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Texto da entrada (ID.1322)

Ás 9 horas em ponto, entra o illustre conferente na sala, que já se acha repleta de socios, convidados e grande numero de senhoras; um auditorio de mais de 200 pessoas. O assumpto da conferencia não nos parece de molde a attrahir senão os individuos cujos interesses mais ou menos se ligam á agricultura. Todavia, quanto a nós, a presença de tão numerosa como selecta concorrencia é plenamente justificada pelos creditos de que gosa o illustre conferente, pelo seu saber, pelo seu modo pouco trivial d’expor, e pela elegante simplicidade com que se occupa dos assumptos scientificos, abstraindo do emprego dos nomes que a sciencia tem para cada cousa, e que tornariam confusa senão imcomprehensivel, para muitos, a maior parte da conferencia. A curiosidade e o interesse manifestaram-se em todos os rostos. Estabelece-se um silencio absoluto, o orador começa, passa-se uma hora com espantosa rapidez. Uma quente salva de palmas cobre as ultimas palavras do erudito conferente, mostrando-lhe o apreço em que é tido. Como se estivesse n’uma aula, ou entre familia, s. ex.ª teve suspenso dos seus labios todo o auditorio, durante uma hora, para falar-lhe... na conveniencia do aproveitamento de alguns animaes dos mares dos Açores no fabrico de adubos. Da utilidade da conferencia julgarão os que ella não assistiram, pelo que vamos expor, seguindo as notas que tomámos e especialmente as que muito amavelmente nos foram cedidas por s. exª, que por certo nos perdoará qualquer omissão, ou qualquer má interpretação de que a nossa incompetencia é sufficiente escusa. Começa s. exª por dizer , ser bem conhecido o facto de existirem em determinadas regiões do globo animaes que n’outras regiões se não acommodariam. Assim, o elephante e o leão que vivem em Africa, não poderiam viver nas regiões polares, onde o urso branco e as phocas largamente procriam. O que se passa em terra, da mesma fórma que se passa nos oceanos, onde, como nos mares dos Açores, apparecem baleias e peixes que em outra parte se não desenvolvem como aqui. A seguir, historia brevemente a industria da caça da baleia nos Açores, exercida desde meados do seculo 15º por navios baleeiros inglezes que vinham a estes mares em busca d’aquelles utilissimos animaes, então de tão numerosas applicações para a industria. Ha cerca de 50 annos, substituindo na industria o azeite da baleia pelos oleos vegetaes, e tendo quasi que desapparecido os baleeiros inglezes dos nossos mares, a caça da baleia começa a ser exercida por pescadores açoreanos estabelecidos em terra. Para o illustre conferente, a maneira por que se exerce essa industria nos Açores fal-o dividir estas ilhas em dois grupos. Em quasi todas as ilhas do grupo oeste (Flores, Corvo, Pico, Fayal) ha unicamente proprietarios de canôas baleeiras, pagando todos a um vigia e tendo cada proprietario um homem de sua confiança, um official, para dirigir a caça feita pela sua canôa. Logo que o vigia avista o espato (corrupção da palavra ingleza spont) o jacto de vapor de agua que sae da cabeça da baleia, logo que o avista, diziamos, sópra n’um buzio para dar o signal = toca o buzio, como por lá se diz = e immediatamente dezenas de homens largam os seus trabalhos para se reunirem na praia (....). (Depois de falar da caça à baleia, fala da utilização na agricultura dos restos da baleia como adubo). Depois, diz-nos o que é a silica, mineral em extremo duro. Pois, é d’este mineral que pequenissimas algas, (as diatomaceas) que vivem nos oceanos e nas aguas dôces, formam o seu esqueleto, ou frústula. Morrem as algas, desapparece a sua parte verde e fica a frústula, a silica, constituindo então uma farinha com a qual se limpam os metaes, o tripoli. D’estas algas no estado fossil, encontrou s. exª nas Furnas um curioso jazigo, no Salto do Bargado. Outro exemplo que s. exª nos dá, é o do tremoço e outras leguminosas, assimilando o azote do ar para crescerem e formarem-se. O homem já conseguiu tambem fixar o azote da atmosphera, existindo nos Estados-unidos, na Suecia e Italia, tres fabricas que exploram o azote do ar, transformando-o n’um adubo. Uma vez comprehendida a assimilação natural, ou a transformação dos alimentos em substancia propria, vê-se que a planta é como a gallinha. A gallinha busca na cal, pela assimilação, a formação da casca do ovo; a alga, procura na silica a formação da frústula; como outras plantas, buscam no terreno os elementos de que necessitam para crescerem e desenvolverem-se. Esgotado o terreno d’esses elementos que tão rico o tornam, póde a planta n’ella medrar, pode crescer, mas não ficará perfeita como quando puder ir buscar alli tudo o que necessita para o seu completo desenvolvimento. Cumpre portanto ao homem restituir ao solo as substancias plantas lhe tiram, para que lhes forneça largamente o que d’elle necessitarem. Os productos que enriquecem os terrenos, restituindo-lhes o perdido vigor, são os adubos mineraes, (como os phosphatos Thomaz tão conhecidos) ou organicos (por exemplo os guanos); sendo os mineraes em geral os mais assimilaveis. N’esta altura, refere-se o distincto conferente com palavras de justiça aos srs. dr. Welhauser e agronomo José Canavarro de Faria e Maia, que fazem parte do auditorio, e que teem sido incansaveis em promover o desenvolvimento do emprego de adubos que já hoje tanto enriquecem os nossos terrenos, restituindo-lhes a força esgotada durante o periodo de relativo atrazo em que se encontrou aqui a agricultura. Depois, mostra-nos s. exª como de anno para anno tem augmentado a importação de adubos em S. Miguel, referindo-se ás difficuldades que encontrou nas repartições publicas para poder organisar uma pequena estatistica, isto apesar da dedicação e intelligencia de muitos dos funcionarios a quem para tal fim procurou. (...) Vê-se por aqui, que a importação dos adubos em S.Miguel vae n’um crescendo tão grande que se póde e deve pensar no fabrico de adubos, não devendo porém contar-se unicamente para tal fabrico com os restos de baleias como demonstrará. F. O. Santos Ferreira

Referência bibliográfica

F. O. Santos Ferreira - "Atheneu commercial - A conferencia de 20 do corrente pelo ex.mo sr. tenente coronel Francisco Affonso de Chaves" in Diário dos Açores de 24 de Fevereiro de 1908, nº. 5020, p. 2 (col. 3-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1322.



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