Assistencia Nacional aos Tuberculosos
Contagio
(Tosse e expectoração)
Não raro succede que um doente das vias respiratorias, por habito, machinalmente ou mesmo com o fim de armar á compaixão, traduz em estrondosa e desnecessaria tosse qualquer pequena impressão que sente na garganta. E quem o cerca, aquilatando pelos esforços manifestados a gravidade do mal, vae deixando desenvolver aquela censuravel pratica, para todos perigosa.
Quando ha annos começaram a ser fundados os sanatorios para o tratamento dos tuberculosos, o dr. Leon-Petit, visitando-os para escrever um curioso livro sobre o assumpto, teve occasião de jantar, em certo dia, n’um desses estabelecimentos. Estavam á mesa 110 tisicos, e, apesar da refeição durar mais de uma hora, nenhum delles tossiu, nem uma unica vez. Declarando ao collega, que dirigia o sanatorio, a surpreza [sic] que tal facto lhe produzira, teve como resposta: – É sempre assim. Aqui os doentes nunca tossem durante as refeições.
Hoje succede o mesmo em todos os sanatorios bem dirigidos, porque, como diz Dettweiller, – um dos melhores especialistas da tuberculose, – o tisico educado tosse pouco e raras vezes.
De facto, é bem facil reprimir e disciplinar a tosse, porque esta só uma ou outra vez é justificavel pela necessidade de despejar os bronchios da expectoração que os atafulha.
Todo o tuberculoso, que não quer tornar-se prejudicial, para si e para as pessoas que o acompanham, reserva a sua tosse para estas occasiões, e reprimindo-a com boa vontade, consegue tossir só de longe em longe.
Beneficia-se d’esta forma, a si proprio porque não dispende de forças inutilmente e porque não sacode o pulmão enfermo, expondo-se a irrital’o e a provocar hemoptyses, – e beneficia a todos, porque não lhes projecta fortes e repetidas columnas d’ar, carregadas de pestilentos microbios.
Mas para que o tuberculoso cumpra com os preceitos que hoje a sciencia e a sociedade lhe impõem, não lhe basta tossir apenas uma ou outra vez, é preciso saber tossir e saber expectorar.
É ponto assente que a tuberculose se transmitte principalmente pela expectoração e pelas gotticulas de saliva que o doente expelle ao falar e ao tossir, as quaes a linguagem popular traduz pela pittoresca designação de perdigotos. Haja, portanto, a constante prevenção contra estes dois frequentissimos meios de contagio.
O tuberculoso nunca deve falar muito proximo de qualquer individuo, e quando tossir ou espirrar, porá um lenço a frente da bocca e do nariz, para que os damninhos projecteis que com o ar expelle, não vão ferir, – muita vez de morte, – os circumstantes [sic]. Esse lenço será desinfectado por meio e prolongada immersão em agua fervente, e em seguida cuidadosamente lavado. Nunca, por qualquer motivo, poderá, antes d’essa infecção, servir para qualquer outra pessoa que não seja o proprio doente, e este terá a cautela de o não pôr em contacto com os moveis, estofos, roupas, etc., e de o substituir com frequencia, não só para não contaminar aquelles objectos, mas para que o proprio enfermo, aspirando o ar inficionado [sic] por esse panno venenoso, se não infecte de novo, por exemplo ao fazer a funda inspiração que antecede o espirro.
Um só tisico expelle por dia na expectoração 1.200:000:000 microbios – bacillos de Kock – os quaes pódem por longo tempo conservar a sua virulencia, sobretudo nos logares sombrios, humidos e mal arejados, onde ao cabo de mezes e de annos continuam aptos para transmittirem a doença. O escarro, projectado sobre um local secco, – sólo, parede, roupas, lenços, etc., – secca-se com extrema facilidade e pulverisa-se. A pequenina poeira mortifera que d’ahi resulta é levantada pelo vento, pela vassoura, pelo espanador ou pela sacudidura dos tapetes, roupas etc., e vehiculada pelas caudas dos vestidos, pelos insectos, etc. Assim, suspensa no ar, ou deposta sobre a superficie da pelle, dos objectos de uso, e dos alimentos, constitue em perigo permanente de contagio, tão facil então de se produzir como antes teria sido facil de se evitar.
A expectoração de um tisico só é, porém, inoffensiva emquanto se conserva em estado liquido, e por isso todo o tuberculoso imprescendivel dever de sempre expectorar em escarradores contendo liquido, escarradores que devem ser directamente despejados nas pias, e logo desinfectados pela immersão dentro de uma vasilha contendo agua a ferver addiccionada de um pouco de carbonato de soda. Esta immersão e fervura deve durar pelo menos meia hora.
O typo preferivel para os escarradores varia conforme elles são individuaes ou collectivos, destinados para trazer na algibeira, para collocar sobre a mesa, ou para serem postos nos logares publicos. D’esse asumpto se occupará um dos proximos artigos da propaganda que a Assistencia Nacional aos Tuberculosos está fazendo. Cumpre, porém, desde já fixar que devem ser totalmente banidos os vulgares escarradores de madeira contendo serradura ou areia – conjuncto das mais proficuas condições para o desenvolvimento da tuberculose, – e só empregados os escarradores de porcellana, vidro ou metal, contendo um soluto antiseptico que pode ser a agua de sublimado, a 1 para 1:000, addicionada de 20 grammas de chloreto de sodio, a agua phenica, a 5 por 100, o soluto de lysol a 3 por 100, o soluto de formol a 5 por 1:000, ou ainda a agua de Javelle commercial, a 10 por 100, etc.
São bem simples as prescripções que acabam de ser apontadas. Pois bastaria que todos as cumprissem, á risca e sem faltas, para que o temeroso flagello da tuberculose se reduzisse a proporções, por assim dizer insignificantes.
ALFREDO LUIZ LOPES.
Alfredo Luiz Lopes - "Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Contagio / (Tosse e expectoração)"
in Diário de Notícias
de 30 de Abril de 1900, nº. 12354, p. 1 (c. 2-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1568.