Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
Tuberculose nas creanças
É preciso proclamar mais vez o principio: – o tuberculoso deve conhecer qual a doença de que soffre. Este principio estabelecido por aquelles que se teem occupado do assumpto, deve ser acceite e vulgarisado por todos, medicos e não medicos. Vão n’isso o interesse capital do proprio doente e os altos interesses da collectividade. Pode affirmar-se que, em regra, só se curam os tuberculosos que sabem que o são; pode, tambem, com toda a segurança dizer-se, que as medidas e conselhos tendentes a combater a propagação da tuberculose terão uma efficacia quasi nulla, emquanto se mantiver o costume de occultar-se ao doente a natureza do seu mal.
Digam ao tuberculoso a verdade ou façam adivinhal-a, isto d’um modo que o bom senso e tacto do clinico saberá encontrar para cada doente; fortaleçam-lhe o animo com as esperanças no seu restabelecimento, e verão o doente recuperar a perdida alegria, tornar-se, quando bem dirigido e instruido, um collaborador zeloso do medico durante o seu tratamento, e rodear-se dos mais meticulosos cuidados para não prejudicar com a sua doença os que o cercam.
Um doente tem, tantas mais probabilidades de curar-se, quanto mais cedo começar a tratar se, diminuindo as esperanças na cura á medida que a doença avança nos seus estragos. Pelo que respeita ao contagio quanto mais tempo estiver o doente na ignorancia do seu estado, mais tempo é perigoso para os outros.
Do que precede vem a vantagem de vulgarisar uns conhecimentos elementarissimos, fazer conhecer uns signaes de facil observação, com os quaes qualquer pessoa possa, não affirmar, mas suspeitar com fundamento da existencia da tuberculose no principio; o resto é com o medico de sua confiança, que confirmará as suas suspeitas ou o affastará das suas apprehensões.
Estas verdades devem ser ouvidas e attendidas pelos proprios doentes ou pelas mães, tratando-se de creanças. Comecemos por estas.
A tuberculose nas creanças apresenta-se quasi sempre espalhada pelas differentes partes do corpo, vindo em geral a tuberculose do pulmão em segundo lugar. Aquellas manifestações tuberculosas, são graves por si mesmo, podendo matar quando não tratadas a tempo e convenientemente, são graves porque pódem espalhar-se pelo pulmão e pela cabeça e ainda porque dão frequentemente deformidades e aleijões. As que dão mais vezes deformidades e aleijões, são a tuberculose das juntas (tumores brancos) e a tuberculose da espinha (mal de Pott).
O tumor branco começa a manifestar-se por uma dôr na junta mais ou menos forte, engrossamento e difficuldade de movimento ao nivel da junta atacada. Se o tumor branco é na anca, a creança accusa quasi sempre a dôr no joelho; se a doença se dá nos membros inferiores a marcha é difficil e a creança coxeia. Em um periodo mais avançado vem o adelgaçamento do membro abaixo da junta affectada.
Na tuberculose da espinha (mal de Pott) um dos signaes que apparece primeiro é a sensação de fadiga.
A creança não pensa em brincar; se está de pé procura um ponto de apoio. Ás vezes para se alliviar do peso do tronco, apoia as mãos sobre as coxas, sobretudo quando quer baixar-se. Desce as escadas com precaução; recusa-se a saltar. Á mesa inclina-se para diante, sustentando o queixo com as mãos, repousando os cotovellos sobre a mesa.
Para melhor se apreciar a mobilidade da espinha, convida-se a creança a apanhar do chão um objecto. Se o mal existe na parte superior da espinha, ella não póde estender o pescoço para diante e para baixo e o tronco acompanha o movimento de abaixamento; se a parte da espinha atacada fica mais inferior, a creança não póde apanhar o objecto sem dobrar as pernas. O mal de Pott acompanha-se muitas vezes de dôres, variando o lugar d’ellas, com o lugar onde se está desenvolvendo a doença. Passando os dedos pela espinha, encontra-se frequantemente uma pequena saliencia, que com o progresso da doença se transforma em grande corcunda[.]
N’este grupo de tuberculosos devo referir-me a um mal que ataca com frequencia as creanças e que se localisa no fundo do nariz e da garganta. Dá, além d’outros estragos, mais ou menos graves o embaraço do desenvolvimento physico e intellectual. A creança tem uma physionomia aparvalhada; ronca muito quando dorme, dorme de boca aberta e mesmo de dia anda assim; baba-se abundantemente. Interessa isto muito especialmente os [sic] educadores de creanças, que attribuem muitas vezes, a falta de attenção e pouco aproveitamento d’ellas á ratacice, quando a causa está n’aquella doença.
Para terminar estas pequenas noções sobre tuberculosos [sic] externas, devo dizer que a escrophula, cujos signaes são de todos conhecidos, é uma parente muito proxima da tuberculose.
A medicina e a cirurgia teem hoje recursos efficazes, para curar a todas estas especies de tuberculose, cujos signaes de principio, eu ligeiramente acabei de esboçar. Podem curar-se em qualquer periodo, mas no começo com relativa facilidade; em periodos mais avançados deixam muitas vezes aleijões, necessitando em grande numero de casos, de operações cirurgicas mais ou menos graves.
É um auxiliar poderoso da medicina e cirurgia, para estas fórmas de tuberculoses, o clima maritimo. Para os pobres occorre-se a esta necessidade com a organisação de hospitaes maritimos, como o da Torre do Outão, que em breve vae ser inaugurado pela Sublime Inspiradora e Organisadora de toda esta propaganda, tão altamente sympathica, de protecção aos tuberculosos.
Para se tirar todo o proveito d’estes hospitaes, e estes não cahirem em descredito, necessario se torna organisar, no que decerto já se pensou, um quadro das doenças e suas formas, que podem ser tratadas ali, deixando, está claro, muitas indicações e contra-indicações ao criterio do clinico que dirigir o estabelecimento.
Como este artigo já vae longo, em outro se tratará dos signaes da tuberculose interna das creanças e dos da tuberculose pulmonar nos adultos, qne [sic] é a que mais interessa sob o ponto de vista do contagio.
JOAQUIM EVARISTO.
Joaquim Evaristo - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Tuberculose nas creanças"
in Diário de Notícias
de 28 de Maio de 1900, nº. 12382, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1522.