Chronica scientifica
Os terramotos da Calabria – A ameaça dos volcões – Necessidade da previsão das perturbações sismicas – Uma sciencia nova: a sismologia – Propaganda do estudo dos movimentos da crosta terrestre – Diferentes hypotheses e concepções theoricas – Theoria astrophysica – Relação entre os abalos de terra e as variaçôes [sic] magneticas – O volcanismo e as oscillações telluricas – Opinião dos geologos modernos – As explosões interiores – Explicações admissiveis.
Os verdejantes pampanos, as encostas floridas, onde vicejam os pastos em frescos vales, sob o ceu de um intenso azul, que cobre a formosa patria de Dante, mal podem agora ocultar os estos da comoção que a um tempo revoluciona a terra e atemorisa os animos das victimas e dos espectadores do cataclysmo que se desenrola de ha pouco na Calabria, essa pittoresca região do sul da Italia, celebre pela fama terrivel dos seus bandidos e pelo eco tradicional dos abalos que de tempos a tempos a assolam.
Ha meses que o Vesuvio, retomando a catadura ameaçadora de quando estava para subverter Herculanum e Pompeia, dera por assim dizer o aviso, como os outros volcões insulares italianos que fazem parte do mesmo systema. Era como a ameaça temivel das convulsões que agora ruinam aldeias, esmagam populações, abrem precipicios e derramam á volta dos pontos atacados a loucura e o desespero, a desgraça e o luto das grandes catastrophes.
O triste phenomeno que em grande ponto acada de dar um funebre exemplo da instabilidade do interior terrestre não é facto unico e inesperado naquella fertil região, alias pouco culta, da baixa Italia.
Passam por ser dos mais violentos os terramotos da Calabria, de que os mais lembrados ocorreram em 1783, 1954 [sic] e 1870.
Depois do desastroso convulsionamento de Ischia em 1883, o qual destruiu Casamicciola, matando 5:000 pessoas, a gloriosa patria das Artes não soffrera tão grande emoção como n’esta hora em frente da nova desolação dos calabrezes.
A constituição geologica do paiz, a visinhança dos seus montes volcanicos, de nunca adormecida actividade torna aquellas aprasiveis regiões tão cantadas por poetas e celebradas pelos literatos de todas as epochas, singularmente atreitas a esta fatalidade.
Não havendo força a opôr-lhe, seria para desejar que ao menos um esforço de previsão diligenciasse poupar vidas e valores, denunciando as perturbações sismicas com antecedencia bastante para se tomarem precauções imediatas, como já hoje se consegue com respeito ás tempestades, em vista do adiantamento da meteorologia; mas o estudo dos movimentos sismicos é muito mais dificil e delicado, para que se possa adquirir em pouco o conhecimento das causas de que dependem dos [sic] sinaes que os precedem.
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No emtanto podemos afirmar que a parte da physica do globo que se occupa destas alterações se acha suficientemente desenvolvida para constituir um ramo especial – a sismologia, sciencia nova, que conta pouco mais de cincoenta annos e que pelo aperfeiçoamento instrumental de que dispõe e com o concurso de outros ramos scientificos permitte conhecer as leis que regulam os phenomenos desta ordem, cujo estudo atentamente seguido se tem propagado pelos diferentes paizes da Europa, principalmente na Italia, Suissa e Austria e ainda nos ultimos annos, no Japão, onde as observações sismologicas são seguidas com um aproveitamento local e scientifico geral.
Apesar da riqueza de conhecimentos actual e da precisão maior dos methodos, não é ainda facil explicar como se dão os abalos de terra, coexistindo por isso mais duma hipothese, dfierentes [sic] theorias que pretendem esclarecer a questão.
Para muitos autores os phenomenos sismicos estão ligados ao volcanismo e portanto á acção do fogo central, que se mantém por virtude de reacções chimicas no interior da terra, reacções que modernamente os sabios definem de um modo diverso do que era d’antes entendido.
Uma nova corrente de ideas, que a investigação de novos e interessantissimos factos vae avolumando, julga as ondulações terranneas dependentes de phenomenos astronomicos, meteorologicos e magneticos, o que colloca os estudos sismicos em relação com a astrophysica e a meteorologia.
Pretende-se surprehender a cada serie de observações o periodismo dos terramotos e a sua ligação com differentes forças da natureza como a atração do sol e da lua, a influencia das manchas solares e as perturbações magneticas.
Hoje está reconhecido por muitos physicos que a producção das maculas á superficie do astro do dia tem intimamente que ver com o magnetismo terrestre e ha ainda quem suponha relacionadas com as perturbações do sol as erupções volcanicas.
De facto, tem se notado a coincidencia de varias alterações no disco daquelle astro, o estado magnetico da terra e a actividade de alguns volcões, como por exemplo o da Martinica. No dia 8 de maio de 1902, no momento preciso da erupção do Monte Pelado, os observatorios magneticos de todo o mundo assinalaram pela sua desorientação momentanea a anomalia que então se dava.
Por outro lado, es [sic] professores Milne e Gray, que estudaram os movimentos telluricos do Japão, reconheceram a intima connexão entre os sismos, ou abalos terraqneos [sic] e as variações magneticas.
Mais recentãmente [sic] álguns physicos, entre elles Cooper, atribuem, ainda que por hypothese, toda esta phenomenalidade á energia electrica do Sol.
As ideas actuaes sobre a correlação das forças physicas não desmentem na theoria estas conjecturas, antes as alimentam e corroboram descobrindo em uma quantidade de phenomenos naturaes, que attestam a vida do globo, a legitimidade desse conceito.
Seja como fôr, a importancia do conhecimento a fundo de todos estes phenomenos impõe-se de uma maneira imperiosa, para a resolução de diversos problemas scientificos, entre os quaes figura a determinação das crises sismicas com o rigor mathematico que teem, dor [sic] exemplo as predicções astronomicas.
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Não resta duvida de que ás manifestações de actividade ignea se prendem estremecimentos e ruidos subterraneos que teem sido apreciados de todos os tempos e representam a base mais solida para ligar as oscillações dá [sic] crosta quem e habitamos com o volcanismo.
É junto das montanhas em ignição que os tremores de terra se pronunciam mais e se multiplicam indefinidamente, como acontece no Japão, nas Antilhas, na Ameica [sic] central, na Sicilia, na ilha de Java e em muitas outras ilhas volcanices [sic] do Pacifico.
A opinião de alguns geologos modernos inclina-se a que origem de certas vibrações telluricas está nas explosões internas devidas á penetração das aguas no interior do planeta pelas fendas naturaes e outras aberturas por onde se põem em communicação com as substancias ardentes ou inflammaveis que compõem o nucleo activo do globo, determinando reacções chimicas de uma energia espantosa, explosões em ponto muito grande que veem abalar a crosta do orbe e produzir os terramotos.
Tem que ver com esta hypothese subscrita por geologos autorisados a theoria que explica o volcanismo pelo contacto subito das aguas infiltradas com as massas de sodio e potassio existentes no seio da terra e capazes de produzir deste modo conflagrações imensas pela extraordinaria afinidade desses metaes para o oxigenio da agua, libertanda [sic] ao mesmo tempo enormes quantidades de hydrogenio inflammado bem como de outros gazes.
A proximidade notavel em geral dos volcões com o mar dá um certo fundamento a esta theoria.
No estado presente dos nossos conhecimentos não é possivel descriminar positivamente estes factos e valorisal-os de um modo definitivo, sendo provavel que sobre elles possa assentar a interpretação de certas causas locaes descobertas pelos geologos. O futuro dirá sobre a sua theorisação geral, que não pode deixar de interessar vivamente a humanidade pensante.
BETTENCOURT FERREIRA.
J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Os terramotos da Calabria – A ameaça dos volcões – Necessidade da previsão das perturbações sismicas – Uma sciencia nova: a sismologia – Propaganda do estudo dos movimentos da crosta terrestre – Diferentes hypotheses e concepções theoricas – Theoria astrophysica – Relação entre os abalos de terra e as variaçôes [sic] magneticas – O volcanismo e as oscillações telluricas – Opinião dos geologos modernos – As explosões interiores – Explicações admissiveis"
in Diário de Notícias
de 26 de Setembro de 1905, nº. 14307 , p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1408.
Ciênias da Terra