Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.1465)

ECLIPSE DO SOL

Carta da região do nosso paiz cortada pela trajectoria da sombra e com a indicação das horas do começo do phenomeno

[ver imagem]

As phases do phenomeno

A carta que hoje publicamos está organisada por fórma que, tomando-se por base a orientação das linhas que diagonalmente a cortam de alto a baixo, e prolongando-as sobre uma carta geral do continente do reino, se fica conhecendo a hora a que, nas regiões por essas linhas cortadas, se dará o começo do eclipse no proximo dia 28.

As linhas que marcam a duração de 1 minuto para a «totalidade» do eclipse devem ser tiradas approximadamente, ao norte da linha do eclipse central, desde o Porto até Villar Formoso, passando por Aguiar da Beira; e, ao sul, desde Vagos até um pouco acima de Penha Garcia, passando por Santa Comba Dão.

Damos tambem as seguintes tabellas das horas em que, em diversas localidades do paiz, se dá o começo, meio e fim do phenomeno, «parcial» ou «total», segundo as zonas respectivas:

[ver tabela]

Em Portugal o eclipse começa por Caminha, ás 2 h. 5 m. 0 s., tem começado em todo o reino ás 2 h. 12 m. 40 s., hora a que principia em Villa Real de Santo Antonio. Acaba primeiramente em Valença ás 4 h. 34 m. 45 s., e por ultimo em Villa Real de Santo Antonio ás 4 h. 41 m. 53 s.

Previsões para o eclipse

É interessante conhecer as circumstancias geraes do phenomeno que dentro em pouco nos será dado presencear, e por isso transcrevemos o seguinte da excellente memoria escripta pelo sr. Oom, a que já por vezes temos recorrido:

Eclipse parcial

A area successivamente percorrida pela penumbra lunar abrange quasi meio hemispherio terrestre, comprehendendo toda a America do Norte Central, com parte da Colombia, todo o Atlantico desde 10 graus ao norte do equador até ao polo Norte, toda a Europoa e a região noroeste do continente africano, ao occidente de uma linha tirada do Sinai para a bahia de Biafra no golfo de Guiné. Ainda attinge, além d’isso, em algumas das suas phases, a Persia, a Arabia, todo o Egypto e o curso do Zaire, bem como uma larga faixa do Pacifico. Em todas estas regiões, portanto, o eclipse é parcial.

O primeiro encontro da penumbra com a superficie terrestre dar-se-ha no Pacifico, em ponto 97º 53’ de longitude occidental (de Greenwich) e 10º 4’ de latitude boreal, ás 11 h. 36 m., 0 da manhã, em tempo medio de Lisboa (Tapada). Ahi começa o «eclipse geral». O ultimo ponto onde acaba será por 12º 31’ de longitude oriental e 17º 37’ de latitude boreal, no meio do Sahará, ás 4 h. 38 m., 7 da tarde.

Eclipse total

Terá em media uns 80 kilometros de diametro a sombra projectada pela Lua sobre a Terra, varrendo, pois, uma zona d’esta largura apenas, na qual unicamente se dará a totalidade do eclipse, e que acompanha a linha do eclipse central, percorrida pela intersecção com a superficie terrestre da linha recta tirada idealmente pelos centros do Sol e da Lua. Será, pois, de 40 kilometros proximamente a distancia entre a linha central e as que limitam a zona de totalidade para norte e para sul.

Aquella recta ideal encontra primeiro o globo no Oceano Pacifico, ao largo das costas occidentaes do Mexico, para além das ilhas Revilla Gigedo ás 0 h. 38m,0 [sic] da tarde (hora media de Lisboa-Tapada), no ponto cuja longitude é 116º 41’ a oeste de Greenwch [sic], e a latitude 17º 55’ ao norte do equador. Atravessa depois o territorio mexicano, ao sul de Mazatian e de Monterey, passa em Reynosa, entra no golfo do Mexico, torna a tocar o continente junto ás bôcas do Mississipi, corre pelos Estados-Unidos, de Nova Orleans a Norf[o]lk, e ahi entra no Atlantico. Infectindo-se ligeiramente, transpõe este oceano e vem encontrar o continente europeu na costa de Portugal, junto a Ovar, pelas 3 h. 25m, 2 da tarde; passa ao sul de Vizeu cerca de 1 legua, ao norte de Gouveia, quasi outro tanto, e deixa o territorio portuguez entre os logares de Foios e Aldeia do Bispo, pelas 3 h. 28m,3. Em Hespanha segue por Plasencia, Navalmoral, Puente del Arzobispo, Tobarra e Elche; tornando a deixar a terra firme no cabo de Santa Pola ao sul e perto de Alicante, passa na ilha Plana e atravessa o Mediterraneo em direcção a Argel. Costeia depois as Syrtes e sae finalmente do nosso planeta no Egypto, junto ás margens do Nilo em Girgeh, ás 3 h. 56m,6 depois de ter feito em menos de 3 horas e 19 minutos um percurso de 3:000 leguas (15:000 kilometros) á superficie da Terra.

Effeitos nos seres organisados

Vasto campo de investigação psycho-physiologica offerece aos especialistas, e até aos simples curiosos, o estudo da influencia produzida sobre os diversos entes vivos, pelos eclipses totaes do Sol. Innumeras tem sido as observações colhidas, especialmente em relação aos animaes domesticos, mas é justo dizer-se que muitas são contradictorias, sendo no emtanto regra mais geral mostrarem-se assustados, e procurarem esconder-se, ou acolher-se á protecção dos seus donos ou conductores. Todas as opportunidades de repetir taes observações, ou mesmo experiencias, são, portanto, de aproveitar, registando cuidadosa e judiciosamente os factos e suas circumstancias.

Não é só nos animaes que a influencia do estranho phenomeno se tem notado. Tambem offerece-se extraordinario interesse a investigação do effeito physico produzido nos espectadores segundo o seu grau maior ou menor de illustração, o seu sentimento religioso, o seu temperamento individual, ou a sua civilisação e habitos. Em Hespanha, por exemplo, em 1860, ao passo que os habitantes de Oviedo se mostraram durante a totalidade em extremo consternados, os de Valencia applaudiram com enthusiasmo o apparecimento da coróa [sic] solar, e lamentaram em geral a brevidade do maravilhoso espectaculo.

Accessorios de observação

Ao pretender observar um eclypse de Sol é preciso olhar para este astro quando ainda não totalmente eclypsado. Quem fizer uso de telescopios empregará na ocular vidros córados, mas convem que possa graduar-se rapidamente o seu effeito. Além dos meios que em geral teem para isso os proprios instrumentos, é muito conveniente dispôr duas cunhas casadas, de vidros diversamente córados, de modo a obter uma absorpção maior ou menor da luz, conforme se queira, fazendo deslisar as cunhas em frente da ocular, até obter a espessura de vidro que dá a côr e a absorpção convenientes.

As côres neutras, ou a azul e a verde, são as melhores, sendo pelo contrario as peores de todas a encarnada ou a amarella. É preciso ter cuidado em usar do lado do olho do observador um vidro grosso bastante, e não apertado na sua montagem, para evitar que rache com o calor, o que seria perigoso. Tambem se deve por isso reduzir a abertura da objectiva a ½ proximamente.

Ha tambem, para reduzir a luz solar nos oculos astronomicos, os caros helioscopios, que muito melhor serviço prestam, tanto mais que, permittindo graduar sempre e rapidamente a intensidade luminosa, não alteram em nada a côr do objecto. O melhor talvez é o do Steinheil, fundado na extincção da luz polarisada, quando reflectida em certas condições.

O mais simples recurso para olhar para o sol é usar um vidro fumado, isto é, coberto de negro de fumo á chamma de uma vella, podendo escurecer-se mais ou menos conforme se queira, dando assim diversos graus de absorpção. Como esta leve camada de fumo não resiste ao menor toque, deve proteger-se com outro vidro, applicado sobre a face fumada, mas não em contacto com ella, dispondo-se para isso uns pequenos calços de papel grosso, ou estanho, entre os dois, e amarrando depois os dois vidros um ao outro.

Outro meio ainda mais simples talvez, mas menos efficaz, para quem pretenda sómente ver o eclypse á vista desarmada, é olhar, não para o sol directamente, mas para a sua imagem reflectida em agua ou, melhor, em azeite.

Tambem se póde receber a luz do sol n’uma lamina opaca, onde se praticou um furo de alfinete. Este furo dará do lado opposto, sobre um alvo, uma imagem nitida do sol, onde se poderá seguir o progresso do eclypse.

Assim como é preciso diminuir a luz do sol, emquanto esta não se occulta de todo, tambem é indispensavel prevêr que, durante a totalidade, a sua falta torne preciso recorrer a luzes artificiaes, as quaes, portanto, se devem ter á mão.

Côres

De quaesquer observadores, mas principalmente dos artistas cultivando a «arte divina» da pintura, se poderão esperar valiosos subsidios para o conhecimento de uma das particularidades mais curiosas dos eclypses do sol – as côres insolitas que então assumem a paizagem, os objectos proximos e o proprio céu. Por mais que se descrevam é sempre difficil dar uma sufficiente idéa d’ellas, sendo apenas constante a affirmação de que o tom geral se approxima de um amarello esverdeado, mudando perto do horisonte para um azul purpureo, que ás vezes se estende a todo o céu. O horisonte longínquo, não attingido pela sombra lunar, conserva, porém, a côr habitual, que, por contraste, parece aliás tambem fóra do commum.

Seja como fôr, a reproducção d’essas côres, ou ao menos a descripção d’ellas poderá ser muito util e tanto mais quanto mais exacta, mais minuciosa e mais rigorosamente referida a horas bem determinadas tendo em attenção tambem as successivas variações pelas quaes vão passando antes e depois da totalidade e mesmo durante ella.

Avanço da sombra

É notavel, e quasi terrivel ás vezes, a approximação do cone de sombra, quando se póde ver de certa distancia, precipitando-se como uma tromba, enorme, silenciosa e rapidissima, sobre o observador. Deve-se, pois, procurar fazer a observação d’esta particularidade, notando a fórma e apparencia que a sombra reveste no ar, bem como a sua passagem pelos pontos distantes da região, montanhas longinquas, planicies mais proximas ou sobre a superficie do mar.

Se no ceu houver alguma neblina, melhor se perceberão estas circumstancias, que até em tempo encoberto se notam ás vezes. A melhor situação para observar este pormenor é uma elevada montanha, de onde se abranja um vasto horisonte especialmente para WNW, no eclypse que vae realisar-se.

Deve-se tambem procurar ver, depois da totalidade, o affastamento rapido da mesma sombra, e reparar no aspecto que então assume, comparando-o com o que tinha ao approximar-se, bem como na passagem d’ella por objectos e regiões distantes. N’este caso a vista deverá ser desafogada para ESE.

Corôa

Escusado será pretender fazer observações completas do aspecto e fórmas da corôa durante o breve espaço da totalidade. Só distribuindo se o trabalho por diversos observadores, cada um encarregado de uma parte d’esse estudo, se póde conseguir alguma cousa de aproveitavel; ou pelo menos concentrando-se a attenção unicamente em determinado pormenor, evitando o inconveniente de que se queixava o dr. Sousa Pinto nas seguintes palavras: «o observador deixava-se levar pelo quasi instinctivo desejo de abranger todas as partes d’aquelle raro e magnificente espectaculo, «o que certamente não é proficuo á consecução de um resultado bastante util».

Apparecimento. – Convem notar em que instante se começa a vêr a corôa; posto que seja durante a totalidade que ella se apresenta com todo o seu esplendor, ha exemplos numerosos de começar a perceber-se algum tempo antes, e conservar-se visivel ainda bastante depois. Petit, em 1860, disse tel-a visto «doze minutos» antes de começar o eclypse total; Locker, em 1871, continuou vendo-a tres minutos depois de reapparecer o bordo solar. Winnecke, tambem em 1860 a viu minuto e meio antes».

A viagem da sr.ª D. Maria Pia e do sr. infante D. Affonso

Conforme dissémos, sua magestade a rainha sr.ª D. Maria Pia vae presencear o eclypse, devendo partir em comboio expresso, ás 11 horas e meia da noite de domingo, para a estação de Gouveia, d’onde seguirá em carruagem para a villa do mesmo nome, que dista da estação 13 kilometros.

Com sua magestade vae seu filho sr. infante D. Affonso.

A viagem é feita sob o mais rigoroso incognito, tendo sua magestade dispensado quaesquer cumprimentos.

(…)

Os srs. condes de Gouveia offerecem o almoço em sua casa, e talvez d’ali mesmo sua magestade e o sr. infante observem o eclypse, pois parece não ser dos melhores para a observação o posto meteorologico da Serra da Estrella, partindo todos á noite para Lisboa, onde chegarão na madrugada de terça-feira, depois de aproveitarem o resto do dia em digressão pela serra, se o tempo o permittir.

---

Covilhã, 24, ás 9,30’ m. – O vereador Antonio Franco na sessão de hontem, propoz, e foi votada por unanimidade que a camara municipal offereça os seus serviços a sua magestade a rainha D. Maria Pia no dia da sua annunciada visita á Serra da Estrella.

---

Porto, 24, 11,56’ n. [sic] – Os astronomos estrangeiros que estão em Ovar, para observar o eclipse do sol, vieram hoje passar o dia n’esta cidade.

Chegaram mais tres astronomos inglezes, com destino a Ovar. – (S. B.)

Sociedade de Geographia

Fez-se hontem, na séde d’esta benemerita sociedade, a distribuição dos bilhetes aos socios excursionistas para o comboio especial organisado para ir a Vizeu por occasião do eclipse do sol.

A inscripção attingiu o numero de 354, e muitos socios que accorreram ali á ultima hora não poderam já inscrever-se.

Os bilhetes distribuidos teem no fundo o numero impresso, correspondente á numeração que está feita nas respectivas carruagens, que se acham assim cuidadosamente reservadas para os possuidores dos bilhetes, os quaes se acham todos carimbados no verso com o carimbo da Sociedade.

Aos excursionistas, que seguem no comboio especial até Vizeu, foi-lhes entregue uma senha numerada correspondente ao numero que lhes está reservado nas carruagens do comboio formado em Santa Comba-Dão, onde se faz o trasbordo, por ser de via reduzida a linha que d’ali conduz a Vizeu.

Este systema agora inicia a grande vantagem e facilita aos inscriptos o seu ingresso nos comboios sem confusões, tão frequentes nas grandes agglomerações de passageiros, e dar a certeza de que os membros das respectivas familias vão todos agrupados nas competentes carroagens, pois que na distribuição houve o maximo cuidado para não succeder o contrario.

Seguidamente á distribuição reuniu a respectiva commissão achando-se presentes os srs. Nunes da Matta, conselheiro Carvalho Pessoa, Vasconcellos Porto, coronel Paulino Correia, José Francisco da Silva, Domingos d’Oliveira[,] Moreira d’Almeida, e ali se resolveu sobre as medidas a adoptar por occasião do phenomeno, afim de se recolher o maior numero de observações e investigações scientificas que forem feitas pelos socios.

Hoje, pelas 8 ½ horas da noite, a commissão prestará aos socios excursionistas que comparecerem na séde da Sociedade os esclarecimentos precisos para o bom exito dos trabalhos a que procedam, para o que fará a conferencia a que allude no convite que segue.

----

A direcção d’esta Sociedade convida os seus socios e especialmente os que se inscreveram para a excursão a Vizeu, a comparecerem na sua séde hoje, 25 do corrente, pelas 8 e meia horas da noite, para assistirem á conferencia que ali realisa a commissão organisadora da mesma excursão e solicitarem os esclarecimentos precisos para o bom exito dos trabalhos a que tenham de proceder quando sujeitos ao agrupamento que formarem, sob a orientação que lhes fôr dada.

Pela Direcção

O Director

José Carlos Carvalho Pessoa.

---

Na excursão a Vizeu é representada a direcção da Sociedade de Geog[ra]phia pelos srs. conselheiro Luciano Cordeiro, Ernesto de Vasconcellos, conselheiro Carvalho Pessoa, Belchior Machado, Renato Baptista, Hypacio de Brion e Camara Manuel, e a commissão organisadora da excursão pelos srs. capitão de fragata Nunes da Matta, coronel Paulino Correia, Martinho Guimarães, Moreira d’Almeida, Domingos d’Oliveira, José Francisco da Silva, A. Cabreira, Costa Serrão, Petra Vianna e Vasconcellos Porto. 


Referência bibliográfica

[n.d.] - "ECLIPSE DO SOL" in Diário de Notícias de 25 de Maio de 1900, nº. 12379, p. 1 (c. 4-9). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1465.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Notícia Original

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema
Astronomia

Popularização da Ciência
Educação Cientifica
Outros
Palavras Chave


Notícia