Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.1570)

Assumptos do Dia

Assistencia Nacional aos Tuberculosos

A vida nos sanatorios

A maior parte da gente tem uma errada noção do que é um sanatorio moderno para tuberculosos. Não ha doente, portuguez ou de outra nacionalidade – porque o engano não se dá só em Portugal – que, no regresso á patria, apoz uma estação de cura na Suissa, não note com surpreza [sic] este facto.

Na natureza das perguntas que lhe fazem os parentes e os amigos, na preoccupação mal disfarçada que teem em evitar nas conversações o emprego do termo sanatorio, se vê bem que a ideia que geralmente se liga a estes estabelecimentos é, com ligeiras restricções, uma ideia lugubre, como a que nos fica da visita a um hospital, com a sua desoladora atmosphera de tristeza e de dôr, os seus piquetes de enfermeiros de longas tunicas pardas, o seu cheiro caracteristico da droga pairando no ar e a sua desconsolada cozinha de dieta.

Pura illusão! O sanatorio, tal como a Suissa o tem organisado no alto das suas montanhas, diverge tão radicalmente d’este aspecto que era caso de apostar pela certa que uma d’essas pessoas que tão falsa opinião d’elle fazem, transportada até lá de olhos vendados e ignorado o seu destino, ficaria suprehendida se lhe dissessem que estava portas a dentro de uma machina de malades.

Com effeito os sanatorios modernos, desde o de Falkenstein (Taunus) até o de Leysin na Suissa franceza, têm [sic] muito de um hotel, pouco de uma casa de saude e nada de um hospital.

E não podia nem devia ser de outra maneira, sobretudo desde que a natureza da enfermidade que a vida n’estas casas se propõe melhorar ou curar, auxilia valiosamente o proposito da sciencia de apagar quanto possivel tudo o que possa aggravar a lembrança do infortunio que ali reune tanta gente, ou tornar ainda mais duro um forçado exilio de muitos mezes [sic].

Em primeiro lugar, como os sanatorios se não propõem a salvar, por obra de milagre, doentes condemnados a uma morte proxima, e como não ha administração que admitta individuos n’essas condições, o triste espectaculo do tysico muribundo [sic] é ali desconhecido e o numero dos que se conservam nos quartos é muito reduzido. Depois ha a maravilhosa transformação que, ao cabo de poucos dias, o ar e o regimen começam operando no aspecto e na nutrição do enfermo resistente. A droga quasi se não conhece e a dieta ainda menos; e como, por um phenomeno de que os medicos ainda não deram uma explicação cabal, ninguem tosse ás refeições e todos procuram, por obediencia ao methodo de tratamento e pelo effeito das melhoras, comer o mais possivel e attenuar as saudades da patria e dos seus, rindo e palrando com os visinhos, as casas de jantar d’esses estabelecimentos mais parecem preenchidas por touristes cheios de saude e de alegria que por gente de pulmões avariados retida ali na esperança de concerto [sic].

É certo que parte dos commensaes é constituida por sãos que acompanham os doentes. Mas nem o olhar experimentado de um clinico saberia, só pela apparencia, fazer a destrinça entre uns e outros, sem cair em engano.

Ha poucos annos forma visitar um sanatorio suisso dois professores da faculdade de Montpellier. Mostrou-lhes o medico da casa todo o edificio, iniciou-os nas particularidades do regimen adoptado e, quando tocou para o jantar, levou-os para a meza [sic]. Estava a refeição já a meio quando um dos visitantes, notando a tez rubicunda dos outros commensaes, a sua alegria esfusiante e o seu apetite devorador, perguntou naturalmente ao director:

- Mas, doutor, onde é que os seus doentes jantam?

Este caso, que é rigorosamente authentico, dá perfeitamente a nota do que affirmo e mostra, melhor que nada, a impressão, tão diversa do que aquella que em geral se imagina, que resulta da visita a um sanatorio.

Varios d’esses renascidos para a vida, alguns até d’esses comilões de pelle lanada pelo sol faiscante da montanha que parecem curados, tombam rapido, é certo, no regresso á planicie e á existencia ordinária. Um ou outro nem espera esse ensejo. Liquida mesmo no sanatorio, uma bella manhã, exaurindo-se n’um fluxo de sangue.

Mas esses incidentes tristes são tão habilmente dissimulados que mal os apercebem os restantes doentes que de seu natural são na maior parte, egoistas sobretudo n’estes meios cosmopolitas e hecterogeneos [sic].

E ai dos enfermos... e dos são que os acompanham, se assim não fosse.

Já que a natureza do tratamento não comporta as distracções de que beneficiam os que vão concertar varias visceras pelas estancias de aguas medicinaes da Europa, que ao menos tudo procure mascarar e suavisar a desventura da doença e o rigor de um tão prolongado exilio.

Imaginem pois, em vez de um casarão deselegante, como uma cadeia ou um hospital, uma linda construcção no genero suisso, como algumas do Estoril, leve, artistica, graciosa, posta inteiramente ao abrigo das nortadas e offerecendo uma larga face ao sul. Janellas amplas, para dar francamente entrada á luz e ao ar. Em torno um parque inglez com cadeiras e bancos de verga, por sobre os quaes os toldosinhos de riscado palpitam brandamente. Dentro um simples interior de hotel onde o já proverbial aceio [sic] suisso é levado ao ultimo requinte: o chão encerado todos os dias, os metaes luzindo como espelhos, a preoccupação da limpeza emfim [sic] guindada a extremos que aqui julgariamos puerilidades.

Ao contrario do que succede em todos os hoteis para sãos, n’estes em que aqui só ha doentes e doentes de peito, não ha escarradeiras... ou não se vêem que é a mesma cousa [sic], tão bem disfarçadas ellas estão para os olhos dos que não precisam utilisar esses objectos.

Nem ao menos ali existe o fartum caracteristico que se reconhece ao entrar em qualquer hospedaria. Nos sanatorios as casas de jantar e cozinhas formam sempre annexos do corpo central, o que attenua valiosamente o perigo do doente vir a enjoar a comida.

As refeições grandes são tres, accrescidas da suralimentation pela carne crua, pelos ovos e pelo leite, conforme a prescripção medica. Ja notei como ellas decorrem e como, menos que em parte alguma, no salão de jantar, a ideia de se estar n’uma casa de saude vem ao espirito do observador. Não se veem frascos de drogas, não se encontram enfermeiros, porque um de cada sexo apenas sobejam para os raros que necessitam dos seus serviços. Não ha receio que o somno da noute [sic] seja interrompido por qualquer aggravamento subito e imprevisto do estado de algum doente. Por uma habil combinação as campainhas electricas de todos os andares, chegada a hora do socego, passam a só poder funccionar para o quarto do porteiro que a tudo provê sem alarme, no caso de incidente.

Depois imaginem tambem, á hora de passeio no verão, ou da patinagem, da luge ou do toboyan no inverno, dezenas e dezenas de individuos, de chapéu de palha e guarda sol branco, quer se esteja em maio quer em dezembro, com 17º abaixo de 0 á sombra, divertindo-se alegremente, redopiando [sic] no gêlo ou deslisando como settas em pequenos trenós pelas ladeiras de neve – com aquella falsa vida e aquelle artificial vigor que a montanha e o regimen imprime, se quizerem – mas, em todo o caso, fazendo isto como se fossem rijos sportmen inglezes; – imaginem tudo isto e terão uma ideia muito mais real do que é um sanatorio suisso.

Se não fôra a galeria onde, alternando com os passeios, o doente é obrigado a fazer a cura de repouso, estendido ao ar em chaises-longues, o visitante desprevenido, repito, não reconheceria, nas duas primeiras horas, onde se encontrava.

* * *

E é assim, n’estas condições convidativas, que seria para desejar que o capital portuguez emprehendesse a montagem de um sanatorio em Portugal – em Montachique, em Caneças, no Estoril, onde mais commodo e adequado parecesse: – que os creditos da montanha, como dispondo, ella só, de propriedades curativas está bastante abalado com os resultados obtidos pelos sanatorios da planicie como o de Falkenstein, o de Saint Blaziens, na Floresta Negra, e os de Brehmer e de Rompler na arida Silesia de clima mais ingrato e de altitude não superior ao da nossa Cabeça de Montachique que está a 408 metros acima do nivel do mar.

Nem é preciso appellar exclusivamente para a generosidade d’esses capitalistas, porque o juro do dinheiro empatado la [sic] está certo é bem remunerador, accrescido da consolação que a pratica de uma obra sympathica ha que trazer-lhes ao espirito.

Os sanatorios suissos deram ainda no ultimo anno dividendos inverosimis [sic] aos seus accionistas. De um sei que distribuiu 27 %, tendo aliás dispendido boa parte dos rendimentos com obras e ampliações.

Rasão [sic] alguma ha para que o mesmo não possa succeder entre nós. Só os portuguezes que este anno estão em Davos, sabe Deus com que sacrificio alguns, dariam para preencher um terço de um sanatorio para cem doentes.

O caso está apenas em não comprometter o exito da empreza, desacreditando-a pela sua má organisação. Copie[-]se fielmente, salvo apenas as differenças de meio, o que lá fora está apurado que é bom; chame-se um suisso, que é o rei dos hoteleiros em todo o mundo, conhecedor do assumpto, para montar e dirigir toda a estructura interna do estabelecimento, confie-se a direcção do tratamento e do regimen á sciencia e á boa vontade de um dos nossos medicos empenhados na actual campanha e, repito, o triumpho financeiro será certo e o serviço prestado dos mais valiosos.

Fazer sanatorios para ricos e remediados evitando-lhes o sacrificio do [sic] expatriação, seria o melhor auxilio que a iniciativa individual dos nossos capitalistas, mesmo sem sair do legitimo direito de fazer fructificar o seu dinheiro, poderia prestar à obra de sua magestade a rainha.

LAMBERTINI PINTO.


Referência bibliográfica

Lambertini Pinto - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / A vida nos sanatorios" in Diário de Notícias de 7 de Maio de 1900, nº. 12361, p. 1 (c. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1570.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Opinião

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema

Associação/Sociedade
Popularização da Ciência
Educação Cientifica
Outros
Palavras Chave


Notícia