O submarino militar em França
Os primeiros trabalhos d’alguma importancia, emprehendidos em França, sobre navegação submarina, datam de 1634, anno em que o padre Wersune estabeleceu theoricamente as bases scientificas em que de futuro deveria assentar a construcção dos submarinos, sobre os quaes alguns trabalhos praticos tinham já sido feitos em outras nações, nomeadamente na Hollanda, onde Cornelius van Drebbel, em 1620, fizera experiencias com um submarino movido a remos.
Desde então varias tentativas foram feitas em França, com maior ou menor exito. Entre as quaes cumpre mencionar as do «Nautilus», dos mãos [sic] Coessin, constructores navaes no Havre, e cujos planos foram approvados por Napoleão, mas que tiveram mau exito, devido ao relativo atraso das industrias d’então. O mesmo diremos das experiencias de Castera, de Bordeus e de Lemaire, d’Angeville, em 1832; e das de Conseil, que, em 1859, fez no Sena, em frente de Paris, algumas experiencias sem grande resultado.
Finalmente, em 1858, Bourgeois, então capitão de mar e guerra, propôz, pela primeira vez, o emprego dos submarinos na defeza naval dos portos francezes, em uma memoria dirigida ao ministro da marinha, e na qual apresentava a idéa de que o ar comprimido, depois de servir como agente-motor, servisse para respiração da guarnição.
Posta a concurso a construcção d’este submarino, foi encarregado da sua execução o engenheiro Brun, o qual, em 1860, apresentou o «Plongeur», construido em Rochefort.
Em fórma de charuto e movido por um motor de ar comprimido, os seus meios de ataque eram os torpedos de antena.
As experiencias d’este torpedeiro não deram, comtudo, bom resultado, devido á sua falta de estabilidade, mas foram já um grande passo para a resolução do problema.
Depois d’esta notavel tentativa de Bourgois [sic], decorre em França um intervallo de 26 annos, durante os quaes nenhum trabalho digno de menção apparece n’este sentido, até que, em 1886, o almirante Aube, o celebre preconisador da idéa do numero na guerra naval, então ministro da marinha, encommenda ao engenheiro francez Mr. Goubet um torpedeiro submarino que, lançado ao mar em 1889, foi officialmente experimentado em 1891, por uma commissão presidida pelo almirante Gervais.
Este submarino, d’uma só peça de bronze, tem 5 metros de comprimento, 1 de bocca e 1,80 de altura maxima. Leva dois homens de guarnição e é movido por um helice accionado por um dynamo receptor Siemens, alimentado pela corrente d’uma bateria d’accumuladores. Em caso de avaria d’este apparelho motor, servem dois remos lateraes, com pá em forma de dobradiça e que de ordinario andam prolongadas com o costado. Os meios de attaque são os torpedos de reboque, de inflammação electrica, communicada de dentro do submarino.
Ávante tem uma especie de tesoura, movida do interior e destinada a cortar os fios dos torpedos das defezas fixas submarinas.
As experiencias demonstraram alguns defeitos n’este submarino, que Mr. Goubet tentou supprimir em um novo modelo, construido em 1895 em que introduziu varios aperfeiçoamentos.
Esse novo modelo é de menores dimensões e leva tres homens de guarnição. Em vez de torpedos de reboque emprega dois torpedos de Whitehead, lançados por tubos lateraes.
As experiencias com este submarino deram assaz bom resultado e foram adquiridos dois pelo governo brazileiro, para a sua marinha de guerra.
Simultaneamente com o primeiro modelo do submarino de Mr. Goubet, foi encommendado pelo almirante Aube ás Forges et Chantiers de la Mediterranée um outro torpedeiro submarino, que foi executado por Gustave Lidé, segundo as idéas de Dupuy de Lóme.
Tem este submarino, chamado «Gymnote», 17m,20 de comprimento e 1m,80 de diametro maximo, com um deslocamento immerso de 30 toneladas. O movimento é dado por um systema analogo ao do submarino de Mr. Goubet e leva uma equipagem de quatro ou cinco homens, incluindo o commandante.
O ar respiravel é comprimido em reservatorios. A visão á superficie, feita com um tubo optico, saliente na parte superior e em cuja extremidade tem um prisma de reflexão total. A direcção, quando mergulhado, é dada pela agulha magnetica ou pelo gyrascopio de direcção, apparelhos estes, que em taes condições, deixam muito a desejar no seu funcionamento. Com a velocidade de 10 milhas por hora, pode percorrer 45 milhas, e com a de 6 tem um raio d’acção de 132.
Os meios d’ataque são os torpedos d’antena ou de reboque.
Em 1891, Gustave Zidé, Ramazotti e Krebe construiram um outro submarino a que chamaram «Siréne» e o qual, depois da morte de Gustave Zidé, tomou o nome d’este, que ainda conserva.
É um aperfeiçoamento do «Gymnote» e de maiores dimensões.
Tem 40m de comprimento e desloca 266 toneladas quando immerso.
É tambem movido por um helice accionado por um dynamo motor de 720 cavallos e cuja corrente é fornecida por uma bateria d’accumuladores Laurent Cely.
Tem uma guarnição de 8 homens e á velocidade de 9 milhas pode andar 8 horas.
Os ensaios d’este submarino deram resultados muito satisfactorios; notando-se, todavia, a imperfeição do apparelho visual, analogo ao do «Gymnote», e o pequeno raio d’acção.
Afim de remediar quanto possivel estes inconvenientes, Ramazotti e Krebe apresentaram ainda os planos d’um outro sub-marino [sic], o «Morse», que foi construido no arsenal de Cherbourg e está actualmente em ensaios n’este porto, ensaios que parece terem resultado completo bom êxito, porque o governo francez encommendou já mais dois torpedeiros d’este typo, ao mesmo arsenal, e cujos nomes são: «Français» e «Algerien» e mais, quatro, tambem do mesmo typo, ao arsenal de Rochefort chamados «Farfadet», «Guame», «Karrigau» e «Lutin».
Todavia, o governo francez, não satisfeito ainda, e com o f[im] de remediar sobretudo a falta de autonomia d’estes torpedeiros, os quaes estão dependentes da origem d’electricidade dos arsenaes, abriu em 1896 um concurso, entre os constructores navaes e pessoas extranhas [sic] á marinha, para a elaboração d’um projecto de torpedeiro submarino, de deslocamento não superior a 200 toneladas, velocidade 12 milhas por hora, raio d’acção, total de 100 milhas, a 8 por hora, raio d’acção, submersa, de 10 milhas a 8 por hora e dois torpedos automoveis, promptos a lançar.
Um premio de 10:000 francos foi destinado ao concorrente cujo projecto fosse classificado em 1.º logar.
Além d’este concurso, foram tambem abertos outros, parciaes, para projectos e disposições tendentes a melhorar as condições da navegação submarina em geral.
Em consequencia d’estes concursos, appareceram variadas propostas e projectos cuja analyse detalhada não faremos, considerando apenas o projecto que teve a honra de ser o primeiro classificado.
É elle devido a mr. Laubeuf, engenheiro constructor naval, a qual apresentou os planos do «Narval», torpedeiro submarino de 106 toneladas de deslocamento, 34 metros de comprimento e 3m,80 de bocca. Teem duplo casco formando reservatorios d’agua, a qual póde ser expulsa pelo vapor. O casco exterior é o d’um torpedeiro ordinario e o interior é fusiforme.
O movimento é produzido á superfície, por um helice accionado por um motor de petroleo, quando submerso, por um dynamo-motor e 150 accumuladores, que pódem ser carregados a bordo, sem o auxilio dos arsenaes.
O raio d’acção é de 250 milhas á velocidade de 12 por hora e de 624 a 8 por hora. Quando submerso, usando os accumuladores póde percorrer 25 milhas a 8 por hora, e 70 a 5 por hora. O seu poder offensivo consiste em torpedeiros Whitehead, lançados por apparelhos Drzewicki. O apparelho de visão é um tubo optico analogo ao do «Morse».
O «Narval» acha se tambem actualmente em ensaios em Cherbourg.
D’este typo estão já encommendados mais dois, ao mesmo arsenal o «Siréne» e o «Triton».
Calcula-se que todos estes submarinos estarão ao serviço em janeiro de 1902, dispondo então a França de 14 torpedeiros submarinos para a defeza dos seus principaes portos.
Acha-se pois, pouco mais ou menos, resolvido em França o problema da navegação submarina. Resta nos vêr o que teem feito as outras nações, principalmente os Estados-Unidos da America do Norte, o que faremos brevemente.
Quanto a Portugal, duas tentativas teem sido feitas nos ultimos tempos, n’este sentido, mas sem resultado.
A primeira devida ao official da marinha sr. Fontes Pereira de Mello, cujas experiencias não tiveram seguimento por falta de apoio official e escassez de meios pecuniarios do auctor; e a segunda devida ao 1.º tenente sr. Portugal Durão, que propoz a acquisição d’um torpedeiro submarino, typo Gouluti para estudo e instrucção de pessoal, idéa que parece tambem ter caido no esquecimento. – J.S.”
J.S. - "O submarino militar em França"
in Diário de Notícias
de 26 de Fevereiro de 1900, nº. 12293, p. 2 (c. 3-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1443.