Liga Nacional contra a Tuberculose
A conferencia do dr. Lopo de Carvalho no salão do theatro de D. Maria
A Liga Nacional contra a tuberculose deve regosijar-se por ter conseguido que o illustre clinico dr. Lopo de Carvalho viesse a Lisboa fazer uma conferencia, para expôr, tanto aos scientificos como aos leigos em assumptos de medicina, os fructos do seu aturado estudo, os quaes nos demonstram a curabilidade da tuberculose e a urgente necessidade de acabar com receios mal fundados, que até hoje teem existido, de declarar aos individuos enfermos a especie de doença que os ataca.
Pouco depois das 2 horas da tarde de hontem apresentou-se no salão do theatro de D. Maria o sr. dr. Lopo de Carvalho, distincto medico, que exerce clinica no districto da Guarda, onde ha muito é considerado um especialista no tratamento da tuberculose pulmonar, o que se prova pe[l]o grande numero de pessoas que o consultaram e que regressam da Guarda curadas, quando não são tuberculosos em ultimo grau.
Constituida a meza [sic] presidencial, que era composta dos srs. [sic] conselheiro Silva Amado, presidente, e drs. Bombarda e Azevedo, secretarios, o sr. presidente apresentou ao selecto e muito numeroso auditorio o sr. dr. Lopo de Carvalho, ao qual teceu os mais rasgados e justos elogios pelo muito que a sciencia e a humanidade lhe devem, já pelos seus valiosos estudos, já pelo muito que tem conseguido no districto da Guarda, onde a tuberculose nos individuos ali nascidos attingiu uma elevada percentagem e onde n’esses é hoje quasi rara, mercê das medidas prophylaticas que elle fez pôr em pratica.
O sr. dr. Lopo de Carvalho, depois de agr[a]decer as palavras dirigidas pelo sr. conselheiro Silva Amado, começa a exposição do seu trabalho, a que diz dever antes chamar um relatorio do que conferencia, devido ás notas estatisticas que apresenta.
Diz o illustre e intelligente medico que ha 12 annos trabalha contra a tuberculose, e que não tem esmorecido na sua lucta por observar que ella não tem sido improficua e antes de resultados muito lisongeiros.
Affirma que, se tanto os medicos como os tuberculosos e auctoridades administrativas se compenetrarem dos seus deveres, ter-se-ha conseguido senão tudo, [q]uasi tudo que desejamos e que é indispensavel – «a cura da tuberculose ou a sua extincção».
Descreve as suas impressões ao visitar os sanatorios de Davos Platz, ao vêr as medidas ali adoptadas, e come[ç]a explicando o que precisamos fazer para evitar o desenvolvimento da tysica, segundo as suas causas.
Os filhos de paes tuberculosos não nascem tysicos, mas sim muito debeis e por consequencia mais aptos do que outros para a geração e fertilisação do bacillus. Aquelles que estiverem n’estas condições não se tuberculisarão, se forem bem alimentados e se permanecerem no campo, emquanto [sic] se não robustecerem.
Refere-se ao perigo a que estão expostos os sãos, ao beber o ar de logar infecto e povoado de microbios produzidos pela pulverisação dos escarros dos tysicos, ao beber leite de vaccas tuberculosas, e ao comer carnes de animaes nas mesmas condições, etc. Os casos de tuberculose originados d’esta fórma dão logar a que a tysica se desenvolva, mas se limite a uma familia, aos hospedes de um hotel, etc., onde forem servidos alimentos nas referidas condições.
São impertinentes e dispendiosas as medidas que se devem pôr em pratica contra a terrivel doença, mas forçoso é que todos façam sacrificios pecuniarios, os doentes para se curarem e os sãos para evitar o contagio e a propagação do mal.
Diz mais ter feito parte do congresso medico realisado em Coimbra, onde se tratou da tuberculose, e onde elle manifestou o ardente desejo de conseguir das auctoridades a adopção das medidas praticas, cujos resultados lhe sorriam.
Affirma que, apesar das muitas reluctancias e protestos da maior parte, conseguiu que, desde 1886, se adoptassem no districto da Guarda as medidas que julgava necessarias, taes como desinfecções periodicas nas roupas e utensilios das hospedarias, saneamento da cidade, o uso de escarradeiras portateis, a fiscalisação dos generos alimenticios e muitas outras.
O dr. Lopo de Carvalho, que tão relevantes serviços tem prestado aos habitantes da Guarda, até já venceu por completo a relutancia [sic] que estes tiveram no uso das escarradeiras portateis; o mesmo já aconteceu na Serra da Estrella.
D’entre os oriundos da Guarda, e que ali permanecem só existem actualmente 3 individuos tuberculosos. Declara ter conhecimento de todos os casos que ali se dão, e está safisfeitissimo com o notavel decrescimento da tysica, depois das medidas citadas.
Lamenta que na capital seja cada vez maior a percentagem da mortalidade pela tysica, o que demonstra o desprezo com que tanto auctoridades como os particulares teem olhado para essa horrenda hecatombe.
Lembra que se pratique entre nós, como em algumas cidades do estrangeiro, impondo-se multas e prisões em casos de reincidencia, a todas as pessoas que escarrem nas ruas e em logares mais reservados, como nos trens, omnibus, theatros, etc., etc.
Apresenta uma das escarradeiras a que se referiu, e pede a todos os enfermos do pulmão que as adquiram.
Trata da curabilidade da tysica, a qual hoje é positiva até ao 2.º periodo, não havendo outras complicações, provavel no 3.º periodo, e casual no 4.º. Suppõe que um sexto da população succumbe á tuberculose, e diz que o diagnostico dos medicos tem adeantado muito, porque d’antes só se julgava confirmada a tysica no 3.º ou 4.º período, e hoje diagnostica-se ainda antes de accentuado o primeiro periodo[.]
Refere-se ás autopsias feitas por diversos motivos, em virtude das quaes se tem observado que a tysica se tem gerado e se extinguiu em individuos que durante a sua vida não deram indicios de tal doença, prova isto a curabilidade da doença mesmo sem o auxilio de medicamentos.
Faz notar, tambem, que a tuberculose, com quanto ataque mais os pobres, que estão privados de boa alimentação, quasi não existe nos individuos d’estas condições que habitam as herdades, as montanhas e outros logares pouco povoados e de bom ar.
Conta que obteve tres curas de tysica em individuos que foram á Guarda para se tratarem, e são elles: um aspirante do exercito, que foi para a Guarda por conselho do dr. Moreira Junior, e que hoje é um robusto official do exercito; um proprietario residente em Braga; e um estudante de Coimbra que vive actualmente em Lisboa.
A probabilidade da cura é tanto maior quanto mais cedo se começar o tratamento. Affirma que o doente é ás vezes o unico responsavel por não cuidar de si a tempo, desprezando pequenas enfermidades, mas que são conductoras da tuberculose.
Pode se considerar attacado de tuberculose quem tiver tosse e expectoração por mais de um mez, febre lenta e suores nocturnos.
Dispensa-se de mostrar algumas estatisticas para não cançar [sic] o auditório, e apresenta photographias de alguns calculos extrahidos dos pulmões tuberculosos.
Tambem conta os bons resultados obtidos com a hospitalisação precoce de milhares de operarios da Suissa, os quaes mostrando indicios de tuberculose seguiram o conselho de uma companhia de seguros de vida, e conseguiram voltar ás fabricas robustecidos.
Desde 1889 o dr. Lopo de Carvalho tem trata[d]o na Guarda 414 tuberculosos.
Em um diagramma magnificamente elaborado, demonstra por meio de côres os resultados no tratamento da tuberculose no districto da Guarda, desde 1888 a 1900. Eis um resumo d’esse trabalho estatistico:
[ver imagem]
As percentagens apresentadas nas tres columnas d’este mappa são relativas ás alterações da doença, segundo o periodo em que os enfermos se encontravam, quando começaram o tratamento.
O dr. Lopo de Carvalho só considera curados aquelles a quem a tosse e a expectoração desapparece, o peso augmenta e o tempo demonstra que a cura está consolidada, para o que esses individuos são vigiados por elle durante alguns annos.
Pede muitos sanatorios e declara que até hoje só tem cuidado do tuberculoso rico ou remediado, mas do pobre é ao governo que compete tomar energicas iniciativas.
Falando ainda da Guarda, diz que vae ali todos os annos buscar allivios uma média de 40 a 60 tuberculosos.
Termina a sua conferencia com algumas palavras de reconhecimento para o auditorio, sendo alvo dos maiores applausos e felicitações tanto da meza, como da classe medica que estava largamente representada, e da imprensa.
A meza agradeceu muito affectuosamente ao illustre conferente o seu valioso auxilio; ao publico a attenção e interesse que mostrou pelo assumpto; e á sociedade do theatro de D. Maria, pela cedencia do salão.
Terminou ás 3 1/4 horas da tarde.
O «Diario de Noticias» fez-se representar.
[n.d.] - "Liga Nacional contra a Tuberculose / A conferencia do dr. Lopo de Carvalho no salão do theatro de D. Maria"
in Diário de Notícias
de 23 de Abril de 1900, nº. 12347, p. 2 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1614.