Sociedade de Geographia
A sessão de hontem – (...) – Uma communicação do sr. Francisco João Rosa
Sob a presidencia do sr. Consiglieri Pedroso, secretariado pelos srs. conselheiro Ernesto de Vasconcellos e dr. Silva Telles, reuniu-se hontem a assembléa geral ordinaria da Sociedade de Geographia.
(…)
Aberta a inscripção foi dada a palavra ao sr. Francisco João Rosa que, depois de felicitar o sr. Consiglieri Pedroso pela sua eleição á presidência, fez a seguinte communicação:
Havendo-me pedido, no verão passado, um amigo, que analysasse e determinasse a origem de uma farinha, que recebera da nossa ilha de S. Thomé com a simples indicação de provir de um fructo ali designado por «Vanqui», gosando todavia dos melhores creditos como producto alimenticio pareceu-me de real importancia divulgar o conhecimento d’este modesto trabalho, não sómente do ponto de vista economico e cultural das nossas regiões quentes, como tambem para demonstrar a conveniencia de utilisar os recursos da chimica na valorisação de productos, ainda mal conhecidos.
Trata-se de uma farinha branca, grosseiramente preparada, mas macia ao tacto, sem aroma nem sabor apreciaveis ou apenas os do fructo de que provem.
Feita a sua analyse encontrei-lhe a seguinte composição:
Amido (por dif.) ...................... 77,45 %
Oleo fixo fluido ....................... 12,53 «
Cinza (substancia mineral) ....... 2.17 «
Humidade .............................. 7,55 «
Detritos cellulloricos ................ 0,30 «
O amido é em grãos pequenissimos e de caractéres morphologicos muito semelhantes ao de lentilhas.
O oleo fixo é bastante fluido, neutro, amarello palido como o azeite mais fino, saboroso e de aroma privativo muito agradavel.
A cinza que a farinha deixa pela calcinação é bastante rica em acido phosphorico.
Por indagações subsequentes, bastante demoradas e dificeis vim a saber que a palavra «Vanqui» sob a qual esta farinha me foi apresentada é a que no sitio da Praia da Nazareth da ilha de S. Thomé serve para designar o fructo e creio que a arvore que em outros pontos da ilha e da nossa Africa denominam «Ira quente, Diranha» no Galungo Alto, «Ocus» na Senegambia.
Com estas indicações fui encontrar uma breve descripção da arvore productora de taes sementes em paginas 272 do livro que nos legou o nosso illustre e fallecido consocio sr. conde de Ficalho, intitulado «Plantas uteis da Africa portugueza».
É a «Treculia africana» (Decaisne), arvore que attinge de 20 a 35 pés de altura, pertencendo á familia das Artocarpeas, de grandes folhas corlaceas, produzindo adherentes ao tronco agglomerados de grandes fructos, dentro dos quaes existem numerosas sementes comestiveis, de sabor muito agradavel, servindo na alimentação dos negros nas regiões onde habitam.
Refere o dito livro que em S. Thomé e Galungo Alto as sementes se encontram regularmente nos mercados e que o oleo é susceptivel de varias applicações.
Conhecida como fica, embora summariamente, a composição de tal farinha, julgo poder avançar um pouco mais, dizendo que taes sementes (das quaes o nosso Museu tem uma amostra) e a farinha d’ellas resultante (da qual agora offereço para o Museu a que cresceu da minha analyse) constituem um recurso de enorme valor alimenticio que a sua riqueza e pureza de hydratos de carbono, o amido e a gordura, naturalmente associados e bem equilibrados para entrarem directamente na alimentação e serem facilmente assimilados pela economia animal.
Tem menor proporção de gordura que as sementes do cacau, mas a sua proporção de amido é muito maior, por isso o seu valor economico e cultural deve ser dos que mais se approximam do cacoeiro, podendo presumir-se só pela composição das sementes que a «Treculia» tem menores exigencias de humidade e de calor.
Ignoro qual seja ao certo a area de distribuição geographica da «Ira quente», mas sabida a sua existencia na Senegambia e Golungo Alto, alguns graus áquem e alem do Equador e pelo que sabe [sic] relativamente a outras e importantes artocarpeas como por exemplo a «incisa» e a «integrifolia», as afamadas «arvores do pão» e «jaqueiras» que, com os seus fructos colossaes e feculentos constituem um recurso de enorme valor na alimentação de alguns povos das regiões quentes, é de crêr que a «Treculia» tambem vegete e produza bem nas zonas sub-tropicaes que temos em Africa e que a sua cultura possa entender-se [sic] a todo o archipelago de Cabo Verde não só para lhe suavisar o clima e normalisar o regimen das chuvas como principalmente para servir de recurso contra a fome, que de tempos a tempos atormenta algumas das suas ilhas.
E talvez que por ensaios de aclimação bem dirigidos, tal cultura possa estender-se até á ilha da Madeira, onde, como é sabido se criam bem todos ou a mór parte dos productos das regiões quentes».
O orador faz varias considerações sobre a necessidade de a Sociedade crear um laboratorio chimico para analyse dos productos do seu museu, a fim de serem classificados mais scientificamente.
(…)
[n.d.] - "Sociedade de Geographia / A sessão de hontem – (...) – Uma communicação do sr. Francisco João Rosa"
in Diário de Notícias
de 11 de Janeiro de 1910, nº. 15862, p. 1 (c. 7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1532.