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Texto da entrada (ID.1461)

O ECLIPSE DO SOL

Como já dissemos, o sr. Frederico Oom escreveu uma interessantissima memoria ácerca do proximo eclipse do sol, na qual compendiou curiosissimos elementos ácerca d’esse notavel phenomeno.

Tendo sido amavelmente brindado com um exemplar d’esse magnifico trabalho, em cujo prologo o sr. Oom agradece a cooperação do sr. Campos Rodrigues, sabio director do observatorio da Tapada, e do sr. Arthur Teixeira Bastos, illustre astronomo de 1.ª classe do mesmo observatorio, transcrevemos hoje o que n’elle se diz sobre

Phenomenos particulares dos eclipses do sol

Raridade. – É este deslumbrante phenomeno astronomico, ainda hoje tido pelo mais importante de quantos se observam, que vae ter logar em Portugal a 28 de maio proximo futuro, grandioso espectaculo que desde 1870 não se dava no reino, e mesmo então só em uma pequena parte do Algarve, onde alias não foi possivel ver-se por estar o ceu completamente encoberto.

Em media, um logar determinado não torna a ver um eclipse total senão passados 360 annos.

A totalidade dura cerca de 1 a 5 minutos, de cada vez, o que tudo sommado, attendendo á frequencia dos eclipses totaes, não se dá mais de 8 dias por secul[o.]

É, pois, justificada a curiosidade e o empenho de precenceiar tão magestoso e raro acontecimento, cuja impressão é sempre profunda e estranha em todos que logram contemplal-o; não só nos astronomos ou nos que scientificamente estudam as diveasas [sic] circumstancias do eclipse, mas em todos os espectadores, civilisados ou selvagens, sabios ou ignorantes.

Primeiros aspectos do eclipse. Sombra dos [sic] arvores. – Ao principio, a não ser que se esteja reparando expressamente no silencioso e agradavel avanço do corpo opaco da lua sobre o astro do dia, nada particularmente desperta a attenção desprevenida. Sómente a sombra das arvores apresenta então um aspecto peculiar e insolito.

Habitualmente, a luz solar, coada pelos intersticios da folhagem, fórma no solo pequenos circulos aggregados e sobrepostos, que não são mais do que imagem [sic] do sol produzidas por cada um d’esses intersticios, actuando como orificio de uma camara escura. Mas logo que o eclipse tem progredido um pouco, esses circulos substituem-se por crescentes, reproduzindo invertida a imagem do astro parcialmente eclipsado.

[imagem: ASPECTO DE ALGUMAS PHASES DO ECLIPSE]

Este effeito é muito evidente, até mesmo para quem o não espera.

Cores das paisagens. – A diminuição da luz não começa a perceber-se senão depois que a lua tem percorrido metade do diametro solar.

Torna-se então successivamente mais sensivel, constituindo por si só um motivo de estranheza, e dando á paisagem, com um tom livido especial, inteiramente differente do effeito crepuscular, um aspecto sinistro que na phrase de um espectador do eclipse de 1898, na India, fazia arripiar».

É então que os povos selvagens, os indios, os chinas mesmo, ainda hoje começam um alarido infernal de gritos e instrumentos para enxotar o modstro [sic] «que está comendo o sol amigo».

Sombras ondulantes. – Veem-se então sobre os objectos umas rapidas e tenues sombras ondulantes, comparaveis aos tremulos reflexos que a luz do sol reverberada na agua produz n’uma parede proxima ou sob os arcos de uma ponte.

Umas vezes estreitas e afastadas; outras, largas e unidas; fugindo á superficie do sol ora com a velocidade de um homem correndo, ora com a de um comboio expresso; ephemeras, impossiveis de medir, não em uns eclipses muito apparentes, em outros nem mesmo visiveis. Parecem não pertencer á sombra da Lua, e sómente ter origem nas irregularidades da refracção atmospherica no delgado feixe de luz do crescente solar, quando vae desapparecer, ou tem n’esse instante reapparecido.

São quasi sempre mais visiveis perto dos limites da zona de totalidade do que na linha do eclipse central. Foi no eclipse de 1869 na America, que ellas se mostraram mais notaveis, e córadas de purpura, amarello e vermelho, mas a sua primeira noticia parece ser a de Goldschmidt em 1820. Em Java, em 1871, foram vistas tres minutos antes e ainda 5 minutos depois da totalidade.

Sombra da lua no ar. – Depois, a approximação da sombra correndo á superficie da terra como nuvem negra, ameaçadora e silenciosa, que sobre nós se precipita com velocidade mais formidavel do que uma bala de artilheria, infunde inevitavelmente uma especie de terror, a que em vão se pretende resistir. Diz por Siry, o eminente director por meio seculo de tão celebre observatorio de Greenwich: «foi então que vi um eclipse total em toda a sua grandiosidade, e accrescenta em todo o seu horror.

Ninguem, senão quem assistiu a um phenomeno d’estes pode formar a menor idéa da scena que realmente se apresenta então».

Este effeito produzido pela sombra lunar é comtudo algumas vezes pouco sensivel, principalmente quando a atmosphera está de uma limpidez perfeita. Se pelo contrario ha um pouco de neblina, torna-se muito mais notavel. Para os observadores que occupam pontos elovados [sic] de onde a vista abrange um dilatado horisonte, a approximação da sombra com a sua aterradora rapidez é sempre visivel nos montes e valles distantes embora o não seja no ar.

«Baily’s beads.» – No momento em que vae desapparecer o delgado crescente solar succede muitas vezes um curioso phenomeno: rompe-se apparentemente em fragmentos contiguos, semelhando contas luminosas, ou talvez um diadema de brilhantes, que rapidamente vão diminuindo de grandeza, correndo uns para os outros e fundindo-se como gottas de mercurio, até que reunidos n’um só ponto luminoso desapparecem enfim de todo no instante ém que começa a totalidade.

A luz do Sol é tão intensa que basta este ponto para dar a impressão de ser ainda dia, posto que escuro: é o desapparecimento d’elle que repentinamente produz as trevas.

Esta apparencia muito interessante, devida ás irregularidades causadas pelas montanhas lunares no bordo do nosso satellite, produzindo effeitos de diffracção, foi pela primeira vez observada e descripta por Baily no eclipse de 1836, maio 15, annular ao norte da Grã-Bretanha; desde então ficou tendo o nome de «contas de Baily» ou mais vulgarmente «Baily’s beads». Já porém Webber, em 1793, tinha visto o mesmo e lhe chamára «gotas luminosas». Foram pela primeira vez photographadas em Ottumwa no Iliieois [sic].

Apparecimento da corôa. – Seguidamente esta serie de estranhos phenomenos, a escuridão mais consideravel e a admiravel corôa solar apparecendo subitamente – ou quasi – empolgam todas as faculdades do observador, concentrando-as na contemplação extatica do maravilhoso espectáculo, das côres insolitas dos objectos, da vida animal e vegetal perturbadas, e do proprio céu.

Os espectadores conservam quasi invariavelmente um silencio profundo, soltando quando muito alguma exclamação de enthusiasmo. O ar torna-se frio e forma-se muitas vezes orvalho.

A impressão de espanto causada em geral pela incomparavel irrupção da corôa é sempre immensa.

Um portuguez, o dr. R. de Sousa Pinto, exprime-se assim:

«Não é possivel descrever o effeito que produzia sobre todos aquella magica scena» que «lançava o espirito n’um estado de anciedade de onde não havia sahir».

Segundo mrs. Todd, a impressão produzida por um eclipse total nunca se esquece mais; nos primeiros dias é mesmo absolutamente dominante.

Parece ter-se estado em contacto com as gigantescas forças cosmicas e seus inconcebiveis effeitos, pasmo da pequenez humana.

Animaes e plantas. – Não são os homens sómente que sentem o assombro do raro acontecimento; tambem os animaes se manifestam no mesmo sentido. Innumeros são os exemplos citados, abrangendo todos os animaes domésticos, mas é especialmente nas aves, e tambem nas plantas que a observação tem sido mais constante.

As aves esvoaçando como loucas com gritos de terror por alguns momentos, procuram, logo emmudecidas, refugiar-se nos abrigos onde costumam acolher-se de noite. O pavor que d’ellas se chega a apoderar é tal, que se tem visto cahirem mortas no chão, segundo contam Riccioli e Arago. Surgem furtivamente os morcegos, e até ás vezes os mochos e corujas deixam os seus tenebrosos poisos.

As acacias e mimosas cerram as suas folhas como costumam á noite, algumas flôres, taes como os mesembryanthemos fecham as suas corollas, emquanto que se abrem as das nyctagineas, e desabrocham as dos cactos.

Obscuridade. – A escuridão produzida pela totalidade foi muitas vezes exagerada nas noticias antigas. É comtudo certo precisar-se muitas vezes de luz artificial para poder ler ou notar as horas dos chronometros, e mesmo tomar apontamentos. Outras vezes pelo contrario quasi não chega a escurecer mais do que ao pôr do sol.

Posto que a luz emanada da corôa contribua em grande parte para a illuminação terrestre durante a totalidade, muitas outras circumstancias infuem na intensidade luminosa restante. Se a duração da totalidade é pequena, a atmosphera acha-se illuminada a pouca distancia do observador, e diffunde mais luz do que no caso de ser longa aquella duração.

Se ha nevoa ou nuvens, o effeito póde ser maior ou menor: nos casos do céu encoberto a diminuição da luz na passagem da sombra é em regra pouco pronunciada embora perfeitamente sensivel. No seu relatorio do eclypse de 1860, Otto Struve attribue porém á limpidez atmospherica de então a pouca obscuridade notada.

Fim da totalidade. – Mas em breve tudo o que constitue beleza e o encanto de um eclipse total do sol torna a desapparecer, e a luz solar, irrompendo de novo por detraz do bordo da lua, dardeja um subito clarão, deslumbrante como o feixe de um projector electrico e successivamente continuado por uma intensidade de luz rapidamente crescente, que todos dizem parecer augmentar mais depressa do que diminuira.

Então, salvo o reapparecimento das sombras ondulantes, o interesse do phenomeno cessou para o vulge [sic], e só fica o pesar de não se ter podido gosar mais largamente o sublime espectaculo do eclipse total, cuja brevidade torna quasi impossivel prestar attenção a todos os diversos assumptos que tumultuariamente a despertam, sem lhe permittir fixar-se satisfatoriamente em nenhum.

É por isso que todos os que pretenderem realisar alguma operação util, devem antecipadamente escolher um determinado assumpto para a elle especialmente se dedicarem; se até ao momento proprio não teem feito a sua escolha ácerca do que querem vêr, o mais provavel è não vêrem nada, e tomarem nota de menos ainda.»

Uma das estampas que acompanham a memoria do sr. Oom representa o aspecto do disco solar em algumas phases do eclipse, aspectos cuja figuração reproduzimos, tal como na referida estampa se apresentam.

As phases figuradas para Lisboa ás 3 e ás 4 horas, dão-se quasi exactamente do mesmo modo em todo o reino.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "O ECLIPSE DO SOL" in Diário de Notícias de 28 de Abril de 1900, nº. 12352, p. 1 (c. 9-12). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1461.



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