Assumptos do Dia
Um sanatorio para tuberculosos
A construcção de sanatorios para tuberculosos deve obedecer a estes dois principios fundamentaes, quasi considerados axiomaticos no estado actual dos conhecimentos medicos:
Primeiro – a necessidade de isolar nos hospitaes os doentes atacados de tuberculose, para que a sua promiscuidade não va contagiar os seus companheiros na mesma enfermaria. Esta separação que á primeira vista parece offerecer alguns inconvenientes, por isso que póde actuar sobre o estado moral do enfermo, é todavia compensada por grandes vantagens, não só em proveito de certos e determinados individuos, mas com a utilidade geral.
Segundo – a crença, sufficientemente baseada em factos, de que a tuberculose é susceptivel de cura, applicando[-]se-lhe uma therapeutica apropriada, que consiste principalmente n’uma boa alimentação e n’um rigoroso regimen hygienico com relação aos agentes atmosphericos, de modo que possam actuar physica e moralmente, não só em todo o organismo, mas nos pulmões com especialidade.
Temperatura regular e temperada, ar qae [sic] se respire gostosamente, luz suavemente consoladora, tudo isto n’uma paysagem ridente, que sirva de regalo á vista e que penetre no intimo, reflectindo-se no espírito, como as collinas verdejantes se reflectem n’um lago, dando assim a esperança e o conforto moral – taes são os factores de primeira ordem, que hoje se julga indispensaveis.
Na corrente destas idéas é que todos os povos da Europa estão batalhando na mesma cruzada, erigindo por toda a parte sanatorios e estações para tuberculosos, confiados em que por este meio se conseguirá debellar a terrivel enfermidade, ou quando menos reduzil[-]a as mais exiguas proporções. E se por ventura se conseguisse diminuir em 50 por cento os seus funestos estragos, já nos dariamos por largamente compensados dos trabalhos e sacrificios que, n’este piedoso e nobilissimo intuito se estão realisando.
A França, que, em questões de assistencia publica, timbra em que as outras nações não lhe deitem a barra adeante, acaba de inaugurar um hospital d’esta natureza, que, a ajuizar pelas descripções que temos, se póde considerar um modelo, julgando portanto oportuno e conveniente, dar aqui a tal respeito algumas indicações.
O sitio escolhido para o novo e particular edificio foi Azincourt, na communa de Oise, um pequenino valle encantador, verdejente e risonho, abundante de fructos, embalsamado de flores, um paraiso em miniatura, tal como o sonhariam Theocrito e Virgilio para os idylios dos seus pastores e echo das suas tibias e flautas campesinas. A mendicidade é ali quasi desconhecida e os habitantes vivem largos annos n’uma quietação e n’um bem estar invejaveis, mas que elles todavia não apreciam devidamente, pois que a população vae diminuindo e o sitio vae-se tornando ermo, graças á influencia, que exercem os grandes centros com o seu fatal attractivo. A egreja matriz, do seculo XII, coberta e roida pela hera, ameaça total ruina e a preciosa obra d’arte não tardará a desapparecer na voragem das cousas inuteis. O sentimento religioso esmoreceu a tal ponto que os que reclamam piedoso auxilio para aquelle templosinho, são tratados de clericaes, e, o que é triste, os que falam em nome do culto da arte são escutados com o mesmo iconoclastico desprezo.
Mas uma cousa substituirá a outra: a par das ruinas da egreja levantou-se o novo hospicio para tuberculosos, e Deus não se vingara [sic], porque é a lei evangelica, a caridade, que tambem se impõe aqui.
O sanatorio d’Azicourt [sic] parece corresponder a todo o desideratum scientifico[.] As condições hygienicas são excellentes. Na encosta d’uma colina, n’uma altitude razoavel, está fundado n’um solo permeavel, na visinhança de bosques, variado de ares puros, ao abrigo da humidade e dos nevoeiros, n’uma paysagem, como já dissemos, deliciosa, fresca de aguas correntes.
É em feitio de ferradura. Porque se adoptou esta fórma? Por simples capricho? Por originalidade architectural, no desejo de apresentar cousa nova? Não de certo, mas com o proposito de aproveitar o melhor possivel, em beneficio dos hospitalisados, o ar, o calor, a luz. Todos os quartos teem excellente exposição: o sol e o ar entram em abundancia, mas com a regularidade indispensavel. Corredores de serviço protegem as enfermarias das intemperies, a que poderiam ficar sujeitas. O rez do chão com larga varanda, em toda a roda do edificio, é destinado á chamada cura do ar.
Por emquanto [sic] está só construida metade do edificio, comportando 163 leitos. A elegancia e a sobriedade deram[-]se as mãos, de modo que não se fez uma construcção monumental, mas um edificio altamente utilitario que na sua singelesa, fosse da mesma maneira attrahente e commodo, realisando assim em ponto grande o sweet home dos inglezes.
No meio dos seus soffrimentos habituaes, o enfermo haurirá n’esta carinhosa atmosphera todos os elementos, não só de resignação, mas de bem fundada esperança.
Julgamos desnecessario dar mais desenvolvimento á descripção d’este edificio, que dispõe de todos os recursos para confirmar a certesa [sic] ou a fallibilidade dos preceitos e recommendações scientificas. Se a experiencia fôr infructifera ou menos proveitosa, nem por isso se deve desanimar em absoluto, mas remar em outro sentido, no convencimento de que a orientação actual ainda não é difinitiva [sic]. O espirito do homem, n’isto como em tudo, apesar da sua inexgotavel capacidade investigadora, caminha sempre ás apalpadellas até attingir a meta desejada.
Por certo que os architectos e homens technicos que entre nós consagram dedicadamente as suas lucubrações ao estudo d’esta materia, não deixarão de tomar na devida consideração, para aproveitar d’elle o que melhor julgarem, o sanatorio de Azincourt.