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Texto da entrada (ID.1517)

Assumptos do dia

Economia social e philantropia

De consenso unanime, a Exposição Universal de Paris é uma das mais notaveis, senão a mais notavel, das que se tem realisado, e a mais ampla que se tem offerecido á contemplação dos visitantes da bella capital da França. É certo que ella não apresenta uma d’estas novidades espaventosas que deslumbram as multidões, como a Torre Eiffel, mas em compensação é um campo immenso de ensinamento, em que se desenrolam de modo insinuante todas as manifestações da actividade humana no que ellas teem de mais bello e de mais util. Quem quizer applicar-se ao estudo de qualquer ramo do saber e do trabalho humano, não lhe faltam os elementos, admiravelmente dispostos como que a entrar pelos olhos, segundo a phrase popular.

Uma das secções que nos prende, embora não tenha os illusorios attractivos d’uma scena de theatro é o palacio da economia social, onde se acha reunidos methodicamente, mas sem o caracter pesado d’uma classificação scientifica, tudo quanto a imaginação tem inventado para melhorar progressivamente a situação das classes menos favorecidas da fortuna. Quereis saber o ponto culminante a que chegaram as instituições sociaes no tocante a caixas economicas, a caixas de soccorro, a montepios, a bancos populares, a creches, a associações de soccorros mutuos, a cooperativas, a patronato operario? Ali encontrareis com facilidade, n’um relancear d’olhos, minuciosamente, mas sem exuberancia impeditiva, tudo o que nos póde interessar sobre o assumpto. Mappas, diagrammas, estatisticas, modelos, todos os recursos emfim [sic] de que possaes carecer para a vossa exploração ali estão serviçalmente ás vossas ordens. Algum subsidio que vos falte, encontral[-]o-heis na vasta bibliographia, isto è, nos innumeraveis livros, folhetos e jornaes que têem sido consagrados a tão interessante materia, quer na generalidade, quer na especialidade.

Uma importante folha parisiense, dedicando um artigo ao Palacio da economia social, lastimava que esta importantissima collecção, fructo de tanta fadiga e de tanto saber se dispersasse depois da exposição e pedia que se lhe desse um caracter de Museu permanente, o que se nos afigura justissimo, merecendo que entre nos [sic] fosse imitado, incumbindo esse encargo ás associações de classe, que assim prestariam um exemplar serviço a si proprias e á sociedade em geral.

Complemento indispensavel da obra representada pelo Palacio da economia social, seu commentario vivo, por assim dizer, foi o congresso universal de beneficencia, que se instaurou na Sorbonne, presidido pelo sr. Cazimir Perier e ao qual se dignou assistir, tendo a sua inauguração como uma honra, o presidente da republica franceza. Trinta nações estavam ali representadas n’este concilio ecumenico da beneficencia.

O discurso do sr. Loubet, d’uma grande sobriedade e elegancia, é fundido n’um bello molde de bom siso ao mesmo tempo que animado por um sopro de elevado sentimentalismo. A linguagem, simultaneamente philosophica e evangelica, filha do coração e da cabeça, d’um admiravel equilibrio moral, faz perfeito contraste com a linguagem bellicoza empregada por outro grande chefe de estado da Europa.

Emquanto que n’uma parte se suscitava o odio internacional, na outra prégava-se o apaziguamento entre as diversas nações, fazia-se a apologia da solidariedade humana.

Por certo que a caridade, a beneficencia, o desejo de fazer bem não são sentimentos exclusivos de qualquer raça ou de qualquer povo; é um principio universal, mais ou menos bem comprehendido, mais ou menos satisfactorianente realisado, em harmonia com as doutrinas religiosas, philosophicas ou politicas de qualquer paiz. A democracia, disse o sr. Loubet, e disse muito bem, tem principalmente a peito o melhoramento e levantamento das classes menos favorecidas da fortu[n]a, mas não se póde ella adjudicar a si só essa honra, deixando de fazer justiça a todos os cooperadores da ordem do bem.

Tanto o sr. Loubet como o sr. Casimir Perier pozeram em evidencia que a esmola, distribuida ás cegas, não basta para remediar os males da pobreza e da miseria, antes póde ser, em alguns casos, uma causa estimulante da desgraça que se pretende aniquilar.

Nunca é de mais o que se dá á pobreza, mas a maneira como se dá é que póde tornar a esmola ineficaz como semente lançada em terreno pedragoso.

Soccorrer o infortunio é um acto realmente consolador, mas a consolação que d’ahi resulta é passageira, quando poderia ter um caracter mais profundo e duradouro. Uma doença, por mais bem tratada que seja sempre deixa os vestigos [sic], que mais cedo ou mais tarde reapparecem.

O que convem, por conseguinte, é prevenir, em vez de remediar. Diminuir as causas da pobreza e da miseria, n’isto é que consiste a verdadeira cura. Antes que deixeis de resvalar alguem, procurae sustel[-]o na ladeira do precipicio. Depois ser-vos-ha muito mais difficil arrancal-o de lá.

A boa economia social deve ser portanto a base mais solida de toda a beneficencia. É a hygiene antepondo-se á therapeutica.

Reformadores sociaes, apostolos da philantropia, soldados da cruzada do bem, sêde hygienistas de preferência a medicos!


Referência bibliográfica

[n.d.] - "ASSUMPTOS DO DIA / Economia social e philantropia" in Diário de Notícias de 6 de Agosto de 1900, nº. 12452, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1517.



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