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Texto da entrada (ID.1467)

Assumptos do Dia

O eclypse do sol

O dia de hontem amanheceu claro e formoso, em perfeita harmonia com o desejo dos sabios e com a curiosidade do publico.

A atmosphera mostrou-se cavalheirosamente condescendente, propicia para a observação do phenomeno e tudo faz suppôr que os resultados colhidos pelos astronomos serão, quanto possivel, satisfatorios.

Apesar dos eclypses serem factos vulgares e naturaes, e tão naturaes que são calculados com grande antecedencia e com a maxima precisão, o eclypse actual tem despertado singular interesse pelas circumstancias especiaes em que se realisa.

O espectaculo é grandioso e imponente e, se os animaes se sentem apavorados, o homem experimenta apenas um sentimento de curiosidade e de admiração, o que é devido á maior vulgarisação dos conhecimentos scientificos, que assim teem dispersado os erros da ignorancia, os preconceitos seculares, os influxos do fanatismo.

Antigamente um phenomeno d’esta ordem não deixaria de produzir graves apprehensões, dando logar a noticiarios de acontecimentos funestissimos.

O eclypse produz a treva, a treva material e momentanea, mas nos espiritos a luz da sciencia dissipa todas as visões agourentas.

Á imprensa periodica pertence um grande e honroso papel n’este drama scientifico, explicando o phenomeno ao alcance de todas as intelligencias, enumerando as suas phases, designando os pontos em que elle melhor se observa, fornecendo-lhe emfim todas as informações necessarias para que se possa assistir tranquillamente ao espectaculo, como um frequentador do theatro lyrico que leva na mão o libretto, que lhe indica as menores particularidades da opera nova.

O dia de hontem pode dizer-se que foi um dia de gala. O eclypse solar tornou-se ao mesmo tempo um objecto de instrucção e de recreio. Para uns foi uma simples diversão pittoresca, para outros, o menor numero, foi o ensejo favoravel de poder conhecer mais a fundo a engrenagem da machina celeste.

A astronomia portugueza preparou-se convenientemente para estudar o phenomeno e é de crêr que ella se desempenhe cabalmente da sua missão, mostrando ao mundo que não é negativo no cerebro portuguez o espirito scientifico, que não somos refractarios ao progresso, antes, pelo contrario, desejaremos cooperar efficazmente nas suas mais brilhantes manifestações.

Damos em seguida a noticia particularisada da maneira como o phenomeno decorreu nos principaes pontos onde elle foi ob[s]ervado.

Em Lisboa

Em Lisboa o eclypse não produziu extraordinario effeito e quasi se não daria por o phenomeno se elle não tivesse sido tão annunciado. As condições atmosphericas conservaram-se, porém, excellentes para qualquer observação. E os astrologos não faltaram, de todas as condições e de todas as edades. Effectivamente, Lisboa, a meio da tarde, apresentava um espectaculo curioso. Mas embocaduras das ruas, nas diversas eminencias, ajuntavam-se grupos pittorescos que observavam os astros, de vidros defumados, como discipulos apaixonados da sciencia de Camillo Flammarion. Em cada janella improvisara-se um observatorio. As damas não eram das menos enthusiasticas. Quem colleccionasse as exclamações, os ditos, as phrases dos numerosos grupos que enchiam os pontos culminantes, teria feito, sem difficuldade, o mais gracioso folhetim de costumes populares.

Foi ás 3 horas que o phenomeno mais se evidenciou. O grande disco solar, invadido pela lua, principiou a perder a sua intensidade luminosa, como se o sol tivesse sido obscurecido pelas nuvens. Era como sol d’inverno, d’uma tonalidade amarellenta e tristonha, ligeiramente funerea. É o sol de Londres, ouvimos nós a uma senhora, que conhece bem a capital da Inglaterra.

Ás 4 horas, o sol apresentava-se de novo brilhantemente.

Durante todo o dia fez intenso calor, baixando ao fim da tarde um pouco a temperatura.

Foi-se o eclypse e não falta já quem suspire por outro e lhe applique a phrase do «rei morto, rei posto». Ao menos gosava-se mais um feriado e andava entretida a imaginação.

Em diversas localidades viram-se estrellas. Em Lisboa tambem alguem as viu, apesar de não ter dores de callos.

Observatorio D. Luiz

Sua magestade a rainha sr.ª D. Amelia, acompanhada da sr.ª condessa de Figueiró e conde de Sabugosa, foi vêr o eclypse para o observatorio D. Luiz na tapada d’Ajuda.

Ali o sub-director fez as observações do contacto e os mais que poude com os poucos recursos que tinham ali ficado.

Sua magestade a rainha D. Amelia, no intervallo das observações, visitou todas a dependencias do observatorio, mostrando grande interesse por tudo que viu.

– Como até ás 7 horas e meia da noite não viessem noticias da Serra da Estrella, o sr. sub director telegraphou para ali, mas até ás 9 horas não tinha recebido resposta.

Até á meia noite e meia hora este observatorio não tinha recebido telegramma algum com as observações feitas na [Se]rra da Estrella.

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O observatorio astronomico da Escola Polytechnica conservou se fechado, por terem ido para Vizeu e Ovar os respectivos astronomos e todos os apparelhos.

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Os empregados publicos sairam das secretarias á 1 da tarde e poucos lá voltaram.

Na alfandega o expediente geral correu logo de manhã, bastante frouxo, e, ás 2 horas não havendo nada que fazer, o sr. director mandou tocar para a sahida dos empregados.

Em Gouveia

A rainha D. Maria Pia e o infante D. Affonso

Gouveia, 28, ás 3,45’ t. – O comboio que conduzia sua magestade a sr.ª D. Maria Pia e o sr. infante D. Affonso saiu d’ahi á meia noite e meia hora e teve paragens na Povoa, Azambuja, Santarem, Entroncamento, Vermoil, Alfarellos, Pampilhosa, Luso, Santa Comba, Mangualde; em todas ellas para esperar outros comboios e metter agua. Na Pampilhosa demorou mais de uma hora. Aqui atrelou-se a outra machina, a 28, da companhia da Beira Alta, tendo á frente um escudo com as armas reaes e bandeiras nacionaes.

Chegou á estação de Gouveia as [sic] 10 horas. Muitas girandolas de foguetes annunciaram a chegada do comboio real e a philarmonica de Brunhos tocou o hymno da carta.

A sr.ª D. Maria Pia recebeu ali, no salão real, o sr. conde de Gouveia e esposa, Silva Fonseca, governador civil da Guarda, Cabral Pinto, secretario, José Osório da Gama Castro, deputado do circulo de Trancoso, Joaquim Oliveira, deputado do circulo de Gouveia, dr. Luiz Osório de Castro, administrador do concelho, visconde do Rio Torto, Alfredo Aragão, etc.

(…)

Depois de um trajecto de 13 kilometros sob nuvens de poeira, sua magestade e o infante chegaram á villa de Gouveia depois do meio dia.

(…)

Os viajantes deram entrada no palacio debaixo de constante chuva de flores lançadas das janellas e pela gente do povo (…).

Finda a recepção foi servido o almoço para o qual foram convidados os srs. governador civil e presidente da camara. Depois de terminar a refeição dirigiram-se para o observatorio da Serra, indo pelo Bairro do Toural.

(…)

Approxima-se o eclypse á hora a que telegrapho. O excellente dia que tem estado permitte que se observe o curioso phenomeno. – (Correspondente).

Gouveia, 28, ás 4,40’ t. – O eclypse começou ás 2 e 8 minutos. Ás 3 e 25 minutos ficou o dia como sobreviesse a noite. Houve casas que foi preciso accender a luz.

Alguns trabalhadores do campo que ignoravam o phenomeno ficaram horrorisados.

Sua magestade, depois de almoço foi á Sera da Estrella observar o eclypse. Ali foi servido um lunch offerecido por ella aos convidados.

A partida para Lisboa é depois das 10 horas da noite; chegando ahi de madrugada.

Sua magestade deu 10[?]$000 réis para os pobres. – (Correspondente.)

Gouveia, 28, ás 8 da tarde. – Durante a tarde esteve patente ao publico o interior da casa dos condes de Gouveia. (…). – (Correspondente).

No Fundão

Fundão, 28, ás 7,40’ t. – D’aqui sahiram para diversas localidades, onde melhor se via o eclypse, muitas pessoas que preferiram principalmente a estação de Benespera a 4 leguas da Guarda, onde passava a linha central do eclypse. O comboio regorgitava de passageiros desde Castello Branco.

Em Benespera os padres de S. Fiel, com os alumnos, tiraram photographias da corôa solar, aproveitando a limpidez do ceu. Levaram oculos de longo alcance. Ali notaram cinco astros visiveis a olho nú. Em Belmonte contou-se, á hora da totalidade, que as cotovias cantaram como no crepusculo da manhã e os rebanhos reuniram-se.

A totalidade viu-se proximo do Fundão, onde as mulheres do povo ajoelhavam, de lagrimas nos olhos, não de terror, mas de espanto.

Dia formosissimo e quente. – (Correspondente).

Na Guarda

Guarda, 28, ás 8h e 15’ t. – O dia appareceu claro, formoso e quente. Á hora do eclypse viam-se no ceu algumas nuvens, vento fresco e depois moderado. Para o castello convergiram centenas de pessoas de todas as classes, dominando os estudantes do lyceu e seminario. Reinava grande alegria e pouco a pouco transformada em espanto, que chegou ao auge por occasião da totalidade, soltando-se, então, entre outros [sic] exclamações, um viva ao Creador da natureza.

Parte do ceu, onde brilhava o sol, não tinha uma nuvem, e todos fitavam o astro do dia, atravez vidros fumados dispostos segundo as indicações do astronomo Oom e de que um rapaz fazia larga venda nas ruas.

Proximo do momento da totalidade, appareceu o horisonte esverdeado, mas não com as velozes sombras em montes e valles, observadas em outros eclypses.

Isto desapontou um pouco os observadores.

A temperatura baixou bastante, sentindo-se fresco, parecendo dia escurissimo de inverno. Não cahiu orvalho e a luz restante chegava para ler o corpo mais meudo do «Diario de Noticias».

Apenas notei dois astros visiveis á vista desarmada, o primeiro dos quaes appareceu um quarto de hora antes da totalidade. A corôa solar deslumbrou todos, parecendo raios luminosos; os superiores e inferiores, eram mais extensos que os lateraes.

As protuberancias solares foram vistas com o auxilio de simples binoculo.

Eram phantasticas as sombras projectadas pelas pessoas e arvores.

Pareciam illuminadas por globos com fócos de luz electrica. A impressão nos animaes não pareceu grande, pois grande não foi a obscuridade. Algumas mulheres do povo recolheram com os filhos ás casas antes da totalidade.

A camara mandou accender a illuminação electrica da cidade á hora do eclypse como prevenção. Louvavel mas inutil. – (J. C.)

Serra da Estrella

Serra da Estrella, 28, ás 10 h. da m. – N’este momento ha já grande multidão de povo vindo de todas as povoações visinhas d’esta Serra da Estrella, principalmente de Manteigas d’onde vieram mais de 3:000 pessoas. As fabricas d’alli fecharam.

O enthusiasmo brilha nos rostos d’esta gente; é grande o aspecto que apresenta a Serra; as philarmonicas acabam de chegar e bem assim a camara municipal e as principaes auctoridades.

Serra da Estrella, 28, ás 10,6’ da m. – Continua o maior enthusiasmo. O povo fez estrondosa ovação ás philarmonicas. Anceia-se a chegada de sua magestade a rainha D. Maria Pia. Tudo está embandeirado. A ordem é mantida por toda a força do concelho de Manteigas e guardas florestaes, não tendo havido ainda nenhum incidente.

Serra da Estrella, 28, ás 4,55’ da t. – Apesar do tempo se ter conservado magnifico, o sol esteve desde o principio do eclypse até ao fim velado por nuvens cirrosas, o que não prejudicou a observação dos contactos. Só depois de reveladas as chapas se poderá conhecer se as photographias sahiram nitidas. Depois direi o resultado. – (Correspondente).

Serra da Estrella, 28, t. – Acabam de chegar sua magestade a rainha D. Maria Pia e sua alteza o infante D. Affonso, com a sua comitiva.

A recepção foi imponente.

Sua magestade e alteza e comitiva vão lanchar dentro da barraca de campanha. A camara municipal de Manteigas e o telegraphista da estação da Serra da Estrella prestaram homenagens a sua magestade, sendo-lhe ao mesmo tempo offerecido um ramo de flôres por uma menina africana, filha de pae manteiguense.

Diversas philarmonicas estão executando varios trechos dos seus vastos reportorios.

Em Castello Branco

Castello Branco, 28, ás 8,30, da t. – O eclypse n’esta cidade foi quasi completo, concordando as diversas phases com a tabella publicada no Diario de Noticias. Escureceu bastante, chegando a ver-se a olho nú, duas estrellas. Ao castello affluiu grande concorrencia munida de oculos, binoculos e vidros fumados. Regressou agora no comboio uma troupe de rapazes d’aqui que foram a Benespera proximo da Guarda, presencear o curioso phenomeno. Ali foi total como o foi no Fundão. Os excursionistas veem assombrados. O disco solar conservou-se velado durante 88 segundos. – (Correspondente).

Em Vizeu

Vizeu, 28, ás 4,40’ da t. – O comboio da Sociedade de geographia [sic] chegou á hora. Os excursionistas foram recebidos por tudo quanto ha de notavel na cidade, auctoridades civis, militares e ecclesiasticas, seminario e camara. Cumpriu-se o programma.

Houve vivas á Sociedade no seminario e enthusiasmo nos paços do concelho. As nuvens impediram as observações do eclypse. Ainda assim o espectaculo foi soberbo, não chegou a escuridão completa. A luz era crepuscular como 7 horas para as 8. A temperatura no começo do phenomeno chegou a 29 graus e 9 decimos; minima, a meio da totalidade, 24 e 4.

Durante o phenomeno fizeram-se 40 observações thermometricas.

As observações feitas pelo pessoal da Universidade serão mais tarde conhecidas. Parece que se obteve uma boa photographia da coroa solar.

Enorme multidão presenciou o espectaculo. Veiu muita gente dos arredores. – (Correspondente).

Sociedade de Geographia

Á Sociedade de Geographia foi dirigido o seguinte telegramma:

Vizeu, 28, ás 4,13’ da t. – O phenomeno foi bem observado. Tudo correu muito satisfatoriamente.

(a)    O presidente da camara municipal, Luiz Ferreira.

Ovar

Ovar, 28. – Esta villa, por ter sabido com antecedencia da visita de suas altezas, o principe real sr D. Manuel, e o sr. infante D. Luiz Filippe, está em festa. Além d’isso, a observação do eclypse attrahiu aqui milhares de pessoas.

Nas suas oito ruas, que desembocam na praça de Commercio, a principal d’aqui, viam-se desde a manhã numerosos e alegres grupos, alguns com os trajos domingueiros d’esta região, que tão agradavelmente nos apparecem em dias das grandes solmenidades religiosas ou domesticas, em Lisboa.

Ovar não é villa pequena, nem feia. É de certo pobre como todas aquellas do reino em que predomina o elemento piscatorio. Terá uns 11:000 habitantes, frequentemente dizimados pelas constantes emigrações para outras provincias e para o Brazil.

A villa dista da capital do districto, a cidade de Aveiro, uns 35 kilometros e está ao norte da ria de Aveiro, na margem do rio da Senhora da Graça, que tem varias pontes.

O embandeiramento na praça do Commercio, onde se vê o edificio destinado ás repartições da municipalidade, é vistoso e produz bello effeito. – (Correspondente).

Ovar, 28, ás 7,25’ da manhã. – O segundo comboio que saiu de Lisboa ás 10 e meia da noite, chegou á hora regulamentar. Vieram muitas familias de Lisboa. Ovar apresenta aspecto festivo. Desde a estação até aos paços do concelho tem mastros com escudetes e bandeiras. O edificio da municipalidade é vasto e tem ampla sala de sessões. Estão a ornamental-a para a recepção do principe e infante. Na escadaria puzeram vistosos vasos com plantas ornamentaes. Tudo muito asseiado. A frente do edificio foi pintada de novo. O acampamento dos astronomos inglezes está a pequena distancia da estação dos caminhos de ferro. Dia esplendido, apenas ligeiras nuvens de pequena importancia.

Da estação de Estarreja saiu um grupo de estrangeiros, inglezes, com instrumentos, a procurar logar para as suas observações. – (Correspondente.)

Ovar, 28, á 1,40 t. – O comboio expresso que trouxe os principes chegou á hora e meia.

Na estação esperavam suas altezas a camara municipal, general de divisão e seu ajudante, tenente Pellen, clero do concelho e grande numero de pessoas notaveis.

(…)

Os principes foram para os paços do concelho, onde observaram o eclypse.

A casa onde estão os astronomos inglezes do observatorio de Greenwich fechou, dando-se ordem para não entrar pessoa alguma, desimpedindo-se o transito para que igualmente ninguem se approxime da casa para não perturbar as observações.

Na gare esteve o dr. Huet Bacellar, que tem hospedados um astronomo allemão e amadores.

O comboio expresso teve atrazo na sua marcha. – (Correspondente).

Ovar, 28, ás 2 h. da t. – O comboio com os principes chegou aqui, como dissemos, á 1 hora e meia, tendo sahido de Lisboa ás 7 da manhã. Antes d’essa hora enchera-se de assalto, na estação do Rocio, por uma enorme multidão de passageiros, pessoas de todas as classes, (…), quasi todos munidos de machinas photographicas, oculos, lentes, vidros defumados, etc.

(…).

Ovar, 28, 2,45’ tarde. – Os principes quando entraram nos paços do concelho foram recebidos pelos vereadores, empregados do municipio, juiz, delegado da comarca, facultativos municipaes e outras auctoridades civis e militares.

(…)

Ovar, 28, ás 5,15’ da t. – Partiram no comboio expresso os principes. Nas ruas do transito a multidão era extraordinaria. (…).

Ovar, 28, ás 11,8’ n. – Ás 4 horas o eclypse foi total. Era summamente curioso ver na extensa area da villa, nos campos, ruas e janellas homens, mulheres e creanças attentos com oculos em punho ou vidros fumados fitar o sol para observar o interessante phenomeno. Era realmente grande o interesse de todas as classes.

As phases do eclypse deram-se com estava indicado pelos astronomos.

O dia conservou-se sereno, mas aqui toldado por nuvens pouco densas, como indiquei em telegramma anterior.

Quando chegou a totalidade do eclypse, a escuridão não foi de noite escura, nem pessoa alguma se apavorou. A atmosphera parecia velada por uma téla de côr acinzentada.

O extremo do horisonte figurou-se como tenue raiar da aurora. Vi algumas avesinhas esvoaçar como assustadas. Dizem que os astronomos inglezes não ficaram satisfeitos porque as observações espectraes photographicas não podiam dar o desejado resultado em consequencia do estado nublado da atmospherica [sic]. – Correspondente).

(…).

Em Aveiro

Aveiro, 28, ás 9,30’ n. – Foi surprehendente o effeito gosado d’esta cidade pelo eclypse do sol. Vimol-o do pharo[l] que dista oito kilometros de Aveiro e tem 63 metros de altura. Espectaculo grandiosamente bello pelo esmorecimento lento da luz, tanto no mar como planicie e montanhas do Caramulo, e phantastico quando o eclypse foi total.

O phenomeno começou pelas 2,7 e acabando ás 3,27. A principio mal se distinguia com o simples apparelho fumado que de [sic] vinhamos munidos. Depois facilmente visivel até á plenitude. Pelas 3,15 em que a luz do sol tinha perdido quasi a intensidade, via-se sem esforço a olho nu, fitando-se algum tempo o sol.

Perto das tres menos um quarto começaram a apparecer tenues nuvens brancas, vento norte a soprar mais forte, e mudança de temperatura para frio.

Ás tres e dezoito parecia que se estava illuminado por luz electrica, que a breve trecho amarelleceu.

Quando o sol por segundos á nossa vista appareceu como um mero annel de prata suspenso n’um firmamento lacteo, começámos a vêr nitidamente cinco ou seis estrellas e a terra illuminada frouxamente.

A concorrencia nas linhas do norte foi extraordinaria.

Fizeram-se além dos comboios extraordinarios annunciados muitos mais, até á hora de não agglomerar o serviço pela linha de leste.

Por toda a parte se via gente de jornal e vidros fumados em analyses.

Contaram-nos que alguma gente de aldeia ajoelhou aterrorisada, mas a maioria viu o phenomeno mais com olhos de curiosidade que de medo.

O templo esplendido. – (Correspondente).

Em Agueda

Agueda, 28, ás 3,55’ da t. – O eclypse aqui constituiu espectaculo admiravel. Ás 2 horas e sete minutos começou o eclypse do sol que foi gradualmente desapparecendo, apresentando cada vez um disco mais estreito, até que ás 3,26’ o eclypse foi total, vendo-se o disco espherico da lua e o céo salpicado de estrellas. O phenomeno assim durou 60 segundos. O aspecto da passagem extraordinario pela novidade; lembrava uma noite de luar muito claro. O povo impressionado e admirado. Um cidadão cheio de enthusiasmo saudou com foguetes o reapparecimento do sol.

Os deputados Cayolla e Homem e Mello saem ámanhã para Lisboa. – (Correspondente).

Na Anadia

Anadia, 28, ás 5,15’ na [sic] t. – O eclypse principiou ás duas horas e oito minutos. Ás tres horas e vinte sete minutos, foi total, permanecendo assim apenas cinco segundos. Chegaram a vêr-se algumas estrellas. O aspecto da paizagem era extraordinario. As aves deixaram de cantar voando em todas as direcções completamente desnorteadas. – (Correspondente).

Em Coimbra

Coimbra, 28, ás 11 e 16 m. da n. – O eclypse em Coimbra foi quasi total durante poucos segundos. O sol apresentou pequena orla que se fitava perfeitamente a olho nú. As aves recolheram-se. O thermometro accusou abaixamento sensivel de temperatura, havendo vento frio na occasião de meio phenomeno.

Alguns estabelecimentos chegaram a ser illuminados e em varias officinas foi interrompido o trabalho.

Foram vistas estrellas no ponto onde estivemos no alto do Carrascal, propriedade do visconde de Alverca, na estrada de Lisboa onde se vêem distinctamente as serras do Bussaco e Caramulo. Esta não chegou a desapparecer completamente apesar de estar comprehendida na zona da totalidade do eclypse[.] Pode calcular-se em mais de duas mil pessoas, que hontem e hoje sahiram d’aqui para ver o eclypse. Só para Ovar foram vendidos hoje 610 bilhetes e 167 para Vizeu.

Para o Bussaco, Luzo, Aveiro e Anadia, tambem foi muita gente. Nos pontos mais altos dos arredores de Coimbra e torres da Universidade a concorrencia era espantosa. Em alguns locaes parecia uma verdadeira romaria vendo-se muitas familias com farneis. Na cidade notou-se grande differença do movimento habitual. Nos arrabaldes houve algumas scenas de panico na gente do povo. Um passageiro que veiu hoje da Beira Alta diz que na estação de Cannas de Senhorim notaram eclypse total. As carruagens e pharoes da linha ferrea foram illuminados.

Grandes grupos de gente por toda a parte em observações do eclypse. No observatorio astronomico da Universidade não foram feitas observações, por se acharem em Vizeu os astronomos e apparelhos. Em quasi todas as repartições houve feriado. O phenomeno deu-se aqui ás horas precisas accusadas nos boletins officiaes. – (Correspondente).

No Porto

Porto, 28, ás 8 da n. – O eclypse do sol foi visto n’esta cidade em todos os pormenores prnfixados [sic] pela sciencia. Teve começo, duração e fim ás horas previamente indicadas. Quando attingiu a totalidade, foi um espectaculo soberbo, magestoso, unico. Ouviam-se por toda a parte exclamações de admiração. O céo, n’um largo espaço em redor do sol, estava de bello azul, completamente limpido; apenas para leste havia algumas nuvens brancas, vaporosas, diaphanas. Viram-se algumas estellas.

Segundo as observações feitas, no começo do eclypse, a temperatura era de 38 graus; na totalidade baixou para 29, e depois foi subindo até 44 graus.

Póde-se dizer que toda a população da cidade procurou logares apropriados para observar o eclypse, nas janellas, telhados, ruas, praças, jardins e quintas.

Nos jardins da Cordoaria e Palacio de Crystal, passeios das Virtudes e das Fontainhas, na Serra do Pilar, e no taboleiro superior da ponte D. Luiz I, a concorrencia era extraordinaria.

No observatorio da Princeza Amelia fizeram-se as devidas observações.

Alguns photographos e amadores tiraram clichés das phases do eclypse.

Deram-se alguns episodios engraçados. Quando o eclupse [sic] estava na totalidade, as vendedeiras do mercado do Anjo proromperam em gritos de terror, havendo ali a maior confusão; e quando sol recomeçou a mostrar-se, muitas das pessoas que estavam no jardim da Cordoaria deram prolongadas salvas de palmas.

Em algumas povoações proximas do Porto, onde o eclypse foi total, houve scenas de terror; e no fim do eclypse foram queimados muitos foguetes. – S.B.)

Em Vianna de Castello

Vianna, 28, ás 7,20’ t. – O eclypse n’esta cidade foi quasi total, sendo observado por grande quantidade de pessoas. O effeito era surprehendente.

Em Lanhoso

Lanhoso, 28, ás 4 h. e 45 m. tarde. – O sol ás 7 horas da manhã já apresentava circumferencia amarellada e assim até ás 2 horas e 40 minutos da tarde. A esta hora começou afrouxando a luz não se podendo ler dentro de casa. Ás 3 horas e 8 minutos começou a tornar-se claro com maior rapidez do que quando começou a encobrir-se. No periodo mais turvo viam-se algumas estrellas no céo. Parece ter terminado ás 4 e meia, [m]as o sol não está claro como n’outros dias. – (Correspondente).

Em Moledo

Moledo, 28, ás 6,50’ da t. – O eclypse aqui, ás 3 e meia, foi quasi total parecendo noite de luar. Gallinhas e passarinhos chegaram a recolher ás capoeiras e ninhos. Muito povo recolheu á egreja orando. – (Correspondente).

Em Traz-os-Montes

Villa Real, 28, ás 6,25’ t. – Eclipse: primeiro contacto ás 2,7’; maximo obscurecimento ás 3,23’; ultimo contacto ás 4,25’.

Temperatura: 46º ao sol descendo a 26º e no ultimo contacto a 4º.

Desappareceram os insectos diurnos e viram-se alguns crepusculares. As andorinhas e aves domesticas recolheram ao ninho. Sombras com crescentes de penumbra. Duração do maior obscurecimento 30 segundos.

Em Guimarães

Guimarães, 28, ás 3,40’ da t. – Foi aqui perfeitamente visivel o eclypse. Ás 3,35 foi o momento em que o sol parecia illumindado por um lampada electrica. Era interessante ver como as aves repetiam os seus habituaes movimentos ao sol posto. Chegaram-se a ver algumas estrellas á vista desarmada. No monte da Penha, nos Paços e ruas, era enorme a multidão de pessoas observando o phenomeno. Á hora a que telegraphamos ainda é sensivel a diminuição da intensidade da luz solar. O ceu está perfeitamente limpo, apenas a SE. algumas nuvens esbranquiçadas. – (Correspondente).

Em Cintra

Cintra, 28, ás 3,25’ t. – O eclypse do sol que n’este momento se apresenta na sua maior grandeza, deixando ver apenas uma pequenissima parte do disco solar, fez com que quasi se despovoasse a pacata Cintra, que em ranchos enormes tem ido para varios pontos elevados da serra, contemplar o soberbo espectaculo.

A diminuição de luz é extremamente sensivel, e distingue-se nitidamente o brilho d’algumas estrellas.

As repartições publicas fecharam antes das duas horas da tarde, para que todos os empregados pudessem ir ver o eclypse; e, nas ruas, ás portas dos estabelecimentos, só se vêem individuos olhando o céo, por vidros fumados. Apesar da naturalidade do phenomeno, e de ha tanto ser annunciado, encontra-se ainda quem esteja atterrado, julgando a aproximação do fim do mundo; e a par d’estes espiritos simples, que em mysticas contemplações se elevam ao céo, outros apparecem que dão a verdadeira nota comica. Assim ha quem sobre a chaminé do predio tenha construido um estrado, para observatorio, d’onde armado de binoculo contempla o formoso espectaculo, que dá a toda a paizagem um aspecto extranho e imprevisto, e espalha no ar como que uma sombra de tristeza. – (Correspondente).

No Alentejo

Beja, 28, ás 4,52’ t. – O eclypse parcial do sol foi visivel n’esta cidade, das 2 horas e 20 minutos ás 4 horas e 25. Abaixou um pouco a temperatura. É o assumpto de todas as conversações.

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Reguengos, 28, ás 5,20’ t. – Principiou a vêr-se aqui o eclypse ás 2 horas e 10 minutos, chegando a ser quasi total ás 3 horas e 20 e terminou ás 4 horas e 40 minutos.

No Algarve

Lagos, 28, ás 3,30’ t. – Começou o eclypse ás 2 horas e 10 minutos, escurecendo a luz pouco a pouco. São 3 horas e 19 minutos. – (Correspondente).

Lagos, 28, ás 4,48’ t. – Finalisou o eclypse ás 4 horas ə [sic] 41 minutos, tomando o sol seu aspecto natural. Viu-se ainda uma estrella. – (Correspondente).

Em Hespanha

Madrid, 28, ás 10,35’ da m. – O tempo está magnifico em Madrid, Elche, Plasencia e nos demais pontos de observação. Milhares de pessoas partiram hoje de Madrid em comboios especiaes para vêr a totalidade do eclypse. A companhia do caminho de ferro de Caceres vendeu 4:000 bilhetes para Navalmoral. A infanta Isabel partiu para Argamasilla. – (Havas).

Madrid, 28. – O eclypse poude ser observado com facilidade, estando o dia clarissimo.

Sairam de Madrid para Argamasilla e Navalmoral 10:000 pessoas, entre ellas a rainha e o ministro da fazenda.

Em Elche e Plasencia o eclypse foi total, dando espectaculo imponente.

A temperatura desceu bastante, chegando a sentir-se frio. Em Madrid as ruas estiveram cheias de gente, com vidros fumados e outros objectos preparados para se observar o phenomeno. – Correspondente).

Madrid, 28, ás 3,29’ t. – O eclypse começou em Madrid ás 2 horas e 36 m. da tarde.

Foi muito visivel o primeiro contacto da lua com o sol. – (Havas).

Madrid, 28, ás 4.30’ t. – Ás 3 horas e 20 m. em Madrid o circulo solar appareceu reduzido a metade. Todas as praças, ruas e varandas estão cheias de gente a observar com crystaes negros os pormenores do phenomeno. – (Havas), [sic]

Plasencia, 28, ás 2 h. t. – Ao approximar-se a hora indicada fecham-se todos os estabelecimentos. Os comboios chegam replectos de passageiros. – (Havas).


Referência bibliográfica

Havas (?) - "Assumptos do Dia / O eclypse do sol" in Diário de Notícias de 29 de Maio de 1900, nº. 12383, p. 1 (c. 1-7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1467.



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Astronomia

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