COMETAS
O que diz Camillo Flammarion ácêrca do cometa de Halley
A «Illustration» publica, acompanhando um desenho de Rudaux, que reproduzimos, sobre o encontro do cometa Halley com a Terra, o seguinte artigo de Camillo Flammarion:
«Logo que chegue o momento opportuno, a «Illustration» consagrará um artigo especial ao encontro do cometa Halley com a Terra, que poderá produzir-se durante a noite de 18 ou 19 de maio, se a cauda do cometa attingir mais de 23 milhões de kilometros, porque é essa a distancia a que o nosso planeta deve passar do nucleo, quer dizer, do ponto mais luminoso do cometa.
Os calculos não estão ainda terminados, a analyse espectral do astro vagabundo encontra-se apenas começada e não se póde por emquanto [sic], saber se o cyanogeneo que acaba de descobrir-se no ponto mais luminoso do cometa se espalhará por todo elle.
«Tudo o que se tem publicado ácêrca do encontro do cometa com a Terra é prematuro, principalmente no que diz respeito ao envenenamento da humanidade e ao fim do mundo. No emtanto [sic], para satisfazer a natural curiosidade, apresentamos n’um desenho appropriado, a orbita do cometa nas suas relações com a orbita terrestre».
Vê-se que, a 18 de maio, a cauda do cometa Halley, que se encontra em posição opposta ao sol, se dirige precisamente para a Terra. Se alcançar esta, não resta duvida de que seremos envolvidos por esse appendice gazozo que atravessaremos como uma bala atravessaria um nevoeiro, isto é, com uma velocidade de 106:000 kilometros á hora, sendo de 170:000 a do cometa.
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Ermezinde, 23. – Esteve hontem á vista durante cerca de 30 minutos um bello cometa.
Todas as descripções, todos os desenhos desde a geographia do antigo segundo anno dos lyceus até á leitura de Figuier e de Flammarion, todas as conjecturas, todas as hipotheses, todas as suposições, se lhe tinham fixado no meu espirito uma determinada fórma material, não o tinham preparado sufficientemente para assistir inesperadamente á apparição gradual e lenta do extraordinario phenomeno, que hontem pelas 6 horas da tarde surgiu da sombra crepuscular como phantastica apparição de camara escura ou mysteriosa transformação de metempsicose.
De facto, á medida que a zona crepuscular se ia limitando, o prodigioso astro resaltava [sic] mais nitidamente, mais surprehendentemente bello, até desenhar no espaço escurecido, a cabeça brilhante e a cauda colossal como o jacto gigantesco d’um impossivel facho de Beugala [sic].
A impressão estranha que me provocou esse astro singular, ostentando-se em toda a força do seu brilho esquisito, avermelhado, não sei eu explica-la, mas por ella pude a mim proprio justificar o pavor que se apossava dos povos supersticiosos nas épocas incultas da antiguidade e da Edade Media, ao verem surgir inopidadamente [sic] no ceu, – tenebrosa folha do livro do destino em que Deus escrevia a fogo os decretos da sua vontade, quasi sempre de ameaça e de vingança – a phantastica e aterradora estrella.
Aqui, nem todos tiveram occasião de ver o estranho meteoro, mas nos que o observaram foi evidente o espanto, o supresticioso [sic] silencio em que olharam, durante a meia hora em que se conservou acima do horisonte, «a estrella de rabo de fogo que talvez fosse algum signal mandado de Deus...»
Pobre gente!
Condemnavel ignorancia em que vos deixam vegetar constantemente, presa d’estes terrores supersticiosos que vos levam a fazer de Deus não o ente supremamente bom e supremamente justo, mas um verdugo sempre prompto a descarregar o golpe da sua ira permanente!
O cometa começou a observar-se na zona crepuscular pelas 6 horas e 5 minutos na direcção NE. SO. com a cabeça sobre o mar e a formosa e alongadissima cauda, estendida pelo ceu com uma leve inclinação para o sul.
Nivelei rapidamente na minha varanda uma tabua de engommar, e com um compasso de um estojo de desenho, marquei a abertura de angulo que a cabeça da estrella fazia com a horisontal: Encontrei no imperfeito e rudimentar apparelho aproximadamente 15º.
A estrella descia com uma velocidade vertiginosa; ás 6 e 20 minutos a cabeça mergulhava no horisonte e ás 6 35 os últimos fragmentos da cauda confundiam-se com uns restos já tenues de luz cropuscular [sic] e perdiam-se completamente de vista.
Se o angulo marcado pelo improvisado «thedolito» fosse exacto e pudessemos conhecer a distancia a que o cometa marchava de nós, facil nos seria saber a abertura do ângulo, pelo prolongamento dos seus lados, no ponto da marcha e portanto o espaço percorrido pelo astro nos 30 minutos que esteve á vista.
Remetto dois desenhos da minha observação que julgo uteis para o esclarecimento do exposto.
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Condeixa, 23. – Tambem aqui foi visto o falado cometa, ante-hontem e hontem, das 5 e meia ás 6 da tarde.
Hoje, grande numero de pessoas estão com curiosidade para ver o luminoso astro.
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Alcochete, 23. – Ha dois dias avista-se aqui em cometa que deve ser o que este jornal circumstanciadamente [sic] descreve. Segue a direcção do poente, tem a cauda com extraordinario brilho e avistou-se ás 6 horas da tarde e por muito tempo.
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Figueira da Foz, 23. – Hontem, ao declinar do sol, foi novamente visto, um pouco acima do horisonte, o cometa já observado na vespera, como por telegramma noticiámos.
Na esplanada da praia e largos da cidade juntou-se muita gente para o ver.
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Elvas, 23. – Ha dois dias que, a seguir ao pôr do sol, se distingue bem um cometa na direcção do sudoeste, sendo o nucleo bastante luminoso e a cauda a uns 3m de extensão.
Muita gente busca áquella hora os pontos elevados para admirar o phenomeno, sendo lidos com interesse os dados scientificos publicados na imprensa sobre tal.
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Moncorvo, 23. – Hontem, á noite, viu-se um cometa com grande cauda.
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Vianna do Alemtejo, 23. – Tambem aqui tem sido visto um cometa, causando admiração e impressionando muita gente.
O phenomeno apparece ao poente das 5 ½ ás 6 horas da tarde e tem a cauda perpendicular á linha do horisonte.
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Nazareth, 24. – É hoje o quarto dia que se avista o cometa de Drake, ás 5 horas e quarenta e cinco minutos da tarde.
Na quinta-feira, á mesma hora, deve estar na linha horisontal da estrella Venus.
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Evora, 23. – Na passada sexta feira, ás 6 horas da tarde, foi visto n’esta cidade, quasi na linha do horisonte, ao poente, dando-nos a impressão de estar em posiço [sic] perpendicular, uma bonita estrella, tendo uma brilhante cauda, semelhante a um facho de fogo.
Dado o alarme, muito povo se juntou nos pontos mais altos, nem todos podendo ver o bonito phenomeno, por que alguns minutos depois havia desapparecido ás nossas vistas.
Hontem, algumas pessoas affirmavam terem visto novamente o tal cometa, no que acreditamos, apesar dos astros estarem mais ou menos velados pelas nuvens.
Contaram-nos que umas mulhersinhas, ahi para as bandas de Santo Antonio, ao darem noticia do phenomeno estiveram prestes a morrer de susto, devido ao [sic] acreditarem nas grandes patranhas que certos «sabios» lhes teem mettido na cabeça.
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Famalicão, 23. – Hontem, pelas 6 horas da tarde, appareceu ao poente um cometa, que se conservou visivel uns tres quartos de hora.
Tal phenomeno foi presenciado por centenares de pessoas, e muitas d’ellas authorisadas, pois julgam-no um «guarda avançada» [sic] do que se annuncia para 18 de maio proximo, que acabará com o mundo!...
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Estoy, 23. – N’estas ultimas noites tem-se visto a oeste um cometa com uma cauda muito grande e muito luminosa. / O povo chama-lhe «estrella de rabo», e não falta já quem prognostique um pessimo anno agricola e graves acontecimentos, por causa d’essa apparição.
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Altarellos, 23. – Nas noites em que não se apresentam muitas nuvens, tem-se aqui observado muito bem o cometa.
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Beja, 24. – Nas ultimas noites, tambem aqui foi visto o cometa de Drake, tendo-se juntado muitas pessoas nos pontos onde melhor se descobre o poente, para o observar.
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Lagos, 24. – Ás 5.45 da tarde, foi observado á vista desarmada, um cometa, apresentando cauda luminosa, que desappareceu ás 6,20, ao poente.
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Covilhã, 24. – O cometa ha 3 dias observado, foi hoje visto pelo telescopio do sr. Antonio Franco, das 4 em deante, e tem a forma de meia lua.
[n.d.] - "COMETAS / O que diz Camillo Flammarion ácêrca do cometa de Halley"
in Diário de Notícias
de 25 de Janeiro de 1910, nº. 15876 , p. 3 (c. 6-7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1546.