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Assumptos do Dia

Assistencia Nacional aos Tuberculosos

Rarissimas são as regiões abençoadas do globo que não soffrem o dominio nefasto d’esse flagello terrivel, chamado tuberculose, sem duvida a mais mortifera, a mais implacavel, a mais traiçoeira de todas as doenças conhecidas, e que, desaggregando lentamente as forças das suas victimas, parece vangloriar-se de deixar-lhes subsistir a risonha esperança de se libertarem do algoz, para viverem ainda largos annos sadias e robustas. Quasi sempre, ao approximar-se a morte, o tuberculoso reanima-se, como se fora o ultimo lampejo de uma luz que vae apagar-se. A tuberculose é n’esse lugubre momento comparavel ao tigre que, largando das garras a misera presa, a deixasse fugir, para logo formar o salto e cair-lhe de novo em cima, avido de rasgar-llhe as entranhas, feroz, sedento de sangue.

A deshumana doença a ninguem poupa. Creanças, adultos e velhos, de ambos os sexos; de temperamento sanguineo ou lymphatico, bilioso ou nervoso; habitantes das cidades ou dos campos; todos lhe pagam o seu tributo. Adquirida por contagio sempre, embora uns estejam mais dispostos do que outros para a infecção, é tremenda egualmente.

Mas até ha pouco ainda, considerada incuravel, deixou de o ser, graças aos esforços que lhe teem congrado [sic] a medicina moderna e a hygiene.

Este facto brilhante, esta notabilissima conquista, é quanto basta para se enaltecer sem lisonja o progresso das sciencias medicas e bem dizer a honrada missão d’aquelles que as professam, e depositar inteira confiança, tanto nos cuidados com que velam á cabeceira dos doentes, como nos preceitos, cuja observancia lhes recommendam.

A lucta contra a tuberculose tem tomado o maior incremento em todos os paizes, e em Portugal começa agora mais activamente.

Ha uns trinta annos Brehmer e mais tarde Dettweyler, illustres medicos allemães, prováram á evidencia que um tuberculoso sujeito a a [sic] uma hygiene particular, cuja base devia ser o ar puro, uma boa alimentação e o repouso durante cinco ou seis mezes, curava-se, ou, se não se curava, a sua tuberculose estacionava, e o doente podia viver largos annos.

Este tratamento, na realidade tão simples, estava ao alcance quasi exclusivo das pessoas ricas; como porém o seu exito era incontestavel, tratou-se de procurar os meios de applical-o ás classes menos favorecidas da fortuna. Então o professor von Leyden, de Berlim, tomou a iniciativa d’este movimento, e com os seus collaboradores logrou interessar na sua cruzada tão humana grande numero de capitalistas, que forneceram os necessarios fundos para a construcção dos primeiros sanatorios populares, onde podesse realisar-se o tratamento dos tuberculosos experimentado por Brehmer e Dettweyler. Annos depois, tendo os resultados obtidos confirmado a excellencia do tratamento, outros sanatorios foram creados pelo Estado, de modo que existem actualmente na Allemanha vinte sanatorios populares e numero egual em construcção, realisando todos o conjuncto das condicções necessarias para a cura da tuberculose.

Não tratarei da organisação d’estes estabelecimentos, em que a hygiene impera mais do que a medicina; notarei apenas, que, desde o começo do seu funccionamento, ha quatro annos, tem produzido, conforme as estatisticas officiaes, 20% de curas e 60% de melhoras taes, que os doentes poderam voltar ás suas occupações.

Estes numeros representam evidentemente existencias humanas, salvas pelos sanatorios. São de uma eloquencia tão persuasiva, que, por maior que seja o esforço necessario para conseguir simillhante [sic] resultado, é inferior sempre ao muito que lucra a sociedade com elle. Não só pelo lado humanitario, mas pelo lado economico e pelo futuro do paiz, cuja população decrescerá necessariamente, se continuar a ser victimado pela tuberculose, a questão é da mais alta importancia para Portugal.

A Suissa possue actualmente nove sanatorios populares; a Belgica tem já quatro; e a França, posto que não conte ainda estabelecimentos identicos, é certo que muito deve á iniciativa particular, empenhada na humanitaria lucta. Tal é [a] dos drs. Spilmann em Nancy, Pilate em Orleans, Nicolle em Ruão, Dupeu em Bordeos. E para tuberculosos adultos existe a casa de Ruel, a colonia agricola de Vandremer nos arredores de Cannes, o sanatorio israelita de Cimiez e o sanatorio lionez de Hauteville.

Mas não se trata de fundar sanatorios, em que falleçam confortavelmente os tuberculosos chegados ao termo da sua vida. Não. É necessario que o tuberculoso encontre ahi a cura do mal, e por isso tem de entrar a tempo, desde que se manifesta a doença, e de permanecer lá emquanto não estiver curado.

Como o doente precisa de repouso physico e moral, não entrará no sanatorio em condições de se curar, sem que saiba ter ficado sua familia ao abrigo da miseria, ou ao menos na posse de um bocado de pão para sustentar-se. Entre as numerosas soluções possiveis d’este problema, parece-me realisavel a preconisada pelo professor francez Laudouzy.

Consiste em crear bolsas de saude destinadas ao auxilio da familia do pobre hospitalisado, e á conta dos municipios.

Outros problemas surgem, quando o tuberculoso sae curado do sanatorio.

Sob pena de recair doente um operario, por exemplo, não pode exercer logo a sua profissão, mormente quando empregado em uma industria insalubre. Aos sanatorios allemães estão annexas officinas, em que os doentes aprendem um officio facil e relativamente hygienico. As colonias agricolas para tuberculosos convalescentes são outra solução do problema. Na mesma ordem de ideias facilmente se reconhece a necessidade de haver para os tuberculosos curados ou melhorados habitações salubres, de promover egualmente a hygiene das officinas e de fazer uma energica propaganda contra o vicio, que é a mais funesta de todas as miserias. O operario, que sae da officina para entrar na taberna e na casa de jogo, em vez de ir repousar das fadigas do dia no seio da sua familia, é um doente, physica e moralmente considerado.

Nas salas dos sanatorios allemães lêem se, entre muitas maximas e preceitos salutares, que cobrem as paredes, os dois seguintes: «o alcool abre nos homens uma cova prematura.» «O ar puro é um medicamento: tomal-o nada custa.»

E será puro o ar que se respira nos antros do vicio? Que é impurissimo, todos o sabem.

E porque se não repara n’esse enxame de creanças que, sem responsabilidade do que praticam, vagueiam cobertas de andrajos a horas mortas da noite por essas ruas, estendendo a mão á caridade? Essas creanças, que serão os homens e as mulheres de amanhã, não irão augmentar depois a população dos sanatorios? Não serão emfim [sic] outros tantos germens de doença? E muitas d’ellas, senão todas, são já talvez pobres victimas do vicio de seus paes que, tendo deixado o seu salario no jogo e na taberna, as obrigam a mendigar, a ser o ganha pão da familia, porque a feria recebida pelo seu chefe foi consumida na devassidão.

Combata-se tenazmente o vicio, que sem moralidade em todas as classes não póde haver população sadia e valida.

O quadro de miseria, que ahi deixo mal esboçado, é um argumento mais a favor do estabelecimento dos sanatorios populares já para a cura dos infecciosos, já para a precaução contra o contagio. Implantal-os, não é só uma necessidade, senão tambem um dever civico.

E os institutos, cuja fundação é promovida pela Assistencia?

Em que elles consistem, já n’este logar o disse um illustre clinico, bem conhecido e justamente considerado, o sr. D. Antonio de Lencastre.

Serão, emquanto a mim, o grande fóco, d’onde irradiará a luz que a todos illumine, aos médicos, e aos doentes e suas familias, para se não desviarem do caminho seguro, que devem seguir no tratamento da tuberculose.

São como uma fortaleza bem construida e bem artilhada capaz de defender uma grande cidade contra todos os ataques do inimigo.

Impõe-se a sua fundação pelos incalculaveis beneficios, que devem prestar ao paiz.

Não pareça que estou mettendo foice em seára [sic] alheia. Escrevo sobre o assumpto, não só porque tive a honra de ser para isso convidado, mas porque me merece a maior sympathia a lucta, que contra a tuberculose vae ser travada pela Assistencia.

Iniciou este patriotico e humanitario movimento quem?

A nossa gentilissima Rainha, sempre prompta a espalhar em volta d’Ella os thesouros de ternura que encerra o seu coração magnanimo; sempre pressurosa em dar allivio aos desgraçados, em amparal-os na batalha tão desigual da vida.

Abençoada senhora!

Exclamo-o com o coração cheio de reconhecimento, com a alma de portuguez, que me préso de ser. E, se os portuguezes, naturalmente generosos e bons, são dignos da sua Rainha, Sua Magestade é incontestavelmente digna d’elles. Coadjuval-a no seu santo emprehendimento a generosidade de todos quantos pódem, é zelar os proprios interesses e os interesses vitaes da nação.

Eu tenho fé, muita fé, em que a Assistencia ha de enxugar muitas lagrimas, matar muita fome, poupar muitas vidas, contribuir emfim poderosamente para que se fortaleça a nossa raça.

ZEPHYRINO BRANDÃO.


Referência bibliográfica

Zeferino Brandão - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos" in Diário de Notícias de 27 de Abril de 1900, nº. 12351, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1566.



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