Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
Tuberculose e alienação mental
Hoje que a cidade toda pa[r]ece levantar-se como uma só pessoa para se defender de [r]emoroso inimigo a – tuberculose – mais mortifera do que outra qualquer doença, e do que a mais sanguinolenta guerra, não será fóra de proposito dizer o que a seu respeito se passa com relação á alienação mental.
Não me referirei ao apparecimento da loucura nos phtysicos nem tão pouco á frequencia da tuberculose nos alienados, facto já citado por Esquirol, que notou quanto era frequente a tubeculose n’estes desgraçados.
Não me referirei tambem á mortalidade dos alienados, victimas das differentes formas de tuberculose, que, se nos centros populosos é grande, não é menor nos manicomios, devido talvez ao optimo terreno que o bacillus encontra para se desenvolver, em virtude da má enervação do doente e depauperamento de forças; pois conforme tenho notado, é nas formas depressivas de allienação e nas secundarias, por conseguinte incuraveis, que a tuberculose se manifesta mais frequentemente.
Assim em 22 casos de tuberculose que se deram em Rilhafolles, 16 foram em doentes affectados de degenerescencias psychicas, dois de melancolia e um de demencia primitiva.
Não bastava a estes infelizes a perda da rasão e da vontade, as suas perseguições, lamentos continuados – ainda como supremo epilogo, teem a tuberculose, que vem tornar-lhes mais cruel o soffrimento e ainda mais cruciante o seu termo fatal, a morte!
Quero referir-me á ligação que ha entre a tuberculose e a alienação mental; duas doenças duplamente funestas em si para o doente e pela sua transmissibilidade para os outros.
Apesar de hoje se não julgar que o principal meio de propagação da tuberculose seja a hereditariedade, o que é fóra de duvida é que os filhos de phtysicos nascem fracos, dotados de má constituição e incapazes, em geral, de se adaptarem a grandes trabalhos.
Assim tambem os descendentes de paes alienados se encontram em circumstancias [sic] favoraveis a ser atacados de doenças mentaes, o que levou Kraft Ebing a dizer que «depois da tuberculose nenhuma doença ha mais transmissivel pela hereditariedade do que a alienação mental».
É sobre a ligação e affinidade que existe entre estas duas funestas doenças que pretendo chamar a attenção d’aquelles que tão espontanea como generosamente se interessam pelo assumpto.
Se entre algumas doenças e as psychoses existe uma certa relação observada, e comprovada despois pelas autopsias, e se o mesmo se não dá entre essa e a tuberculose, não é comtudo [sic] menos certo que a affinidade é tal que uma póde ser substituida pela outra e até póde existir certa correlação de causa para effeito.
Esta affinidade é tão intima que levou em 1888 Moreau a dizer que a tuberculose dos paes podia, por transformação da lei da hereditariedade, desapparecer nos filhos para se lhes manifestarem affecções mentaes ou nervosas. De então para cá esta asserção tem sido muitas vezes confirmada. Não é raro encontrar na historia progressa dos doentes entrados em Rilhafolles, a filiação de paes fallecidos de tuberculose.
No mesmo doente se tem verificado a substituição da tuberculose pela loucura[.] Ball, professor da faculdade de Paris, apresenta innumeros casos de doentes tuberculosos em que os symptomas physicos e racionaes da tuberculose pulmonar foram encontrados.
Pelo tratamento empregado, conseguem-se certas melhoras quando se julga o doente quasi restabelecido, alvorecem os primeiros indicios da allienação; então a tuberculose, pára na sua marcha e a psychose caminha desassombradamente.
Outras vezes marcham a par as duas enfermidades, desenvolvem-se parallelamente e emquanto [sic] a tuberculose faz a sua evolução, a doença mental segue a sua marcha.
Aggrava[-]se então mais a tuberculose e toma a fórma galopante; emquanto a doença mental se desvanece mais, dando ao desgraçado maior lucidez de espirito, como para conhecer melhor o seu infortunio.
Ainda ha pouco tempo em Rilhafolles aconteceu isso a um desgraçado melancholico reconhecendo o estado em que estava e a terminação fatal que breve o esperava.
Esta alternativa das duas doenças encontra-se assim nos individuos como nas familias.
Descendentes de paes tuberculosos nascem uns fracos, rachiticos, predispostos a contrahir a mesma doença, e outros tarados apresentando verdadeiros estygmas degenerativos, seguindo-se-lhes mais tarde manifestações de alienação mental.
A tuberculose entra, embora como factor de segunda ordem, no quadro etiologico das doenças mentaes; comtudo imprime á psychose um cunho tão especial e caracteristico que levou Ball a chamar á loucura dos phtysicos, loucura tuberculose, e a fazer d’ella uma descripção propria.
N’estas considerações não me referirei á meningite tuberculosa, doença tão fatal e frequente nas creanças, arrastando as a uma morte horrorosa, não só para ellas, como para aquelles que assistem a tão dolorosa tortura.
Ha ainda quem queira vêr na resignação, na indifferença, nas fallazes esperanças dos tuberculosos já n’um periodo adiantado da doença, perfeitamente conhecedores do seu estado, em contraste com a pusilanimidade d’outros doentes, uma prova das mais manifestas do physico sobre o moral e que o estado intellectual d’aquelles infelizes se não acha perfeitamente normal.
Estas breves considerações, juntas a outras apresentadas por pessoas bem mais auctorisadas do que eu, não devem servir senão para com mais fervor trabalharmos por todos os meios para obstar á propragação da tuberculose, horrivel doença por si e pelas suas consequencias, que além d’outras se traduzem no anniquilamento do individuo e da raça.
Assente como está na sciencia que o contagio é a principal causa da tuberculose, cumpre-nos a todos nós e por todos meios [sic] obstar a que elle se dê e se assim conseguirmos diminuir o nqmero [sic] de tisicos é possivel que o dos alienados venha tambem a ser menor.
É mais uma razão para com ardor e afan proseguirmos [sic] na nossa tarefa, aconselhando as classes menos conhecedoras do perigo a conhecer como elle se evita ou restringe.
Caetano Beirão.
Caetano Beirão - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Tuberculose e alienação mental"
in Diário de Notícias
de 21 de Maio de 1900, nº. 12375, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1523.