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Assumptos do dia

Hygiene esporadica – Architectura rural

Faz agora justamente um anno que o paiz se alarmou com o apparecimento de alguns casos de peste bubonica, que felizmente não alastrou, sendo até benigna para o proprio fóco de infecção. Adoptaram-se então providencias extraordinarias, da efficacia das quaes ha muito a duvidar, pois, não falando já no cordão sanitario, toda a gente sabe como eram feitas, na maioria dos casos, as apregoadas desinfecções – poeira atirada ao [sic] olhos, formalidades que só serviam para dar incommodo.

Gastou-se muito dinheiro inutilmente, deixando-se ficar as coisas no estado em que se achavam anteriormente. Que profunda modificação soffreu o systema de saneamento do Porto, aliás tão primitivo, tão atrazado, tão condemnavel? Com o dinheiro que então se desperdiçou quanta cousa util se podéra ter feito, se houvesse tino em dispender e methodo em edificar?

Assusta-nos o nome de peste e não nos preoccupam tantas enfermidades devastadoras, que dizimam constantemente as populações, podendo ser facilmente debelladas as suas causas productoras. Bastava para isso que se attendesse um pouco mais á limpeza das povoações e á destruição de certos fôcos n’ellas existentes e que teem por assim dizer a sancção offical.

N’uma carta que publicámos no numero de domingo a proposito do nosso artigo As creanças e as cadeias, faz-se uma pintura do mais pavoroso realismo da prisão de Espozende, pintura que não é especial, mas que se póde generalisar ás demais que existem pelas outras comarcas do reino.

Tanto sob o ponto de vista physico como sob o ponto de vista moral, as prisões portuguezas são verdadeiras sentinas, asquerosos monturos nos centros dos povoados. Ha um bom par d’annos que o sr. dr. Ayres de Gouveia, então ainda bem longe de ser bispo de Bethsaida, escreveu um livro sobre o assumpto, em que desenrolava o sudario de tantas miserias, mas o sudario continua estendido, sem que os senhores ministros da justiça se dignem pôr n’elle olhos misericordiosos.

Era bem escusado haver laboratorios bactereologicos, porque as cadeias são estufas onde se cultivam todos os microbios, e o que admira é como o paiz não é mais doentio e o seu quadro nosologico não attinge mais vastas proporções.

As cadeias estão carecendo de urgente e completa remodelação, mas quantos outros estabelecimentos officiaes não estão a pedir agua e vassoura? As escolas primarias, na sua maior parte, são uns covisinhos, onde a infancia desfructa os privilegios da animalidade.

Tem sido objecto de reparo e critica a habitação nas cidades – o pateo em Lisboa, a ilha no Porto – mas a casa de campo portugueza, ou para melhor dizer a casa de lavoura, não offerece menos inconvenientes. No Minho a residencia do lavrador está em condições, que nada teem de saudaveis antes peccam pela sua absoluta falta de hygiene.

Uma porta de carro dá entrada para um grande pateo ou recinto, ao fundo e em roda do qual se levanta a moradia. Este pateo não é ladrilhado, é de terra solta, coberto por um alto tapete de matto, sobre o qual passam e até andam familiarmente todos os animaes e para onde se atiram todos os detrictos da casa. É natural e propositadamente uma montureira em fermentação permanente, formando uma atmosphera balsamica. E vive-se aqui, na patriarchal convivencia dos animaes, sem a menor observancia dos preceitos hygienicos!

Como se explica que, em circumstancias [sic] d’esta ordem, a raça minhota seja tão robusta, tão sadia, apparentemente sadia pelo menos?

Explica-se pela natureza do clima, pela bondade do ar, pelo exercicio, e por a vida decorrer a maior parte do tempo no campo, fóra de casa. Como a provincia é banhada de muitos rios, os habitantes das povoações ribeirinhas banham-se frequentemente no verão, purificando-se para assim dizer, mas não tanto quanto fôra para dese[j]ar. O que succede é que as aldeias são frequentemente dizimadas pela variola, escarlatina e outras doenças exanthematicas. As epidemias das febres typhoides, como a de Manteigas, fazem de quando em quando terriveis irupções, sem que se tomem providencias radicaes para evitar a sua marcha e reproducção.

Os grandes proprietarios agricolas dariam um bom exemplo, ao mesmo tempo patriotico e humanitario, se além de empregarem os melhores processos de cultura, edificassem as suas hahitações [sic] de modo a apresentarem todos os commodos e todas as condições de salubridade.

Não sabemos se no Instituto de Agricuitura [sic] existe uma cadeira de Architectura e hygiene rural. Pois se não ha, não fôra nenhum desperdicio creal-a, porque seria, sem duvida, tanto ou mais vantajosa de que muitas que ali se professam. Casas de campo de recreio, com alamedas e jardins pittorescos, ha muitas, algumas d’ellas até, com as magnificas quintas de Cintra, sumptuosas vivendas, que se diriam imagens do paraizo na terra. Mas a casa campestre de recreio não é a casa de campo, a residencia habitual do verdadeiro cultivador. São poucos os proprietarios ruraes que saibam viver commoda e convenientemente, ao passo que a residencia do pequeno cultivador é quasi uma pocilga, em que o homem é simplesmente o companheiro do animal de trabalho ou do animal de engorda. Para o levantamento d’este deploravel estado physico e moral é que nós desejariamos que convergissem, não só a boa vontade dos governos, mas os esforços dos homens da especialidade e a melhor comprehensão emfim de todos os interessados no seu proprio bem-estar.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "ASSUMPTOS DO DIA / Hygiene esporadica – Architectura rural" in Diário de Notícias de 2 de Agosto de 1900, nº. 12448, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1516.



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