberculoso reconhecida pela lei, o que não póde ser. Leis que não assentam n’um preparo anterior, moral e material, d’um povo, são inuteis; por isso me parece que a nossa legislação, no que respeita ao problema da tuberculose, devia, para ser efficaz, ter sido precedida d’outra, que melhorasse as condições essenciaes de vida do povo portuguez, educando-o nos principios rudimentares de hygiene, barateando-lhe a alimentação, saneando-lhe a casa, para diminuir assim o numero dos seus tuberculosos e poder depois recolher os poucos que o contagio não poupasse. Emquanto pesarem duros impostos sobre os generos de primeira necessidade para a alimentação das classes populares e existirem em Lisboa os bairros d’Alfama, Palacio do Conde de Soure e outros viveiros de miseria, não haverá sanatorios que cheguem para receber as successivas creações de tuberculosos, geradas á sombra d’uma vida difficil e insalubre n’aquelles antros. O censo dos tuberculosos do reino, determinado pelo decreto citado e levado a effeito pela Inspecção Geral de Saude, com a sabia orientação e largueza de vistas de que é capaz o homem que tem inspirado toda a nossa legislação sanitaria nos ultimos annos – o Dr. Ricardo Jorge – é uma previdencia cujo alcance se deprehende do seguinte periodo da circular dirigida a todos os medicos: “Pretende-se saber tanto ao certo quanto possível, qual é a cifra numerica dos tuberculosos portuguezes, até agora arbitrada sem nenhuma base positiva; depois, a area da sua distribuição, para determinar os seus fócos, as differenças da sua endemicidade e as normas a que obedece a sua diffusão, quaes as classes etarias, profissionaes e sociaes que ella devasta, de preferencia e em que grau, deduzir-se-á do inquerito, que fornecerá ainda os dados capitaes da grande etiologia da infecção e ministrará mesmo elementos uteis para a organisação da assistencia publica” e eu accrescentarei – para a organisação da prophylaxia especial a cada região. A liga nacional contra a tuberculose, com séde em Lisboa e nucléos por todo o paiz, empenha-se na lucta contra este flagello por meio de congressos, conferencias e outros meios de propaganda, que tem realisado em differentes cidades, sedes dos seus nucleos. Taes são os elementos de lucta contra a tuberculose de que Portugal dispõe. Nós, os michaelenses, o que temos feito e poderemos fazer na questão da tuberculose? Pouco mais de nada temos realisado. Não por ser rara a doença entre nós, como vos provei pela estatistica, nem tambem por estarmos longe de fócos intensos de tuberculose, que periodicamente atiram para as nossas povoações ruraes, pela remigração, alguns desilludidos que na America do Norte procuravam a fortuna, tendo apenas encontrado a doença. É principalmente para esta origem da tuberculose, entre nós, que devem fixar-se as attenções das nossas auctoridades. E, felizmente, já começou a fazer-se alguma coisa n’esse sentido por iniciativa do actual governador civil, que exige dos guarda-móres de saude uma inspecção sanitaria a todos os repatriados da America com o fim de apurar os casos de tuberculose d’aquella proveniencia. Ha pouco começadas essas inspecções, não póde, por ora, fazer-se por ellas um juizo seguro d’aquella entrada da tuberculose, a qual se afigura a todos os clinicos ser importante. Mas, suppondo limitado o numero de portadores da tuberculose, vindos da America, dez, por exemplo, - não irão esses dez tuberculosos levar a sua doença a dez freguezias differentes e constituir n’ellas outros tantos fócos de disseminação? Certamente que isso póde succeder, porque as condições em que o tuberculoso vae viver na sua freguezia todos nós as conhecemos: - agglomeração de pessoas de familia, de visinhos, pouco asseio e nenhuns cuidados com os productos vehiculos de bacillos são, como vimos, condições favoraveis de contagio. Não é tanto o numero de tuberculosos entrados que constitue perigo, mas sim os fócos de dessiminação que se formam. O que faz entre nós para limitar o contagio é uma ou outra desinfecção em habitações e utensilios de tuberculosos e a collocação, com bastante economia, d’alguma escarradeira, do typo das da Assistencia Nacional, em algumas repartições publicas. Na Santa Casa os tuberculosos são espalhados por todas as enfermarias, onde vão levar aos outros doentes a sua tuberculose e em troca agravar o seu estado com infecções secundarias. Urge, pois, espalhar com profusão escarradeiras por todas as repartições publicas, egrejas, estabelecimentos de venda e sociedades; promover uma propaganda activa contra a tuberculose, em que os parochos podem prestar um valioso serviço, porque são, sem duvida alguma, escutados com respeito pelo povo rural; fundar um dispensario de prophylaxia, que seja a séde d’uma Succursal da Assistencia Nacional; crear uma enfermaria d’isolamento para tuberculosos annexa á Santa Casa da Misericordia; desviar quando possivel dos centros industriaes da America a nossa emigração, por meio d’uma propaganda feita aqui, por intermedio dos parochos e auctoridades administrativas, a favor das colonias agricolas; e crear, nos portos principaes de desembarque dos nossos emigrantes na America, agencias d’informação e collocação d’elles n’aquellas colonias. Continua

[n.d.] - "Propaganda contra a tuberculose - Conferencias realisadas no Atheneu Commercial pelo sr. dr. Henrique Maria d’Aguiar" in Diário dos Açores de 7 de Fevereiro de 1908, nº. 5006, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1315.

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