Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
Depende de duas subscripções o exito d’esta abençoada missão; – uma vae seguindo o seu curso, a outra ainda nem aberta está sequer.
A primeira multiplica-se todos os dias; a ultima ficará em branco, sabe Deus por quanto tempo. E comtudo, se nem todos podem contribuir para a primeira, a todos incumbe concorrer para a ultima. Porque, se a primeira é uma devoção, a ultimo [sic] é um dever.
(…)
Sem nada prevenir não e [sic] possivel remediar tudo. A remediar se propõe a subscripção que está aberta; mas sejam quaes forem os seus recursos, dentro em pouco ficarão áquem, muito áquem dos beneficios a que se propõe, se a imprevidencia e o abuso, a ignorancia e a ambição insistirem em que não se abra e não se encha a outra; a que [nos] falta.
Quem ha de n’esta inscrever-se? Quem ha de preenchel-a, e como? Quem? Todos!... Como? Vamos dizel-o.
Sejam os industriaes, dotando as suas fabricas e as suas officinas com as condições de salubridade que não tiverem; graduando o trabalho pelas forças do pessoal que as povoa, e remunerando este de modo, que lhe permitta refazer a vida que cança e gasta com seu serviço.
Venham logo os fabricantes e os vendedores de generos, a que se chama alimenticios, sem o serem, venham, para não mais os adulterar e falsificar, os corromper e envenenar.
Acudam ao mesmo tempo os educadores da infancia, para lhes cuidar do desenvolvimento physico, ensinar-lhes a resguardar a saude e a fortificar a vida, em vez de lhe enfartar a memoria, atafulhando-a de acções indigestas; – venham, para d’ella fazerem, em vez de uma geração de pedantes, em tudo enfezados e rachiticos, uma geração sã, no corpo e no espirito.
Entrem no seu lugar, no lugar que ahi lhes cabe, as corporações municipaes, saneando e asseiando, de preferencia a tudo, como a tudo prefere a saude e a vida, a área em que se exerce a sua jurisdição administrativa.
Concorram ainda os governos – e n’esta chamada deveriam ter sido os primeiros, – concorram, fazendo cumprir quantas disposições teem sido promulgadas, utilisando quantos sacrificios teem sido exigidos em nome da saude publica.
Succedam-se todos, que não são alguma coisa d’essas, e venham familiarisar-se com a agua e com as desinfecções internas e externas, por serem tantos os miasmas delecterios, que se ingerem e se aspiram…
Bem vêem – mas já o tinhamos dito, – esta subscripção é mais dificil de prehencher [sic] do que a primeira.
Ha de haver muitos proprietarios, que concorram para a que está aberta; mas ha de haver poucos – raros – que deixem de dizer aos inquilinos, quando estes lhes pedirem qualquer obra, no sentido em que falamos: – «façam-n’a á sua custa, se o quizerem». E os inquilinos não hão de mandar rasgar janellas, substituir canalisações e proceder a outros melhoramentos em propriedades que não suas [sic].
Ha de haver muitos industriaes, que concorram para a que está aberta; mas ha de haver poucos – raros – que transformem as suas fabricas segundo os preceitos de hygiene, que arbitrem ao seu pessoal salarios sufficientes para uma alimentação reparadora.
Ha de haver muitos produtores e commerciantes de generos chamados alimenticios, que concorram para a que está aberta; mas ha de haver poucos – raros – que deixem de multiplicar esses generos á custa de uma falsificação sempre prejudicial e muitas vezes perigosissima.
Ha de haver individuos de todas as classes que concorram para a que está aberta; mas ha de haver poucos – raros – que adoptem como regimen da vida, para si e para os que estão sob a sua responsabilidade ou sujeitos á sua acção, os preceitos e os conselhos da hygiene, tão vulgarisados hoje e tão sabidos.
Ha de haver camaras municipaes – todas, talvez – que incinam [sic] nos seus orçamentos uma verba para a subscripção que está aberta; mas ha de haver poucas – raras – que cuidem da limpeza, do saneamento dos seus concelhos com a attenção e o desvelo que esse serviço reclama.
Ha de haver ainda mais leis, mais regulamentos, mais instrucções, a respeito da saude publica; mas nada d’isso sairá do papel, porque entre nós tudo é papel…
(…)
Porque, a hygiene é a medicina preventiva, e se a medicina não é só para a tuberculose, a hygiene não é preventiva só contra a tuberculose.
Porque, se o objecto da hygiene é a conservação da saude, o inimigo da saude não é só a tuberculose.
Porque, se a hygiene se occupa de todos os agentes, quer fornecidos pela natureza quer creados pelo homem, que podem ou conservar ou alterar a saude, e se nem só pela tuberculose se perde a saude; em relação á saude, a hygiene é a these, a tuberculose a hypothese.
Não foi para combater só a tuberculose que se chegou a determinar a composição e a influencia do ar, porque essa questão – a influencia do ar – tem sido uma das preoccupações, não só dos hygienistas, mas dos amigos da humanidade, como disse Luiz Figuier.
Não foi só para combater a tuberculose que se chegou a explicar a circulação, a decompôr a agua, a determinar a acção que sobre a composição chimica do homem exerce a composição chimica dos productos da natureza.
Não foi para prevenir qualquer doença em especial, que os antigos legisladores, desde os tempos biblicos até à idade media, promulgaram preceitos defensivos da saude publica, preceitos em que chegaram a imprimir o cunho religioso.
Não foi para defender a saude só contra a tuberculose, que escriptores dos mais celebres de todos os tempos, sem exclusão do nosso, que n’estes estudos, tem sido o da mais larga propaganda, tratavam e vão tratando de levar a todos os espiritos o convencimento de que, para conservar a saude é preciso cuidar d’ella; de que, havendo mil maneiras de perdel-a, é preciso não ignorar e não desprezar as que se conhecem para a sustentar.
Se fosse necessario – e talvez seja! – exemplificar estas considerações, lembrariamos o que se passou no nosso paiz, quando, ha annos, a cholera o ameaçou de perto. Todos então se defenderam com a hygiene, todos a quizeram em casa, á mesa, á porta, na rua, por toda a parte; todos lhe seguiam os dictames confiadamente; todos a traziam identificada comsigo [sic].
E o que succedeu? Succedeu atravessarmos então uma quadra saudavel, como talvez não tivesse havido e não tornou a haver outra.
Mas, porque o rebate fosse falso, perdeu-se o medo, e ultimamente, quando uma epidemia se manifestou dentro do paiz, sem que fosse fácil, nem talvez possivel prever-lhe o alcance, já os cuidados e as precauções não se repetiram, e por muito que os homens competentes, profissionaes, os homens da sciencia se esforçassem em dar conselhos em facilitar instruções, em indicar providencias, em advertir a todos o perigo que corriam, não se acreditava na necessidade da defesa, porque se duvidava da existencia do mal ou, pelo menos, da gravidade que elle podesse assumir.
E d’ahi, o que succedeu? perguntaremos tambem agora. Succedeu que o obituario em vez de baixar, como na prespectiva [sic] da cholera, ou se manteve ou subiu mais. Escapamos da epidemia, mas nem só de peste se morre.
Voltamos ao principio.
A cruzada que se está organisando sob o titulo de «Assistencia Nacional aos Tuberculosos», vae prestar grandes serviços; abençoada seja; mas não deixarão de ser tambem prestantes e relevantes os da cruzada, que, ao lado d’ella, se levantar para evitar, quanto possível, que venham a ser tuberculosos os que ainda o não são.
Ferreira Lobo.
Ferreira Lobo - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos"
in Diário de Notícias
de 9 de Abril de 1900, nº. 12334, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1456.