Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
O sanatario de Outão
Quem percorrer os ultimos kilometros da pittoresca estrada, que liga a antiga torre de Outão com a formosa cidade de Setubal, sentirá sem duvida uma das mais bellas impressões, deliciando-se ao ver de um lado, lá em baixo, o extenso panorama da foz do Sado, do outro, trepando a grande altura, a severa peneda da alpestre Arrabida, e de permeio, em encantador trajecto, a alegre vegetação parcamente salpicada de estimados solares, paradisiacos.
Dir-se-hia que a Natureza, prevendo a applicação que hoje vae ter a veneranda construcção do seculo XVII, quiz engrinaldar-lhe o caminho, orlando-o de esperanças e de sonhos, – esperanças synthetisadas no verde viçoso dos campos, e sonhos symbolisados no azul ceruleo das vagas e na elevação abrupta da montanha.
As debeis creanças para as quaes o novo sanatorio é destinado, saidas de humildes casebres, onde escasseia a luz, o espaço, o conforto e a hygiene, hão de considerar essa encantadora estrada como conduzindo-as phantasticamente a risonhos futuros. Acalentarão nos pequenitos cerebros a crença de que a dor e a enfermidade lhes ficou, para sempre, áquem da mansão benefica onde vão entrar, e a esperança, – o melhor dos sentimentos que nos proporciona a existencia, – fulgirá radiosa em seus flacidos corações.
Ao depararem com a torre, antiga mas rija e alterosa, esta lhes mostrará como a solidez do arcabouço lhe permittiu lutar vantajosamente durante tantos annos contra as violencias do Oceano, que em vão lhe ameaça corroer os alicerces, e contra as intemperies do tempo, que de balde lhe açoita as enegrecidas paredes, resistindo incolume como resistiria invuneravel ás arremettidas adversarias. Assim, vaidosa, a velha torre lhes indicará como o organismo infantil, revigorado n’aquella salutifera estação, poderá, tambem vantajosamente, lutar contra os bacillos tuberculosos, innumeros e pertinazes como as gottas d’agua do Oceano, tyrannicos e crueis como os rigores do tempo, lethileros e devastadores como a potente metralha do inimigo.
Pois é n’este encantador e suggestivo logar, e na torre ainda ha pouco destinada para vivenda real, que na proxima semana vae abrir o Sanatorio de Outão, como um dos mais urgentes e sympathicos padrões da benemerita obra da Assistencia Nacional aos Tuberculosos.
Serão ahi tratadas creanças menores de 12 annos, que sem duvida encontrarão remedio ao mal que as invadiu. Já tocados pela tuberculose, os seus debeis organismos vacillam na lucta, prestes a serem aniquilados; mas a santa cruzada, animada e presidida por sua magestade a Rainha, corre em seu auxilio, ministrando-lhe todos os meios para arcar com o bacillo, e para o vencer.
A vida em plena liberdade ao ar puro do mar, a farta luz do sol, a alimentação apropriada, o clima sadio e os meticulosos cuidados da hygiene, tudo encontram no Outão os pequenos doentes. Ahi o ar, por ser marítimo, é excitante; rico em ozone [sic] e em electricidade e contendo notaveis proporções de chloreto de sodio, de bromio e de iodo, é isento de poeiras e de impurezas organicas, bem como de grandes oscillações de temperatura, de humidade e de pressão. O terreno, calcareo e permeavel, é tão secco que se torna preciso ir a distancia buscar a agua necessaria para os serviços hospitalares, visto no local apenas existir a que se accumula nas vastas cisternas do forte.
O clima, temperado pelo abrigo que ao norte lhe offerece a proxima serra da Arrabida, nem é prejudicado por qualquer proxima povoação, visto que nenhuma perto existe.
Todas estas condições naturaes hão de ser coadjuvadas pela rigorosa hygiene e pelo sabio tratamento, cuja direcção foi confiada ao meu illustre colllega Augusto Cesar Loforte.
A parte do Sanatorio que vae agora abrir nada tem ainda com a ampliação que hade ser feita, e da qual se occupará um dos proximos artigos d’esta propaganda. Por emquanto [sic], apenas é utilisada a torre existente, na qual se alojarão 36 creanças do sexo feminino; mas n’um proximo futuro serão ultimadas extensas camaratas para cem doentes.
A torre, situada a 7 kilometros de Setubal, assenta n’um contraforte da serra da Arrabida, em rochedo intromettido pelo mar, de fórma que as ondas batem constantemente as suas ameias pelo lado sul e um pouco pelo nascente e pelo poente. Elevada a grande altura, contém numerosos compartimentos; mas para a actual hospitalisação apenas foram destinados os maiores e melhor illuminados, onde á larga foram installados os 36 leitos. Dos restantes compartimentos, uns servirão para aulas, refeitorios, moradia de enfermeiras, outros para arrecadações e mais dependencias.
Nas extensas baterias, abrigadas por grandes toldos, e n’um amplo hangar estarão os doentes ao ar livre durante todo o dia, tendo sido reservada uma ampla esplanada ao nascente, para n’ella se constituir um lazareto, isolado, onde as creanças permanecerão durante a primeira semana de internato, afim de se verificar se não trazem qualquer outra doença infecciosa além da tuberculose.
Eis a largos traços o que é o Sanatorio de Outão, o primeiro estabelecimento que d’este genero se abre no nosso paiz, e no qual decerto vão ser vistos os mais brilhantes resultados, coroando assim a santa iniciativa da bondosa organisadora da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, e os enthusiasticos esforços de todos que a codjuvam no seu magn[a]nimo empenho.
ALFREDO LUIZ LOPES.
Alfredo Luiz Lopes - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / O sanatario de Outão"
in Diário de Notícias
de 1 de Junho de 1900, nº. 12386, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1521.