Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
Ninguem se deve julgar inaccessivel á tuberculose
Não é ser correio de más novas vir acordar no publico de que ninguem se deve julgar inaccessivel á tuberculose, quando não tenha o cuidado de a evitar; nem é quebrar alentos ou esmorecer coragens dizer aos que tiveram a boa sorte de chegarem sadios ao apogeu da vida que no declinar para o seu termo lhes pode ser accelerado o passo pelo espinho tuberculoso; nem tão pouco é trazer desconforto ao animo dos que, fortes de organisação, se julgam por isso invulneraveis.
É certo que a tuberculose faz o maior numero de victimas nas idades em que a natureza destinou para, com maior pujança de seiva, a vida se expandir nas mais formosas florescencias, e que em ar de compensação a mesma tuberculose mais poupa os que chegaram á idade em que a arvore da vida se vae reduzindo aos lenhos que sustentaram a floração da mocidade.
É certo que a tuberculose germina bem nas pessoas fracas, quer assim seja de nascença ou que assim se tornaram por doenças ou dissipações desregradas de forças; é também certo que os tuberculos se desenvolvem nas pessoas enfraquecidas pela idade, embora n’ellas germinem a custo, porque teem de vencer os elementos de organisações sãs.
Andam os medicos a dizer ha muito tempo em alta voz, que uma das condições de cura é fortalecer os organismos, e andam os factos a revelar por outro lado que tanto os fortes de organisação como os endurecidos de idade não estão isemtos de serem tocados pela traça da tuberculose.
Não é raro ouvir dizer: – lá morreu fulano de tuberculose e ainda ha poucos mezes por ahi andava forte e vigoroso; – era um rapaz e os paes eram sadios...
Estes factos que felizmente são excepcionaes, dão-se nas mesmas condições geraes em que a infecção tuberculosa costuma tomar conta dos outros.
Estas condições são: que na superficie da pelle ou das mucosas (epiderme ou ephitelio) se abra brecha por onde o bacillo se inocule e que nos tecidos haja diminuição de resistencia; – quer dizer que o poder de destruir venenos que em nós reside se torna inferior ao poder de os produzir que reside nos bacillos.
Dadas estas duas condições o forte que se julga invulneravel converte-se rapidamente em fraco, susceptivel de ser dominado pelo agente da doença.
É fácil de se entender como é que se abre caminho para a penetração dos bacillos.
São as fossas nasais e a boca as grandes portas de entrada para a invasão microbiana; qualquer solução de continuidade na superficie limitante d’estas cavidades dá ingresso á profundidade dos nossos orgãos.
A acção de poeiras ou vapores irritantes, a acção d’um delluxo prolongado, de uma bronchite demorada, ou simples e vulgar ou promovida por outras doenças como a grippe, escarlatina, o sarampo, a febre typhoide, etc, dá em resultado a formação nas superficies de pequenas escoriações, que são outros tantos pontos acessiveis á penetração dos microbios.
Por outro lado o organismo mais forte tem momentos de decadencia, excessos de vida em que as forças se gastam embora se restaurem em pouco tempo, depressões profundas a que leva o excesso de trabalho ou sensibilidade desordenada, abaixamento do tom do organico normal que é consequencia de doenças agudas prolongadas em convalescença mais ou menos dilatas, – tudo isto dá um esgoto de forças, que embora remediavel reduz, em quando persiste, os de forte constituição a condições analogas ás dos fracos perante a invasão tuberculosa.
Durante todo esse periodo o forte tem a sua existencia quasi tão mal garantida como o fraco a que chamam candidato a tuberculoso; pode adoecer com uma d’essas doenças a que alludi e convalescer com tuberculose iniciada.
Mas se elle no seu leito de soffrimentos se não expoz a novos contagios que lhe trouxessem o bacillo do tuberculoso?
Pode não ser preciso esse reforço, aliás facil de alcançar, no tempo a seguir até que se restaurem as perdas de nutrição e de força, que tinham tornado o forte susceptivel e fraco.
Pode não ser preciso, porque ninguem se deve gabar, – cuidadoso que seja em manter rigoroso asseio – de não dar pousada ao microbio tuberculoso nas suas fossas nasaes, nas fractuosidades da sua boca, ou nas pregas da sua pharinge, conjunctamente com outros microbios que ahi procuram habitação.
E principalmente o ar que os conduz e os depõe n’essas cavidades, onde vão usufruir do calor e da humidade que lá se encontram normalmente.
São hospedes que não se podem evitar porque no estado actual da nossa civilisação e na falta de boas medidas que se executem em relação é salubridade publica, por todos os lados vem ao nosso encontro, na rua, nas carruagens, nos caminhos de ferro, nas casas que foram habitadas por tisicos, no contacto dos seus vestuarios, d’onde se levantam poeiras, etc.
Pois escondidos nas fossas nazaes e mais cavidades que constituem assim verdadeira ante-camara da infecção pulmonar, os bacillos espreitam a occasião em que fraquejam as nossas defesas naturaes, para de subito assaltarem a fortaleza até então inexpugnavel do nosso organismo.
Por tal maneira os de organismo forte entram no periodo inicial d’uma tuberculisação, em cuja existencia não acreditam a principio e por isso mais perigosa, porque de serem fortes e sadios e descendentes de paes egualmente sadios e fortes tiram a illação de que com elles não poderá entrar o bacillo lethal.
De todos estes dados saem nitidas as conclusões seguintes:
Na campanha contra a tuberculose todos se devem empenhar acima de tudo em annular as origens do contagio pela desinfecção ou destruição dos seus vehiculos.
Não ha incommodo por ligeiro que seja que pareça, que deva deixar-se correr á revelia, confiando apenas na espontaneidade da cura, porque da sua persistencia resulta a ruina das nossas defesas e com ella a abertura do accesso a outras doenças com preponderancia da tuberculose.
CURRY CABRAL.
Curry Cabral - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Ninguem se deve julgar inaccessivel á tuberculose"
in Diário de Notícias
de 18 de Maio de 1900, nº. 12372, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1524.