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Texto da entrada (ID.1414)

Chronica scientifica

Os jardins zoologicos em presença da moderna expansão colonial – A verdadeira importancia d’estes estabelecimentos de vulgarisação scientifica – A remodelação por que teem de passar para satisfazerem os seus fins – Os parques de animaes como exploração mercantil e em vista da aclimação – A creação das zebras – Os jardins zoologicos americanos – A New-York Zoological Society

A recrudescencia de actividade colonial que desde certo tempo se denuncia no Estado portugués [sic], como repercussão do que se passa noutras nações similhante desenvolvimento colonisador traz-nos a proposito para umas considerações acerca de um assunto que, parecendo de simples curiosidade diversiva, é contudo de um grande interesse pratico, no sentido da expansão a que aludimos e ainda noutros pontos de vista.

Os jardins zoologicos e de aclimação não se fundam hoje sómente na perspectiva de um embelesamento suburbano, para amenidade e atractivo da cidade e aprazimento dos que pretendem nesses estabelecimentos um interessante passeio como outro qualquer. É grande ingenuidade assim imaginal-os e construil-os.

Os parques de animaes indigenas ou exoticos devem attingir valor muito maior e uma acção mais longinqua e eficaz no campo da educação scientifica popular e servem ainda para os elevados fins de auxiliar os progressos das sciencias biologicas, particularmente da psychologia animal e da etbnologia [sic], isto é, das raças provenientes de varios climas e devidas a diferentes cruzamentos.

O estudo da aclimação constitue sempre uma dificuldade especial, pela reunião nestes parques de animaes de regiões as mais opostas e cujas condições de vida mais ou menos modificaveis custam muito a reproduzir e a conservar.

Entre nós e mesmo em França conhece-se o jardim de prazer, apenas povoado de especies zoologicas sofrivelmente vulgares, para entretenimento da espectativa geral, isto mesmo, por iniciativa de sociedades emprezarias de incentivo sobretudo comercial, as quaes bem merecem no entanto do publico e do governo, pelo divertimento instructivo que proporcionam.

As necessidades porém dos modernos estudos zoologicos requerem uma remodelação completa deste systema de parques, para que elles possam satisfazer numa certa medida as circunstancias da experiencia a que ficam sujeitos n’elles os animaes de procedencias tão diversas e de exigencias incongruentes pelo seu habitat, pelo seu modo de vida, que seria grosseira imprudencia modificar logo á chegada a um novo ceu, a uma habitação totalmente excentrica do seu meio habitual.

Estas circunstancias que parecem á primeira vista faceis de realisar, encontram na pratica serios obstaculos, para vencer os quaes são necessarios maiores recursos de ordem material e intelectual, a fim de satisfazer ao acrescimo das despezas e á interpretabilidade e resolução dos problemas a resolver nestes campos experimentaes.

Interessa sobretudo ao nosso paiz a creação e desenvolvimento de institutições como estas, aproveitando o melhor possivel as excellencias do clima e até a sua variabilidade na mesma e em diferente latitude e ainda o favor da nossa situação colonial, quanto á extensão e proximidade relativa de estabelecimentos em regiões tropicaes.

Não só como estudo, mas como empreza mercantil, a parcagem dos animaes exoticos se torna objecto de atenção especial, tendo em vista que o sucede, por exemplo, na celebre ménagerie de Hamburgo, onde o conhecido collecionador e domador Hagenheck mantem ha cerca de quarenta annos uma das mais celebres, senão a mais justamente celebre das instalações deste genero, de um valor industrial suficientemente invejavel.

A exhuberancia do nosso solo como o esplendor do nosso sol reune os principaes elementos para um emprehendimento similhante e egualmente productivo.

Na mesma sequencia de idéas, a fundação de jardins zoologicos nas principaes cidades coloniaes é tambem uma indicação de utilidade incontestavel, satisfeita a qual poderiamos ter em via de solução os mais importantes problema [sic] de aclimação.

Os centros commerciaes intermediarios, como a ilha da Madeira, são de escolha para identico fim, podendo ahi conseguir-se uma admiravel collecção de animaes das regiões calidas, nas melhores condições naturaes para a sua manutenção, reproducção e apuramento ethnico.

A multiplicação destes fócos de exposição e creação de animaes não é por forma nenhuma demasiada, attentas as requisições numerosas da zoologia applicada e o partido utilitario que ha a tirar dellas.

Para exemplo poderiamos trazer quantidade de factos; referir-nos-emos de preferencia a um que, por sua mair [sic] importancia e actualidade, é dígno de menção especial.

Tem-se fomentado principalmente em Inglaterra a producção da zebra domestica, o que em presença da perda enorme de gado nas pocessões africanas e outras, realisa uma economia inestimavel, resultante da adaptação daquelles animais de especial resistencia ao trato e exercicio de cavallaria e de transporte em climas quentes.

A procreação da zebra domesticavel primeiramente realisada no Brazil, ha annos e ultimamente retomada pelos inglezes na Uganda e pelo nosso collega dr. Nascimento em Angola, no parque do sr. visconde Giraul, é uma das aplicações mais felizes e renumeradoras do moderno systema de parcagem, debaixo de principios da zoologia, uma sciencia das mais productivas hoje, mas que em Portugal, apezar do esforço constante de especialistas competentissimos, se tem demorado na phase platonica de singela curiosidade.

Nos Estados Unidos todas as grandes cidades possuem o seu jardim zoologico, de costume fundado por sociedades particulares, ás vezes pelas municipalidades e mais raramente pelo governo. Tal é o parque nacional de Washington, annexo da Smithsonian Institution, onde os estudos naturaes se proseguem [sic] com uma largueza de vistas e uma riqueza propria da nobreza de animo que presidiu á sua instituição e cujos relatorios são simultaneamente de um valor scientifico e de uma belleza artistica incomparaveis.

Mais moderno, mais vasto, mais apropriado e mais rico, consta-nos ser o «zoo», como lá se diz popularmente, de Nova York, o mais recente dos jardins zoologicos do mundo, porventura o mais confortavel, dotado de todos os melhoramentos que o elevam á categoria de modelo e cujas particularidades de acomodação mereciam uma noticia pormenorisada que a limitação de espaço nos não permitte dar neste logar.

A sociedade que o instituiu é composta de zoologistas, de ricos doadores e de membros cotisantes e destina-se ao progresso das investigações biologicas e a instrucção e divertimento artistico dos habitantes da cidade de Nova-York e dos forasteiros. O jardim occupa uma extensão de cerca de 100 hectares, concedidos pela edilidade respectiva e abrange a velha floresta de Broux [sic], com um respeito pelas velhas arvores e um aproveitamento sabio dos tanques e outras disposições naturaes, agora transformadas do melhor modo a satisfazer aos intuitos da «New-York Zoological Society».

É nesta tapada que os antilopes gosam de uma quasi liberdade, cercados apenas por malhas mettalicas, largas mas resistentes.

Os ursos americanos ficaram instalados como em sua propria habitação, nas porções de rocha encontradas, onde lhes abriram cavidades-abrigos de facil limpeza.

As cabras das Montanhas Rochosas, os carneiros da Serra Nevada e outros ruminantes acham numa disposição analoga do terreno a melhor residencia em captividade.

Os repteis vivem em pavilhões artisticamente collocados na proximidade dos tufos da flora que ordinariamente os alberga e lhes serve de paizagem. Até os crescidos alligatores do Mississipi teem nessas installações a praia arenosa onde descançar [sic] ao sol.

O aviario contem arvores, tanques e sebes onde espairece a sua jovial população alada, insensivel ao captiveiro.

A galeria orithologica em construcção, mereceu sem duvida da parte da Sociedade, cuidados inteiramente especiaes ácêrca da illuminação, aquecimento, provisão, etc., conduzidos por processos originaes.

O dispositorio que guarda os felinos e outras feras obedece ás mesmas regras de engenharia e architectura das restantes instalações, fechadas adeante por um gradeamento de aço, delgado e forte, que de certo contrasta com os grossos varões que nos jardins europeus encobre os animaes perigosos a ponto de não se poderem ver.

Os macacos habitam um verdadeiro palacio. Para significar que nada lhes falta, é sufficiente dizer que a limpeza é feita pelo vacuo, pelo mais perfeito systema hoje empregado.

Presidiu a toda a construcção além de uma technica rigorosa um gosto distincto, que muito honra a Sociedade fundadora.

A propriedade com que tudo está feito prova-se pela diligencia habilmente conseguida de dar a cada animal o logar em que melhor disfruta uma existencia proxima do seu natural.

Um cometimento assim, se tem a recommendal-o a imponencia e belleza da exterioridade, sobreleva-se principalmente pelo acatamento manifestado pelos dictames do saber e pela facilidade que por via d’elle se apresenta aos estudioso.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Os jardins zoologicos em presença da moderna expansão colonial – A verdadeira importancia d’estes estabelecimentos de vulgarisação scientifica – A remodelação por que teem de passar para satisfazerem os seus fins – Os parques de animaes como exploração mercantil e em vista da aclimação – A creação das zebras – Os jardins zoologicos americanos – A New-York Zoological Society" in Diário de Notícias de 18 de Julho de 1905, nº. 14237, p. 1 (c. 6-7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1414.



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