Pobre Sol
Não creiam os nossos leitores que lastimamos o astro brilhante e quentissimo do dia, por alumiar tanta cousa que mais deveria ficar ás escuras; que o censuramos por nos não mostrar os seus calidos habitantes imaginarios por tantos astronomos; que lhe deploramos a sua sorte de operario sem descanço [sic].
Nada d’isso. O que deploramos é o Sol não ter benzina ou outro qualquer dos «tira-nodoas» em voga, para fazer desapparecer as suas manchas.
«Não tem sorte o Sol este anno! Ainda tem mais uma mancha do que o anno passado.».
Assim nol-o diz o articulista d’um jornal francez, entendido na materia. Hontem á tarde, diz-nos elle, o disco do Sol podia ser examinado á vista desarmada sem difficuldade e nelle se notava mais uma enorme mancha.
Este phenomeno é um dos mais importantes que foi dado observar-se e pode rivalisar, pela sua extensão total, com aquelles de que se falou largamente em fevereiro e março passados.
Com effeito, na sua maior extensão, este grupo de manchas occupa 200:000 kilometros, approximadamente, mais de quinze vezes o diametro da Terra. Por si só, a grande mancha principal do grupo (cuja forma geral rectangular era notoria quando foi observada) tem uma dimensão que pode ser avaliada em 80:000 kilometros. Este grupo está situado no hemispherio boreal do Sol, mas proximo do equador d’este astro, a uma altura equivalente a 12 graus em média.
Imaginem, leitores, como estará o pobre Sol, todo manchado mesmo ali no meio…
Quando appareceram estas manchas, indicadoras da actividade solar?
(Actividade com falta de benzina… para nodoas).
Theoricamente, o logar que ellas occupam apparecem durante a rotação do astro do dia, em 9 de julho.
Ha, portanto, dez dias; mas tambem nos dizem que ella deve apparecer no lado opposto, no dia 23.
A immensidão d’esta perturbação da superficie do Sol é bem digna do maximo d’actividade d’este astro, maximo que deve ter logar este anno, se o periodo que indica estas epocas está certo, visto contar-se por 11 annos. O ultimo maximo teve logar no 2.º semestre de 1893.
Mas é provavel que isto não seja assim, porque a grande regularidade dos phenomenos solares tambem já está um pouco atacada da molestia da epoca: a irregularidade, o imprevisto, o modernismo.
Estas irregularidades complicam ainda a theoria da origem d’estes phenomenos e as relações mais ou menos directas d’esta actividade com as vicissitudes soffridas pela atmosphera terrestre.
E como o Sol, o pobre Sol, está perturbado na sua vida intima, não será para admirar que cá pela Terra haja tantas perturbações intimas e exteriores.
E.C.
E. C. - "Pobre Sol"
in Diário de Notícias
de 24 de Julho de 1905, nº. 14243, p. 2 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1413.