Liga nacional contra a tuberculose
A conferencia do sr. dr. Bombarda
Inaugurou hontem os seus trabalhos de propaganda, com a primeira conferencia publica a que assistiu sua magestade a rainha, que um momento não fraqueja na abençoada campanha em que se empenhou, a Liga nacional contra a tuberculose, benemerita collectividade cujo fim é combater a propagação e extensão da terrivel molestia que todos os annos dizima milhares de vidas e que é o maior flagelo do nosso paiz, em cujas estatisticas obituarias figura como o mais poderoso agente de mortalidade.
Um das [sic] processos por meio dos quaes a Liga procura conseguir aquelle fim é a realisação de conferencias publicas que vulgarisem os resultados das investigações scientificas sobre os modos de diffusão da tuberculose e precauções para a evitar.
Obedeceu a este intento a conferencia do illustre professor sr. dr. Bombarda, com notavel proficiência é de todos conhecida e que hontem mais uma vez teve ensejo de a confirmar perante o numerosissimo e selecto auditorio que por completo enchia o vasto salão do theatro de D. Maria.
Abriu a sessão o sr. dr. Silva Amado, presidente da direcção da Liga, que, agradecendo a sua magestade a honra da sua presença, em breves e justas palavras exalçou o merito do conferente, a quem deu a palavra.
É do programma da Liga que, nos seus trabalhos de propaganda, a exposição seja feita em linguagem chã e a todos comprehensivel. Assim o cumpriu o illustre professor, que, principiando por um gentil agradecimento á rainha, cuja obra a favor dos tuberculosos tão alto a levanta nas sympathias publicas e tão perduravelmente lhe perpetua o nome, se esforçou por não dar á sua conferencia um caracter e uma fórma que só para os iniciados na sciencia fosse accessivel. Pelo contrario, todos poderam attingir o fim e o sentido das palavras do conferente, que não falava a uma academia de sabios, mas a uma multidão de pessoas, em que havia todos os gráos de instrucção, desde o modesto estudante até ao conspicuo cathedratico.
Começou a conferencia ás 3 horas e 10 da tarde. O sr. dr. Bombarda, dirigiu-se a sua magestade a rainha sr.ª D. Amelia, dizendo: Em nome da Liga Nacional contra a taberculose [sic], agradeço a presença de vossa magestade, a este acto, comparencia que muito nos honra e congratula, não só pela força e confiança que ella dá aos nossos trabalhos; mas tambem por ser a commoção que move sua magestade á pratica de taes actos, e não a simples ideia de satisfazer a uma formalidade official.
Proseguindo [sic], disse o orador, que somos frios e impassiveis perante os maiores acontecimentos, porém, quando observamos as estatisticas da mortalidade pela tuberculose, não podêmos ficar indifferentes.
Em épocas remotas os cavalleiros andantes praticavam actos de herocidade, não por virtude, mas sim para alardearem os seus feitos; hoje a nova cavallaria andante consagra o seu tempo e a sua intelligencia á causa de sua magestade que é a causa de toda a humanidade.
Desappareceram da sciencia medica os paradoxos desde que o progresso nos deu grandiosas descobertas na physica, em biologia e em physiologia.
Muitas doenças deixaram de ser mortíferas, devido á sciencia, que tem obtido descobertas maravilhosas, como são a cura do tétano, da raiva e outros não menos importantes; a opposição á velhice ou o prolongamento da vitalidade, etc. Ácerca do paradoxo theorico cita varios factos interessantes e diz que o homem morre de doença por que quer. Contra as doenças infecciosas póde o homem lutar e obtem lisongeiros resultados, se tiver em vista as prescripções dos principaes hygienistas, pois, estes affirmam, e é um facto, que todas as doenças derivadas dos bacillos, são perfeitamente debelaveis; assim o demonstram as estatisticas hospitalares.
A extincção das endemias e das epidemias reduz-se a uma rigorosa pratica sanitaria. O que se tem passado na Inglaterra é sufficiente para provar quão verdadeira é esta affirmação.
Ha 50 annos que a Inglaterra possue uma organisação sanitaria modelo, o que desde essa data lhe valeu um notavel decrescimento na mortalidade da população.
Acontece, pois, que a mortalidade em Londres é de 18 por mil, na actualidade, emquanto que em Lisboa, cuja população não se compara com a d’aquella capital, a mortalidade é de 25 por mil.
Quando as estatisticas de Inglaterra accusam maior percentagem de obitos, o governo e as municipalidades redobram de energia nas suas medidas hygienicas.
Attinguem [sic] a somma de novecentos mil contos as despezas feitas pela Inglaterra com o saneamento da capital.
Nova York tambem conseguiu uma grande reducção de mortalidade, como se vê dos mappas seguintes, que se achavam expostos no salão e perante os quaes o dr. Bombarda fez largas considerações:
Mortalidade em Nova-York, nos annos de 1886 a 1896 e 7 mezes de 1897.
1886 ………… 25,99 por 1:000 hab.
1887 ………… 26,32 » » »
1888 ………… 26,39 » » »
1889 ………… 25,32 » » »
1890 ………… 24,87 » » »
1891 ………… 26,31 » » »
1892 ………… 25,95 » » »
1893 ………… 25,30 » » »
1894 ………… 22,76 » » »
1895 ………… 23,11 » » »
1896 ………… 21,52 » » »
1897 jan. a jul. 24,87 » »
Mortalidade pela tysica em Nova York, nos annos de 1886 a 1896 e seis primeiros mezes de 1897:
1886 ………… 3,79 por 1:000 hab.
1887 ………… 3,56 » » »
1888 ………… 3,46 » » »
1889 ………… 3,31 » » »
1890 ………… 3,41 » » »
1891 ………… 3,11 » » »
1892 ………… 2,95 » » »
1893 ………… 2,91 » » »
1894 ………… 2,57 » » »
1895 ………… 2,77 » » »
1896 ………… 2,58 » » »
1897 jan. a jul. 2,44 » »
Em Nova York a repartição de hygiene manda affixar em todas as casas de onde se tenha mudado ou tiver morrido um tuberculoso, o seguinte aviso:
«A phthisica é uma doença contagiosa, N’esta casa morreu um phthisico e por isso os quartos devem considerar-se infectados.
«Ninguem a deve habitar sem que se tenha procedido á desinfecção e renovação ordenadas pela repartição de hygiene.
«Este aviso não pode ser tirado sem ordem da mesma repartição.»
- Tratemos de debellar tambem em Portugal a tuberculose, que é das doenças mais debellaveis e evitaveis.
Todos a teem lançado ao despreso, quando deviam ter todas as precauções para evitar que ella se propagasse, porque está provado ser uma doença contagiosa.
Actualmente manobra-se nos laboratorios bactereologicos com o agente da tuberculose, como o chimico póde manobrar para a confecção de qualquer preparado.
D’ahi resulta fazerem-se innumeras experiencias em animaes, geralmente em coelhos e porquinhos da India, os quaes apenas pela inhalação em recinto previamente preparado com bacillos tuberculosos, succumbem em pouco tempo.
Tambem é curioso o seguinte mappa, para o qual o orador chamou a attenção do auditorio:
Estatistica etiologica de Van Zander
Em 312 casos de tuberculose poude-se [sic] estabelecer o contagio em 117, distribuidos pelo seguinte modo:
Pelo pae ou pela mãe, 14 casos ou 4,5 por 100.
Por um irmão ou irmã, 38 casos ou 12,1 por 100.
Por um filho, 6 casos ou 1,7 por 100.
Por outro parente, 5 casos ou 1,6 por 100.
Pelo conjuge, 21 casos ou 6,7 por 100.
Por empregados ou caixeiros, 16 casos ou 5,1 por 100.
Por criados, 17 casos ou 5,4 por 100.
Total, 117 casos ou 37,3 por 100.
Expõe mais o distincto medico que a propagação da tuberculose e devida, principalmente, aos escarros seccos, os quaes se pulverisam e, sendo levantados depois pela vassoura ou pelo vento, fazem com que os microbios n’elles contidos se vão alojar nos pulmões dos que frequentam esses sitios infectos. Ha outros vehiculos conductores da tuberculose, como são as carnes ou leite de animaes tuberculosos.
Parece que deviamos estar todos tuberculosos, mas assim como as sementes não germinam em toda a especie de terreno, assim o bacillo nem sempre produz os seus effeitos destruidores quando encontra um organismo mais forte. O ar e a luz são os maiores inimigos do bacillo, por isso toda a habitação bem protegida por estes dois elementos é a mais recommendavel para a boa saude.
Não devemos, comtudo [sic], confiarmos nos bons organismos, porque elles tambem serão affectados; é questão de maior espaço de tempo.
A proposito cita um facto que merece attenção:
Observou-se que entre os empregados do correio, em França, que vencem ordenados regulares e os carteiros que teem pequenos vencimentos, a percentagem da mortalidade pela tuberculose era superior n’aquelles. Parece que devia acontecer o contrario, visto que os funccionarios mais bem remunerados tinham mais commodidades e melhor alimentação do que os outros, porém, a razão é os empregados permanecerem durante muitas horas em logares infectos, e os carteiros terem uma vida mais hygienica, por ser o serviço quasi todo ao ar livre.
Eis a estatistica da tuberculose nos empregados de escriptorio e nos carteiros em França – Lomelongue:
Segundo trimestre de 1987:
Affepções [sic] das vias respiratorias: empregados, 110; carteiros, 60; tuberculose: empregados, 17; carteiros, 6; proporção: empregados ,15,45; carteiros, 10%.
- Por toda a parte se organisam ligas contra a tuberculose, sendo uma das mais recentes a de Cuba, depois da ultima guerra.
De entre estas podemos citar as seguintes:
Allemanha – Comité central, sociedades locaes em mais de 29 cidades (1899).
Inglaterra – Associação nacional para a prevenção da phthisica e outras formas de tuberculose.
Suissa – Sociedades e sanatorios.
França – Obra da tuberculose fundada por Verneuil; Obra das creanças tuberculosas, presidida por Hérard; Liga contra a tuberculose, fundada por Armaingand; Obra das raparigas phthisicas; Obra dos tuberculosos pobres, fundada por Grancher e Landozy.
Os esforços empregados nos paizes estrangeiros contra a tuberculose tem sido coroados do melhor exito; por isso, é forçoso que entre nós succeda o mesmo, se formos rigorosos na pratica das medidas hygienicas.
O alcoolismo concorre poderosamente para augmentar a percentagem da mortalidade; para evital-a teem se organisado na Noruega muitas sociedades de temperança, que já deram excellentes resultados, pois conseguiram que o consumo do alcool, que em 1876 era calculado em 6 litros e 7 decilitros por anno e por habitante, descesse a 2 litros e 3 decilitros em 1897.
Está provada a efficacia de todas as ligas e sociedades de temperança. A Liga Nacional é um apostolado e a Assistencia não é tudo, porque a rainha não quiz para si só o exclusivo de fazer bem.
Vulgarisemos a sciencia e teremos o decrescimento da mortalidade em Portugal, como aconteceu em Nova York.
A cura da tuberculose obtem-se em curto periodo pelo bom ar, pelo repouso e pela especial alimentação.
Os sanatorios são, sem duvida, os melhores estabelecimentos onde se obtem a cura da terrivel doença.
Eis os resultados do tratamento nos sanatorios de Dannenfeles, para os operarios das fabricas badenses de anilina e soda de Sudwigshafen. Setembro 1893 a março de 1899:
Operarios tratados, 100.
Curados e tendo voltado ao trabalho da fabrica, 21.
Muito melhorados, quasi curados e tendo podido continuar no trabalho, 16.
Melhorados e tendo podido continuar no trabalho de modo passageiro, 12.
Melhorados, tendo voltado ao trabalho, mas tendo de entrar de novo no sanatorio, 4.
Sahidos antes do fim do tratamento, 15.
Não melhorados e fallecidos pouco depois de sahirem, 25.
Fallecidos no sanatorio, 4.
Em tratamento no sanatório, 3.
Tambem se achava exposto um mappa comprovativo da mortalidade em França pela tuberculose e pelo cholera, o qual accusa:
Epidemia do cholera em 1832, 10[2]:739 obitos;
Idem, de 1848-1849, 100:161 obitos.
Idem, de 1853-54, 143:478 obitos.
Tuberculose, 150:000.
Terminando, o sr. dr. Bombarda disse que a Liga Nacional espera conseguir os seus intentos, para corresponder aos desejos de sua magestade, necessitando, para isso, de todos os portuguezes, no limite das suas forças pecuniarias, contribuam para tão grandiosa e humanitária empreza.
O conferente dirige-se novamente a sua magestade a rainha D. Amelia, reitera sinceros e cordeaes agradecimentos pela sua comparencia e pelas iniciativa tomada no assumpto referido, declarando que a presença da magestade n’aquelle acto representava a salvação de milhares de vidas.
A conferencia terminou ás 4 ½ horas da tarde, e o distincto professor Bombarda recebeu muitas palmas e felicitações de quantos o escutavam, sendo as primeiras da rainha D. Amelia, que á despedida lhe dirigiu palavras muito affectuosas.
A concorrência era enorme, vendo se algumas das principaes notabilidades medicas.
[n.d.] - "Liga nacional contra a tuberculose / A conferencia do sr. dr. Bombarda"
in Diário de Notícias
de 29 de Janeiro de 1900, nº. 12265, p. 1-2 (c. 10 (p. 1) -- c. 2 (p. 2)). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1425.