[Texto do artigo ocupa duas páginas, com uma gravura e 5 fotografias na página 614, 6 fotografias na página 615, e uma gravura de página inteira na página 616.]

A bordo do lindissimo Yacht Princesse Alice, que tem metaes refulgentes e um toldo branco como linho, visitámos, por essa tarde de calma e ceu azul, as installações d'esse principe que é um sabio e vem dos Grimaldi.

Como um phenicio ousado d'aquelles que fundaram Monaco e que nas suas goletas se aventuravam sem norte, ao acaso das descobertas, o principe d'uma ancia de colher exemplares das grandes profundidades maritimas para o seu museu vae tambem ao acaso por esses mares, visita as regiões antarcticas, fundêa aqui, para ir navegar de novo, e assim passa a vida no recanto sumptuoso do seu gabinete ou no espaço breve do seu laboratório, na tolda do seu yacht lançando as redes e os apparelhos, ou no recolhimento da sua alcova a socegar.

E vae por esses mares fóra, sob o ceu luminoso do Mediterraneo ou sob as pardas atmospheras de Spitzberg, passeia-se hoje sobre as aguas calmas como bemditas para se arriscar amanhã nos mares tenebrosos e de surprezas, mares que gelam e prendem as embarcações em grandes muralhas de neve forte, azulada e vitrea.

[...] Começámos então a indagar d'essa laboriosa vida sobre as ondas com aquelles sabios e tantos marinheiros e sabemos logo que é bem simples a vida a bordo com esse principe reinante, o qual dedicou a sua vida a descobrir os segredos dos mares, trazer á luz as vidas mysteriosas que lá palpitam a grandes profundidades, todo afeito á sciencia e deixando por ella o seu palacio maravilhoso que é fronteiro com o mar e tem regalos sem par nésse bellisimo canto da terra onde a vegetação é lusuriante e perfumes sahem da terra matizada de flôres desde Monte Carlo até á ponta de S. Martin, que avança ousadamente pelo Mediterraneo.

[...]

Está-se á vontade, fala-se como com antigos conhecimentos e tomam-se apontamentos ligeiros para a historia do principe que se dedica a tão arduas tarefas, todo devotado á sciencia e fazendo d'ella um sacerdocio.

O primeiro barco do principe de Monaco foi o Hirondelle, embarcação de vela, e que partiu de Lorient em julho de 1885 e voltou em setembro, depois d'atravessar o golfo da Gasconha e de se deter nos Açores para de seguida percorrer o Gulf Stream em experiencias, nas quaes foi S. A. R. coadjuvado pelo professor Pouchet.

Em 1886 vae a Belle Isle, a Gironde, dobra os cabos Peña e Finisterra e faz experiencias de sonda até 510 metros de profundidade.

Assim continuou durante os annos de 1887-88 até 1899, fazendo sempre os seus trabalhos, lançando barquinhas, inventando delicados apparelhos de fios de ferro para recolher os animalculos mais inferiores nas mazimas profundidades exemplares da faunna maritima que são cegos e outros de infinitas antennas que só por milagre não se quebram nos atrictos da vegetação submarina, redes para polypos exoticos e refolhudos, de feitios bizarros e corpos breves, a aperfeiçoar instrumentos para sondagens, na lucta de todos os dias, com os seus ajudantes e com os seus marinheiros n'uma peregrinação egual á dos velhos descobridores de mundos que iam pelos mares adiante cehios de crença, couraçados de inalteravel fé.

[..] e o secretario de S. A. convida-nos a passar ao laboratorio.

É ali n'aquelle recinto que se fazem as dissecações e as analyses e é ali mesmo que ouvimos a narrativa da fundação do Museu Oceanographico de Monaco, talvez melhor que o de Paris, no dizer dos entendidos, e cuja primeira pedra foi lançada a 25 de abril de 1899. O Museu é obra de mr Delefortrie e n'elle se empregaram materiaes proprios para resistirem á acção das aguas na parte do aquario que é magnifico e todo dividido para conter as differentes especies de animaes.

A sala symetrica com o aquario é destinada ás exposições de esqueletos de exemplares que não se podem conservar em liquidos, por causa do seu tamanho, como varios cetaceos apanhados nas diversas ~excursões. Por cima fica o espaço para a bibliotheca, que é numerosa e soberba, na ala oeste as salas d'armazenagem e preparação, salas das photographias e os gabinetes de trabalho destinados aos estudiosos e tambem os laboratorios. Sempre conversando vemos os diversos apparelhos, os arpeus e as sondas, alguns animalculos extranhos para osprofanos e mostram-nos uma medusa pescada a 1500 metros de profundidade, gelatinosa e grossa, myriapoda e que fluctua n'um frasco largo.

É mr. Richard com um ar affavel quem nos offerece alguns livros sobre oceanographia e ao mesmo tempo ouvimos como S. A. R. foi ás regiões antracticas e que trbaalhos lá realisou.

Em 1899 o capitão de fragata mr. Guernez acompanhou o principe com o dr. Richard e mais alguns individuos até ás regiões do norte do Spitzberg. Ali levantaram plantas e tiraram photographias e foi descoberto um grande lago que S. A. baptisou com o nome de Richard. Fica ao leste da bahia de Red e separa o massiço do cabo Biscayer da terra firme. Uma observação interessante se fez nas margens do lago, então geladas.

[...]

De observação em observação descobriram mais geleiros e a um d«elles derma o nome de Princeza Alice.

Acharam tambem animaes só d'aquellas regiões que recolheram com algumas phocas nas quaes o dr. Porter fez curiosas experiencias, chegando á conclusão de que a camada gorda que envolve estes animaes serve apenas para os aquecer e não é uma reserva nutritiva.

[...]

N'essas viagens pelas inexploradas regiões recolheram amostras das rochas, dos mineraes, da flora e acharam numerosos fragmentos de hulha.

Seguem-se então explicações que annotamos no livro que nos dão, falam com grande numero de tremos scientificos, apresentam-nos alguns ricos exemplares da collecção e caba-se pelos cetaceos que teem arpoado por esses mares, apanhando muitos nos Açores e alguns perto de Monaco.

Mostram-nos arpeus, cabos, apparelhos que fusilam ao sol na passagem para a casa de jantar onde resplandecem crystaes e centors de mesa, onde ha flores e louças caras, naixella e cadeiras lavradas: os nossos hospedeiros falam ainda da memoria da quinta campanha scientifica feita por S. A. e que foi enviada ao Instituto de França; e á volta são sempre as descripções dos trabalhos no mar, a faina, a fadiga, a paciencia e a dedicação, sem egual d'esse principe neto dos Grimaldi que no seculo X tomaram Monaco aos arabes e que, podendo viver socegado no seu palacio, diante das aguas quedas, prefere aventurar-se pelo mar no desejo de encher o Museu de Monaco dos mais raros exemplares da fauna maritima. Já cá estamos na tolda, á sombra, olhando os marinheiros bretões rudes e tostados que conversam, e ouvindo ainda alguns pormenores das regiões dos gelos em face da cidade chapada de luz e agradecidos por tanta amabilidade.

Sabemos então que durante as campanhas tanto da Hirondelle como da Princesse Alice os yachts foram commandados pelo proprio principe, que ao memso tempo dirigia as explorações scientificas.

Primeiro e até 1891 mr. Grené e dpois mr. Carr secundavam S. A. no commando Mr. Jules Guerne desde 1886 a 1894 esteve encarregado dos trabalhos zoologicos e mr. Richard que era addido ao laboratorio tornou-se chefe em 1895. Alem d'estes senhores tambem teem auxiliado S. A. R. mr. Lallier como zoologo, mrs Neuville e Portier como preparadores e em 1887 mr. Pouchet acompanhou o principe.

Vê-se pois como estas expedições teem sido appreciadas e como os seus resultados praticos são deveras importantes pois augmentam o numero das especies consideradas até aqui como existentes apenas no Mediterraneo, e a fauna dos Açores foi enriquecida d'um grande numero de exemplares que não eram conhecidos senão nas regiões orientaes e occidentaes do Atlantico, insto alem de muitas outras conclusões que só os individuos da especialidade saberão apreciar.

Agradecemos todas estas informações, saudamos os nossos amabilissimos hospedes d'alguns momentos e descemos par ao bote. Ia a cahir a tarde, refulgiam as vidraças na cidade e á força de remos deixamos o Princesse Alice.

[...]