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Texto da entrada (ID.1533)

Sociedade de Geographia

A sessão de hontem – Conferencia do sr. dr. Silva Telles – (...)

Sob a presidencia do sr. Consiglieri Pedroso, secretariado pelos srs. conselheiro Ernesto de Vasconcellos e dr. Silva Telles, reuniu-se hontem a assembléa geral ordinaria da Sociedade de Geographia. 

(…)

A conferencia do sr. dr. Silva Telles

Entra-se depois na ordem da noite, sendo dada a palavra ao sr. dr. Silva Telles, para realisar a sua conferencia que é, como segue:

«As festas da celebração scientifica de Darwin foram a consagração official do darwinismo na Gran-Bretanha. Ha hoje, n’este paiz, a idolatria do darwinismo. A sua hypothese transformou-se, para muitos, em dogma. No emtanto [sic], a reacção contra este darwinismo-dogma é actualmente manifesta. Sem abalar a grande obra do naturalista, sem ferir a doutrina das transformações, a corrente scientifica actual não acceita a sua explicação como a unica possivel. Os trabalhos de Vries, de Mondel, de Batheson, a hypothese de Metchnikoff, traduzem a possibilidade das mutações, das transformações rapidas. As transformações da natureza far-se-hiam de modos differentes, com aspectos diversos: formas bruscas, formas lentas, regressões, recorrencias, evolução, suspensão de transformações, fixidez temporaria, etc.

O conferente descreve em seguida as festas da celebração. Era de 188 o numero dos delegados, 187 representantes das sociedades scientificas não delegados, muitos centenares de convidados. Estavam representadas 244 intituições scientificas de todas as partes do mundo: escolas superiores, universidades, academias, institutos, etc.

No dia 22 de junho, teve logar a recepção no Fitswilliam [sic] Museum, pelo lord Chanceller da Universidade de Cambridge. No dia seguinte, no Sanate [sic] House, todos os delegados desfilaram na frente de lord Chanceller a quem entregaram as suas credencias. Falaram o professor Montchnikoff [sic], de Paris; o professor Hertwig, de Berlim; o professor Osborne, de Nova-York e sir Ray Lankester da Royal Society de Londres.

Depois da sessão no Senate House realisou-se a visita aos collegios, aos museus e laboratorios e ás diversas livrarias da universidade.

O conferente passa rapidamente em revista todas estas instituições de ensino existentes em Cambridge, mostrando qual o seu alto valor scientifico.

Um dos numeros do programma mais attrahente foi a exposição dos aposentos de Darwin, no Chrit’s [sic] College, quando estudante, e a exposição da sua obra, dos seus documentos, sua correspondencia, todo o seu labor de meio seculo.

A essa festa não faltaram os homens mais eminentes do mundo. Lá estavam quasi todos os contemporaneos e amigos de Darwin: sir Joseph Hooker, com os seus 96 annos, o illustre ex-presidente da Sociedade de Geographia de Londres, sir Clements Markham, T. Geikue e muitos outros. E nem sequer faltava, n’uma cadeira de rodas, a viuva do celebre naturalista Huxley. No mesmo dia os delegados assistiram ao banquete dado em sua honra pelo Lord Chanceller no New Examination Hall, onde falaram o ex-primeiro ministro da Gran-Bretanha Balfour, o notavel sabio Arrehenin, o professsor Poulton, o professor William Darwin e o vice-chanceller de Cambridge.

Depois do banquete foi a recepção no Pembroke College, que o conferente descreve com enthusiasmo.

No dia 24, de manhã, no Senate House, foram conferidos graus universitarios a diversos homens de sciencia dos mais notaveis pelos seus trabalhos em sciencias naturaes, acabando esta festa por uma conferencia lida sobre a influencia do darwinismo em geologia, pelo velho e notavel geologo britannico dr. T. Geike.

De tarde foi offerecido pela familia Darwin um «garden-party» no Trinitey [sic] College e n’essa mesma noite, por convite do presidente da Royal Society, assistiu a uma festa scientifica, em Londres, nas salas d’esta primeira sociedade scientifica ingleza, festa que descreve como talvez a mais interessante de todas.

Estava em exposição tudo quanto de mais moderno se tem feito em astronomia, physica, microscopia, paleontologia, etc.

Entra depois o conferente na apreciação e no exame dos colleges e da Universidade de Cambridge. Em poucas palavras diz quaes foram as phases porque passou esta cidade, centro de lutas religiosas e universitarias. Os colleges são autonomos e não dependem da Universidade, mas elles e esta acham-se ligados por uma federação para o ensino. Todos os membros dos colleges são-n’o tambem da Universidade; parte da receita d’aquelles é entregue á Universidade. São 21 colleges, dos quaes 2 para senhoras, o Girton College e o Newnham College. Alguns são celebres pelos homens que por elles passaram: o Sydney College tem Cronwel [sic]; o Cains College, Harvey; o Pembroke College, Pitt; o Christ’s College, Milton e Darwin; o Trinity College, Newton, Thackerey, Macaulay, Tennison e lord Byron.

A organisação dos colleges tem a tradição ao lado de todas as tendencias modernas. É grande o numero dos «Lecturers, Assistants, Readers», directores de estudos, etc.

Os estudantes estão sob a vigilancia e direcção constantes dos seus mestres. Mas esta vigilancia não impede que se desenvolvam todas as suas iniciativas. O ensino nos colleges é auxiliar do ensino universitario.

Os colleges combinam entre si e com a Universidade cursos muito variados e numerosos, mas a sua especialidade é principalmente nos estudos classicos e em mathematicas. As sciencias naturaes, as sciencias economicas, moraes, politicas, as sciencias geographicas e todos os outros ramos das sciencias pertencem á Universidade. Mas os «professors, lecturers, readers», demonstradores, etc., são «fellows» dos colleges e mestres n’estes.

Ha diversas especies de estudantes. Ha cursos para quem queira unicamente obter uma educação geral; são os «poll men». Os que desejam dedicar-se ás profissões liberaes teem estudos de maior responsabilidade: são os «Honour Men». Alem d’estes ha os «advanced» e «research students» que se dedicam a trabalhos originaes nos laboratorios e museus da Universidade. É grande a selecção dos estudantes. Ha pensões, premios e outros meios para os animar. Tal é o progresso sempre fortemente crescente d’esse centro universitario que quasi todos os alumnos distinctos ficam pertencendo ao grande corpo docente dos colleges e da Universidade e das instituições por aquelles e esta promovidos. Além da instrucção os colleges tratam da educação dos estudantes e sob todos os pontos de vista. Cada college tem a sua revista, a sua bibliotheca, o seu museu, os seus clubs [sic] artisticos e litterarios, clubs athleticos e de educação physica, salas para discussões scientificas. Emfim [sic], os estudantes além de se dedicarem em média 6 a 8 horas aos estudos universitarios, empregam o resto do seu tempo, conforme as suas tendencias, em todas as diversões que concorrem para a sua instrucção e educação. É na ultima semana do anno escolar, durante a «Gaw Week» que todos os estudantes se juntam e a mocidade se expande em todos os divertimentos e festas da despedida.

A vida collegial em Cambridge que o conferente reconhece não poder descrever em uma unica conferencia, cria um forte espirito associativo pelos seus clubs, sociedades, jogos physicos, associações litterarias e scientificas, a vida em commun durante 2 a 4 annos, a camaradagem com os mestres. Encontrando-se no mesmo college estudantes que se dedicam a profissões as mais diversas, entre todos estabelece-se uma cultura notavel, ficam sem saber ao par de tudo quanto de mais moderno existe em sciencias. A especialisação ao lado de uma cultura geral, o desenvolvimento das aptidões, a selecção dos que mais valem, um autonomia individual e a confiança nas sus [sic] proprias forças são resultados a que conduz com certeza o modo como o ensino e a educação são dirigidos nos colleges.

Alem d’estes e juntando-os para o mesmo fim está a Universidade. Esta não tem «um» edificio. Está espalhada por toda a Cambridge, peus [sic] seus museus, seus laboratorios, bibliothecas, «departments», etc. Poder-se-hia synthethisar a instrucção universitaria no seguinte: liberdade maxima de escolha de professores ou mestres, ensino especial profundo, ensino geral apparentemente desconnexo, preparação para todas as carreiras, selecção dos mais aptos feita por processos e meios os mais diversos, facilidades maximas para investigações scientificas, educação physica e social. Em toda essa grande obra de educação e de ensino ha a collaboração dos discipulos e dos mestres, das instituições universitarias e collegiaes.

A Universidade tem perto de 400 pensões annuaes de 200 a 250 libras para os alumnos mais disctintos. É avultado o numero de premios para os trabalhos originaes e de importancia. A imprensa da Universidade auxilia poderosamente a obra scientifica dos professores e discipulos. Além das 21 bibliothecas dos collegios, a da Universidade (que é a 3.ª do Reino Unido) tem 700:000 volumes, 80:000 mappas e 8.000 manuscriptos. Afóra estas ha dispersas em Cambridge, dentro e fóra dos colleges e sem edificios proprios, 17 bibliothecas especiaes onde se encontram todas as obras sobre todos os ramos dos conhecimentos, n’uma catalogação modelar. A Universidade tem museus de archeologia, pintura, mineralogia, optica, zoologia, astronomia, etc. Além dos museus, são riquissimos alguns dos seus laboratorios: botanica, zoologia, physica, geologia, etc. Em todos os laboratorios é grande o numero dos demonstradores, todos diplomados, «graduetes» [sic] da Universidade.

Cada «Department» do ensino é autonomo dentro da Universidade, tanto no ponto de vista administrativo como no que diz respeito ao ensino. Tem cada um os seus «professors»[,] «lecturers», «readers», etc. Para se fazer uma idéa da intensidade do ensino e da sua variedade, basta que se saiba que houve em 1908 a 1909 52 cursos de «Classico» (historia classica, archeologia, philologia comparada, latim e grego), 11 de «Anthropologia», 11 de «Sciencias economicas e politicas», 37 de Historia, 17 de Jurisprudencia, 33 de mathematica e astronomia, 14 de linguas e litteraturas modernas, 9 de philosophia, 5 de musica, 7 de botanica, 9 de chimica, 10 de engenharia, 7 de geologia, 4 de anatomia, 3 de mineralogia, 8 de physica, 7 de physiologia, 13 de zoologia, 15 de linguas orientaes, 35 de theologia e sciencias das religiões, muitos de medicina. E tudo isto além dos trabalhos praticos em todos os museus e laboratorios, acompanhando e desenvolvendo os cursos theoricos.

Mas a Universidade faz ainda mais. Ha em Cambridge muitas sociedades scientificas dos professores: Sociedade Philosophica, Sociedade dos Antiquarios, S. Classica, S. Philologica, S. Theologica, S. Botanica, etc. E como centro onde se encontram professores e alumnos o «Union Society», escola de oradores, onde estes se disciplinam e d’onde teem saido os politicos mais notaveis da Grã-Bretanha e os homens de sciencia mais illustres d’este paiz.

Antes de concluir, o conferente passa em revista o que se chama a «Extensão Universitaria» de Cambridge, obra notavel, obra logica que devia fatalmente resultar d’este grande centro de instrucção e de estudo. A Extensão Universitaria de Cambridge só pode realisar-se lá, com a organisação especial d’essa Universidade.

Terminada a conferencia foi o sr. dr. Silva Telles saudado com uma prolongada salva de palmas, ao mesmo tempo que o sr. Consiglieri Pedroso lhe agradecia, em nome da Sociedade, o seu interessante estudo.

Por ultimo, o sr. dr. Silva Telles apresentou uma valiosa colecção de projecções de Cambridge, que a assistencia apreciou devidamente.

A sessão terminou ás 11 horas e meia.

[NOTA - O evento foi noticiado na edição n.º 15861 do Diário de Notícias, de 10 de Janeiro (p. 3, c. 8)]


Referência bibliográfica

[n.d.] - "Sociedade de Geographia / A sessão de hontem – Conferencia do sr. dr. Silva Telles – (...)" in Diário de Notícias de 11 de Janeiro de 1910, nº. 15862 , p. 1-2 (c. 8-c.1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1533.



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