Assumptos do Dia
Assistencia Nacional aos Tuberculosos
À riqueza e á bondade
Não é sómente á riqueza, é á bondade – á bondade sobretudo – que pretendo dirigir-me, falando hoje da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, e recommendando a, de todo o meu coração, como uma obra util, generosa e benefica.
As noticias, que frequentemente s espalham de ter sido encontrado o remedio infallivel da phtisica pulmonar, se por um lado provam que similhante remedio não existe, significam por outro lado que em toda a parte se porfia em descobril-o, mostram que a lucta contra a terrivel enfermidade é um dos problemas que mais preoccupam os bons espiritos. Clinicos e bacteriologistas trabalham com perseverança e com amor; e se ao cabo de muitos annos de trabalhos instantes e de controversias animadas não puderam encontrar ainda o medicamento especifico da tuberculose, é certo que adquiriram já dois resultados brilhantissimos: demonstrar a natureza virulenta e contagiosa da molestia, verificar n’ella a presença de um parasita, de um bacillo.
Foi tamanho o lustre, que deu á sciencia franceza a primeira d’estas decobertas, feita pelo sabio Villemin, como o fulgor, que sobre a sicencia da Allemanha projectou a segunda, devida ao glorioso Roberto Kock. E as consequencias praticas, que se derivaram da moderna concepção da tuberculose, foram enormes, foram incalculaveis.
Discorrendo sobre ambas ponderou a razão, que, se a deonça é virulenta e contagiosa, se as causas do contagio são conhecidas, pode logo a humanidade preservar-se d’elle pelo emprego de medidas prophylaticas. Contra o dogma negro, fatal, da hereditariedade e da incurabilidade, apontou, como rosada aurora de esperança, a nova noção consoladora da tuberculose evitavel, da tuberculose curavel em grande numero de casos. E a esperança tornou-se em breve uma realidade, porque a experiencia confirmou a pleno o que fôra dictado pela razão.
Travou-se immediatamente a batalha entre a sciencia e o mal. Em todos os paizes se organisaram ligas de defeza contra o flagello; espalharam-se profusamente instrucções populares e praticas sobre os perigos do contagio e sobre os meios de o evitar; procedeu-se á construcção de sanatoriums, de colonias sanitarias agricolas, e de hospitaes especialmente destinados ao tratamento dos tuberculosos. Ha nações, como a Allemanha e a Suissa, que podem quasi dizer-se cobertas de instituições d’este genero.
Não podia conservar-se alheio ao movimento o formoso paiz, em cujo seio crescem e se desenvolvem, mantidas pela solicitude e pelo sacrificio de todas a camadas sociaes, as obras puramente mechanicas, juntamente com as obras do espirito e as obras do coração. Existem, de ha muito, em Portugal tão grande numero de associações tendo por missão especial soccorrer a infancia, a velhice, os cegos, os invalidos, que fôra difficil indicar o genero de miseria ou de infortunio que não encontre deante de si a instituição que se proponha remedial-o. Mas era triste, e triste devéras, que nenhuma existisse para atalhar a marcha invasora de um flagello, que constitue um perigo social
Sua magestade a rainha a senhora D. Amelia, parecendo-lhe indispensevel preencher tamanha lacuna, decidiu fundar a Assistencia Nacional aos Tuberculosos. Dirigiu-se a todos os que sabem, a todos os que podem, a todos os que amam, a todos os que se compadecem dos soffrimentos da pobre humanidade, pedindo-lhes que a auxiliassem no seu proposito.
Pois bem. Falando uma vez sobre o alcoolismo na camara dos communs, exclamou o venerando Galdstone: «Trata-se do peior dos flagellos que ameaçam o nosso paiz». E depois d’elle, sir William Harcourt exprimiu-se na mesma camara pela fórma seguinte: «Não ha questão social comparavel em importancia á questão dos males que a intemperança produz na Inglaterra». Ora o mesmo se póde affirmar da tuberculose em Portugal. A ninguem pois é licito cerrar os ouvidos ao caloroso appello da rainha.
Concentrar todas as forças para instituir o tratamento dos tuberculosos declarados, e estabelecer contra a tuberculose medidas de prophylaxia, ou de precaução, tal é o programma, ou – porque melhor digamos – o ideal humanitario de sua magestade.
É como se vê, um problema de assistencia; mas não se comprehende assistencia sem caridade; nem se comprehende instituição de caridade verdadeira, senão a que seja um desabrochamento de solidariedade, a que realise o mais completamente possivel o dever de todos para com todos, em que cada um dos seus membros se sinta encorporado n’uma grande familia, preoccupando-se e interessando-se por tudo quanto interessa e preoccupa os seus companheiros.
Os medicos com os conselhos do seu saber e da sua experiencia; os homens de letras com a propaganda salutar dos seus escriptos; o clero pondo em pratica o espirito e o methodo de um S. Vicente de Paula; os hygienistas, os legisladores, os moralistas, os banqueiros; os artistas, os industriaes, todos na sua profissão, e dentro das suas posses, devem auxiliar esta obra generosa, esta obra de reconstituição da raça, esta obra de salvação.
Não basta subscrever com uma determinada quantia e pagal-a pontualmente. Cumpre tomar por modelo a augusta fundadora da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, para quem a caridade não é uma simples questão de sentimento, uma elegancia moral; é antes de tudo, e acima de tudo, um dever e uma tarefa. Sim; dar dinheiro é já alguma cousa; mas ainda não é tudo. É necessario dar tambem a intelligencia e o espirito; é necessario pensar na Assistencia, falar d’ella aos conhecidos e amigos, pôr de manifesto as suas vantagens, lançar mão de todos os recursos porfundos e sagrados que encerra o coração humano, para oppôr ao contagio da tubeculose o contagio da caridade.
E para conseguir esse fim, nada mais é preciso do que accentuar que só uma instituição, que disponha de capitaes avultados, dirigida com intelligencia, com energia e senso pratico, poderá suavisar as dôres da legião de tuberculosos declarados existentes no paiz, salvar da doença os lymphaticos, os anemicos, os exgotados que ella espreita, dando lhes ar puro, e proporcionando lhes a alegria de contemplar a natureza. Basta accentuar que, só em Lisboa, contam-se por milhares os infelizes, que habitam sordidas espeluncas sem ar e sem luz, e desconhecem completamente o campo tão embriagante na primavera de frescura e de vida, onde as ginjeiras, os pecegueiros, as roseiras, os lilazes, as madresilvas, avançam como florídos [sic] promontorios nos extensos prados verdes, docemente aveludados de boninas. D’esse campo admiravel, d’essa bella natureza triumphante, nada conhecem aquelles miseros, nem a tranquilla serenidade, nem a força que dilataria e curaria os seus pulmões doentes.
Um dos fins da Assistencia Nacional aos Tuberculosos é fundar sanatoriums, e hospitaes, onde os miserandos enfermos tenham descanço [sic] e alimentação reparadora, e onde lhes seja dado refrescar a vista e fortificar a alma aos esplendores, de que jámais gozaram, e que Deus creou comtudo [sic] para todos!
Mas para pôr em execução esse elevado intuito, a sua magnanima fundadora e os seus dedicados e zelosos auxiliares precisam indispensavelmente da cooperação dos ricos e dos bons. Eis o motivo por que me dirijo á riqueza e sobretudo á bondade, recommendando de todo o meu coração a Assistencia Nacional aos Tuberculosos, como uma obra, util, generosa, e benefica.
JOSÉ ANTONIO DE FREITAS.
José António de Freitas - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / À riqueza e á bondade"
in Diário de Notícias
de 11 de Maio de 1900, nº. 12365, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1527.