Liga nacional contra a tuberculose
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A tuberculose nas creanças
No salão do theatro de D. Maria, que, como de costume, foi franqueado ao publico para assistir aos trabalhos de propaganda da Liga Nacional contra a Tuberculose, realisou o illustre clinico sr. dr. Salazar de Souza, medico dos hospitaes, a sua annunciada conferencia ácerca da tuberculose nas creanças.
Ás 2 horas da tarde constituiu-se a meza [sic], á qual presidiu o sr. conselheiro Silva Amado, secretariado pelos srs. dr. Miguel Bombarda e dr. Antonio d’Azevedo.
O sr. conselheiro Amado fez a apresentação do conferente, a quem dispensa palavras cheias de respeito e consideração pelo seu talento e estudos feitos tanto em Portugal como no estrangeiro.
Diz o sr. dr. Salazar de Sousa [sic] o seguinte:
Que a tuberculose em geral deriva de um bacillus quasi imperceptivel, que uma vez alojado no organisma [sic] o germina com maior ou menor facilidad[e] conforme as condições de robustez do individuo atacado.
Assim se explica a razão como muitos individuos tuberculosos vivem mais tempo que outros.
Tal qual como a semente lançada em diversos terrenos, produz maior ou menor colheita, o bacillus alojado no organismo humano se desenvolve com maior ou menor rapidez, ou até se inutilisa. São os organismos debeis ou mais aptos para a tuberculose, e é por consequencia o filho do tuberculoso o individuo mais predisposto para a tisica.
Suppunha-se d’antes que a tuberculose era hereditaria, porem hoje, essa opinião está modificada, por que [sic], em virtude de importantes observações e estudos, está provado não se herdar a doença, mas sim, apenas, a predisposição para el[l]a.
Segue o dr. Salazar nas explicações scientificas da transmissão do bacillus no acto da fecundação, o que não é provavel, mas admissivel, porque a percentagem do bacillus tuberculoso, contida na materia fecundante, é muito insignificante. A passagem do microbio de pae para filhos não se dá por este meio.
Quanto á transmissão de mãe para filhos, póde dar-se pelo sangue, mas n’este não existe o bacillus tuberculoso senão raramente, isto é, em casos de tuberculose aguda.
Demonstram as autopsias e outras observações praticas que a tisica no primeiro mez de nascimento é minima, augmentando as percentagens conforme augmenta a edade da creança.
Prova-se, pois, que emquanto [sic] a creança permanece affastada dos maiores perigos ou, para melhor dizer, dos maiores focos transmissores da doença, a mortalidade, por effeito da tisica, é menor, o que não aconteceria se a tuberculose fosse hereditaria, porque, então, essa percentagem seria muito mais elevada nos primeiros tres mezes do nascimento.
Os filhos dos tuberculosos serão vencidos pela tisica se não forem retirados da companhia de seus paes durante os primeiros annos do seu desenvolvimento phisico, e se não forem amamentados por ama robusta.
A tuberculina de Kock, embora não satisfizesse aos fins desejados e á fama de que era precedida, veio comtudo [sic] adeantar nos muito em diagnosticos de tuberculose, em virtude dos excellentes resultados obtidos em experiencias feitas em creanças e animaes.
Está, pois, assente que a tisica se adquire por contagio e não por herança, porque esta só dá a predisposição, a qual desapparece logo que se comsiga [sic] o completo robustecimento do organismo debil.
Descreve o conferente algumas experiencias feitas por Robin e Roger com a tuberculina.
É preciso que consigamos a solução de dois problemas; evitar o contagio ao filho do tuberculoso e rehabilitar-lhe as forças para que o seu organismo se opponha ao desenvolvimento do bacillus.
Para esse fim é indispensavel uma rigorosa fiscalisação ao leite de vaccas, embora estas não apresentem lesões tuberculosas; que não se beba leite que não seja fervido; que se prohiba as mães tuberculosas de amamentarem seus filhos, não só para evitar o contagio da doença, como para se não debillitarem; que se acabe com o costume de esfriar a comida das creanças na bocca das pessoas que lh’a ministram, e bem essim [sic] os beijos e outras caricias, porque, contendo a saliva projecteis bacillares, estes facilmente se transmittirão á creança.
As mães tuberculosas deverão entregar os seus filhos a amas robustas e abster-se-hão de lhes dispensar affagos.
Não é tão facil ao pobre vencer os obstaculos que se lhe deparam para a boa pratica de taes medidas, pelas despezas que estas lhe acarretariam, porem, a philantropia dos particulares e a iniciativa do Estado, muito póde con[s]eguir.
É necessario o isolamento dos enfermos em enfermarias especiaes; segundo a qualidade da doença, a fim de evitar o contagio, como já hoje se pratica em Paris e Belgica. A creação de uma instituição denominada colonia Maternal, para tratamento de creanças tuberculosas, e bem assim de créches para creanças sãs é de uma grande necessidade.
Deve-se evitar a alimentação a biberons, por enfraquecer a creança e pela facil decomposição do leite nos tubos d’aquelle apparelho de que resultam as diarrheas e outras affecções gastro-intestinaes.
A amamentação artificial exige uma grande vigilancia e escrupulo na escolha e asseio do biberon.
Acabado o periodo da amamentação começa outro não menos perigoso que é o do desenvolvimento osseo, que deve ser cuidadosamente seguido por pessoa competente para evitar a tuberculose ossea. Combate-se a debillidade dos organismos debeis, obrigando as creanças a exercicios de gymnastica medica que não faz athletas, mas produz homens fortes.
Existe em França uma sociedade que protege e vigia as creanças até certa edade, dá-lhes alimentação, concede premios ás amas que appresentam creanças mais robustas, subsidios ás mães, e onde as creanças são pesadas todos os mezes. A mortalidade n’esta instituição regula entre 5,3 a 6,4 %.
Existem outras sociedades intituladas de soccorro mutuo materno, onde as operarias a troco de uma diminuta quota, teem, durante o periodo de dois mezes a seguir ao nascimento de seus filhos, um subsidio pecuniario, sendo-lhes prohibido durante o mesmo a comparencia nas fabricas, afim de se robustecerem.
Findo este periodo recomeçam os seus labores [sic] e outra instituição denominada créche se encarrega de amamentar os filhos d’essas mulheres, durante as horas em que as mães se entregam aos seus misteres [sic]. A percentagem da mortalidade nas creanças assim protegidas é de 3 %.
Tambem contribuiu poderosamente para que a mortalidade diminuisse mais 50 %, umas instrucções que ali foram postas em pratica sobre a applicação dos leites.
Em Inglaterra as créches são aproveitadas como escola para raparigas de 16 annos em diante; estas vão ali diariamente aprender como se cria e se trata scientificamente uma creança.
Em Portugal, em vez de se cuidar do tratamento scientifico da creança, as mães seguem os errados preceitos dos seus avós, que são na maioria das vezes prejudiciaes ás creanças, das quaes até mesmo o vestuario deve ser executado sob preceitos que a medicina julgar convenientes.
Antes das medidas adoptadas em França a mortalidade das creanças attingio [sic] 75 %[.] Este facto despertou a attenção das estações officiaes, sendo posta em vigor a lei de Russel, ainda actualmente adoptada, e a qual tem por fim proteger as creanças entregues ás amas, vigiando estas, castigando-as quando infringem a lei, etc.
A mortalidade d’estas creança diminuio [sic] um terço, e a das crenças sob a vigilancia materna foi de 17,5 %.
Quanto á estatistica dos nascimentos e obitos em Lisboa, durante os ultimos quatro annos apresenta o seguinte curioso mappa extrahido do Boletim etnographico.
[ver imagem]
Outros mappas estatisticos foram apresentados com respeito ao estrangeiro.
Um bem elaborado diagramma nos demonstra que d’entre as creanças de 1 a 21 mezes amamentadas directamente pelo peito e as alimentadas por biberons, a mortalidade é seis vezes maior n’estas.
Terminou o distincto medico a sua conferencia pedindo que, assim como importamos do estrangeiro tudo que vestimos desde o chapeu fino ás botas, assim devemos importar e adoptar a lei de Russel, sob pena de que justamnete nos chamem criminosos.
O sr. dr. Salazar de Sousa, foi enthusiasticamente applaudido.
(...).
[n.d.] - "Liga nacional contra a tuberculose / (...) / A tuberculose nas creanças"
in Diário de Notícias
de 7 de Maio de 1900, nº. 12361, p. 2 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1571.