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Texto da entrada (ID.1468)

O eclypse do sol

Chegam nos ainda hoje algumas informações complementares da observação do curioso phenomeno que antehontem foi visto em Portugal.

Vamos, pois, publical-as em seguida:

Observações d’um amador

D’um nosso dedicado amigo de Torres Vedras recebemos a seguinte carta que gostosamente publicamos e transmittimos aos nossos leitores:

Torres Vedras, 28. – As observações de um curioso-amador, comquanto não sejam perfeitas, pódem comtudo muitas vezes fornecer varios elementos que vão, quando mais não seja, corroborar outras observações mais amplas, feitas por quem na materia tenha superior entendimento e por isso mesmo não quiz por de parte a idéa de transmittir ao Diario de Noticias todos os apontamentos que, como simples curioso, pude obter das observações que fiz do eclypse do sol, com o auxilio de alguns instrumentos apropriados para o caso.

O dia amanheceu esplendido, a atmosphera limpida, de um azul celeste puro, prenuncio de um dia de calor intenso.

Ás 9 horas da manhã o thermometro accusava 23 graus centigrados á sombra. Apenas uma leve aragem de leste modificava esta temperatura já pouco supportavel p[a]ra quem como nós teve um inverno rigorosissimo.

O barometro tem subido.

Ás 10 horas estava calma e ás 11 horas principiou a soprar uma viração fresca de WNW.

Acertado ao meio dia o relogio por uma boa meridiana, preparamo nos para marchar e pela uma hora da tarde principiamos a ascenção [sic] ao monte do Varatojo, logar culminante que domina a villa de Torres Vedras e de uma perspectiva magnifica.

Á 1 hora e meia da tarde acampamos junto ao moinho mais alto, espraiando-se a vista n’um raio de horisonte de algumas leguas. O vento rondou para oeste e refrescou mais, ouvindo-se o concerto monotono produzido pelos buzios dos moinhos. N’esse momento o thermometro marcava 24º,5[.]

Para o occidente vê-se uma tenue neblina que cobre a superficie do mar e torna um pouco indecisa a linha do horisonte. Para o norte agglomeram-se nuvens soltas. No zenith brilha o azul limpido e claro da abobada celeste.

Ás 2 horas e 6 minutos tocou a lua o limbo quasi inferior do sol, do lado correspondente ESE, marcando o thermometro pouco depois 24º,2. O vento abonançou e ás 2 horas e 33 minutos estava calma podre [?], refrescando novamente passados 30 segundos.

No ponto culminante principiou a apparecer uma ligeira nuvem que se interpoz ao sol, não prejudicando apezar d’isso a observação.

Ás 2 horas e 46 minutos calculava a lua tangenciando o centro do sol e o thermometro accusa 23,º5 [sic].

Ás 2 horas e 53 minutos, a atmosphera cobriu-se de nuvens soltas, farrapos esbranquiçados contrastando com o azulado menos brilhante do espaço e reconheceu-se o augmento da neblina em todo o horisonte. O vento amainou e a temperatura baixando para 22,º8, desceu mais um grau no fim de cinco minutos e n’essa occasião o vento rondou para o Norte.

Ás 3 horas e 15 minutos a neblina rodeiava nos totalmente e os raios solares tornavam-se fracos a olhos vistos, mostrando uma luz já pallida e, espalhando-se pelos campos uma sombra tenue, dava á paisagem um tom esbatido, ao mesmo tempo que impressionante[.] O limbo superior do sol desappareceu.

Das 3 horas o [sic] 20 minutos ás 3 horas e 25, o horisonte tornou-se mais escuro, notando-se uma sensação desagradavel de frio e a atmosphera apresentava uma côr esfumada que se poderia comparar a uma no[i]te de luar muito claro. O thermometro marcou então 20º,8. Era a maior intensidade do eclypse e já se via o limbo inferior do sol.

Seguidamente o disco ainda visivel desenvolveu mais irradiação, percebendo-se ás 3,30’ um circulo luminoso em volta do sol, como ás vezes se vê em redor da lua nas noites ventosas ou de chuva. A temperatura continuou a descer, porém menos sensivelmente até ás 3,45’, hora a que o thermometro marcou o minimo de 20º,5.

Ás 3,48’ seguiram-se 30 segundos de calma. Ás 3,53’ subia já o thermometro que marcava 21º. Desappareceu n’essa occasião o circulo luminoso em torno do sol. No primeiro quarto de hora depois subiu a temperatura 9 decimos, no segundo quarto de hora 4 decimos mais e no terceiro 9 decimos. Como ser vê, era desigual o augmento de temperatura.

Foi ás 4,34’ que cessou a interposição da lua que desappareceu pelo limbo diametralmente opposto áquelle em que tinha tangenciado no começo do eclypse. A neblina tornára-se menos densa.

Cinco minutos depois d’essa hora a temperatura diminuiu quasi repentinamente 0º,2 e conservava-se estacionaria um quarto de hora mais tarde, reinando vento fresco do norte.

D’aqui se conclue que as variações da temperatura não foram graduaes. Desde o principio do eclypse até á sua maior intensidade o thermometro desceu 3º,4 continuando a descer até 20 minutos depois, marcando então menos 3 decimos.

D’ahi por diante subiu 2º,7 até depois de terminar o eclypse, chegando á maxima de 23º,2 e descendo de nove com o declinar da tarde. – J. V.

O regresso dos excursionistas da Sociedade de Geographia

Pelas 6 horas da manhã, entrou na gare do Rocio o comboio especial que conduziu a Sociedade de geographia [sic] e que devia ter chegado ás 4 horas e 38 minutos.

O atraso foi na linha da Beira Alta.

Sabemos que todos os excursionistas veem muito gratos á camara municipal de Vizeu pelas attenções recebidas.

Á direcção da Sociedade de Geographia, á commissão organisadora da excursão, e ainda a outros membros da sociedade, recebeu o sr. dr. Luiz Ferreira, presidente da camara de Vizeu, na sua casa do Serrado, com a mais captivante e fidalga amabilidade. Tanto s. ex.ª como sua familia deixaram nos seus hospedes gratissima impressão dos momentos que passaram na casa do Serrado.

No Porto

Além das informações que já hontem publicámos sobre a observação do phenomeno na segunda cidade do paiz, podemos hoje accrescentar mais as seguintes:

Segundo o «Jornal de Noticias», é a seguinte a descripção da corôa solar:

«A principio, em volta do disco negro da lua, fez-se um circulo de luz, formosissimo e regularissimo, como se fôra traçado a compasso. Depois, n’aquella argola de ferro em braza, appareceu uma protuberancia luminosa, uma especie de morrão de fogo, que, como se seguisse um rastilho de polvora semeada no circulo igneo, se lhe communicou instantaneamente, espargindo jorros de luz em todos os sentidos.

«Não ha palavras para descrever o sublime espectaculo. O sentimento de assombro combinava-se com sentimentos de outra natureza, que alternativamente predominava. Era a admiração pelo bello, que nunca se tinha visto com tanta grandeza e tanto esplendor, era orgulho pelas conquistas da nossa especie que, depois de seculos de lucta, se sentia maior ainda do que aquellas immensas massas cosmicas. O pulso batia mais agitado, o sangue affluia ao coração e, n’aquelle momento de uma suprema grandeza, comprehendia-se o culto votado ao sol pelos antigos povos.»

No Palacio de Crystal alguns curiosos fizeram as seguintes observações:

O thermometro baixou tres graus centigrados, a luneta astronomica denunciou o começo do eclypse ás 2 horas e 8 segundos; ás 3 e 20 começaram as sombras do arvoredo a denunciar as fórmas semi lunares; ás 3 e 24’ ostentou-se a corôa luminosa do sol e o aspecto da paisagem patenteava uma feição excepcional. O publico ficou deslumbrado ante o admiravel espectaculo.

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Porto, 29. – Retiraram hoje para Lisboa os srs. Paulo Benjamim Cabral, Rodolpho Guimarães e varios estrangeiros que aqui vieram observar o eclypse. – (S. B.)

Porto, 29, 12,45’ t. – A colonia ingleza deu hoje na Associação Britannica um baile aos astronomos inglezes que vieram observar o eclypse do sol. – (S. B.)

Em Ovar

Ovar, 29. – Apezar de hontem o ceu estar um pouco nublado, os clichés obtidos com os coronographos e espectrographos ficaram bastante nitidos.

O sr. dr. Jost, astronomo do observatorio de Heidelberg, tambem colheu resultados muito interessantes nos seus estudos. Obteve cinco medidas photometricas de Mercurio, que só é visivel n’estas occasiões de eclipse do sol. Estes estudos foram agora feitos pela primeira vez. – (Correspondente).

Em Vizeu

Vizeu, 29. – Como disse, no acampamento das Lagens [sic] de Gavins, em Vizeu, no recinto destinado á missão da Escola Naval, sob a direcção do lente Nunes da Matta, estavam alem de 12 aspirantes os lentes da mesma escola Hugo de Lacerda e Ernesto de Vasconcellos[.]

Varios officiaes compareceram tambem a coadjuvar as observações, como os srs. Ramos da Costa, Carceres Fronteira e Gago Coutinho.

Tiraram-se algumas photographias com a objectiva telephotográphica antes e durante a totalidade. Registaram-se leituras de temperatura e pressão, notando se diminuição de cerca de dois graus durante a totalidade.

O phenomeno mais curioso foi o das perturbações magneticas registadas no inclinometro e na balança de inclinação.

Seria interessante reconhecer-se no posto meteorologico da serra da Estrella ou da serra do Plar se teriam casualmente feito leituras sobre os inclinometros, caso aquelles observatórios os possuam. – (Correspondente).

Outras informações

Villa Franca, 29. – O eclypse foi aqui muito visivel e admirado por centenas de pessoas, chegando algumas a ir para o Monte Gordo, para melhor desfructar o effeito produzido pelas sombras. – (Correspondente).

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Serra da Estrella, 29, m. – Na observação do eclypse solar, na Serra da Estrella, foram obtidas 15 photographias da corôa, e dos contactos, e photographias de estrellas.

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O comboio trazendo de Vizeu os excursionistas da Sociedade de Geographia chegou á «gare do Rocio ás 6 horas da manhã, isto é, com hora e meia de atraso.

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Ao sr. conselheiro Pereira de Miranda, furtaram em Ovar cêrca de 200:000 réis em notas.

No estrangeiro

Madrid, 29. – Eis o resumo das observações do eclypse solar total que tambem tiveram na Hespanha bom exito. Effectuaram-se observações importantes em Plasencia, Madrid, Navalmoral de la Matta, Elche, Argamasilla, Alcazar, Santa Pola e outros pontos, comprovando-se a existencia da risca verde do sol medindo[-]se e determinando-se a sua posição. Viu-se Sirius, Marte, Venus e Mercurio. Observaram-se no sol duas protuberancias e algumas manchas escuras. – (Havas).

Paris, 29. – Os jornaes d’esta manhã publicam resumos completos das observações do eclypse solar feitas em Portugal e na Hespanha. – (Havas).


Referência bibliográfica

J.V.; S.B.; Havas (?) - "O eclypse do sol" in Diário de Notícias de 30 de Maio de 1900, nº. 12384, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1468.



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