Academia Real das Sciencias
A lepra em Portugal
Conforme previramos, foi revestida do maior interesse a conferencia do illustre clinico e academico sr. dr. Zepheryno Falcão ácerca da lepra em Portugal, hontem realisada na Academia Real das Sciencias.
A assistencia era numerosa, tanto de socios da Academia como de medicos e de muitas outras pessoas de todas as classes.
Presidiu á sessão o sr. conselheiro Silva Amado.
Á hora marcada o sr. dr. Falcão deu começo á sua conferencia que constitue um longo trabalho difficil de summariar aqui e que allia á profundeza do estudo a elegancia e a elevação da fórma.
Principiando por lembrar que em duas epocas distantes a Europa foi flagellada pela lepra, a primeira antes e nos primeiros tempos da nossa era, e a segunda pelos fins do seculo XI e seguintes em que tiveram logar [sic] as cruzadas, referiu-se á perseguição de que os leprosos foram victimas, banidos de direitos, impedidos de casarem, sujeitos em alguns pontos á castração e por fim sequestrados nas 19:000 gafarias anteriores á creação da ordem de S. Lazaro.
O isolamento e outras causas fizeram diminuir a molestia, mas o apparecimento recente de focos de lepra em paizes indemnes desde seculos, como nas ilhas Sandwich, por exemplo, chamou a attenção dos dermatologistas, fazendo temer uma nova invasão na Europa, sendo Portugal um dos paizes que melhores condições offerece para a receber e propagar.
Depois de descrever a doença, calcula em 1:500 approximadamente o numero de leprosos no continente de Portugal, o que é consideravel, visto que a Noruega, citada como paiz fortemente leproso, tem hoje apenas 300 casos; Suecia 70; a Irlanda 150; a Hollanda 30; a Belgica 4; a Inglaterra e a Irlanda [sic] 96; a França 300 e tantos; a Hespanha 1:000 a 1:200; a Suissa 2; a Italia 256; a Russia, 785; a Grecia 209; a Turquia entre 400 e 600, etc.
São, pois, Portugal, Hespanha e Turquia os tres paizes mais flagellados.
Das observações pelo conferente colhidas pacientemente em Portugal concluiu que a lepra se acha dessiminada [sic] por todo o paiz. Localisa-se especialmente á beira mar ou a longo dos grandes cursos d’agua, como demonstrou em um mappa curiosissimo, onde se viam marcados os concelhos atacados de lepra e aquelles em relação aos quaes ou não obteve informações seguras ou as obteve de que o mal não era ali conhecido.
As regiões montanhosas, se não são inaccessiveis ao flagello, são mais poupadas.
Segundo os dados recebidos, o districto mais atacado é o de Lisboa e o unico em que não se mostra o de Bragança.
Com respeito aos outros districtos a ordem de frequencia é a seguinte: 1.º grupo, Braga, Aveiro e Coimbra; 2.º Santarem; 3.º Leiria, Vizeu, Faro e Porto; 4.º Villa Real e Vianna do Castello; 5.º Guarda; 6.º Beja e Evora; 7.º Castello Branco e Portalegre.
A lepra é doença exclusiva do homem, tendo falhado todas as tentativas de inoculação nos irracionaes, e manifesta-se sejam quaes forem as condições de raça, edade, sexo ou posição social, em climas frios, temperados e torridos.
É pelo homem que ella se transmitte, directa ou indirectamente, pelos objectos que as suas excreções pathologicas conspurcam. E o conferente, n’este ponto, reivindica para si a legitima honra de ter revelado que taes excreções são já extremamente perigosas antes de qualquer manifestação exterior.
Depois de justificar largamente a sua crença na hereditariedade e no contagio da lepra, citando numerosas observações proprias, indica os meios de combater o perigo do contagio e que se resumem no seguinte: averiguar onde se acha esse perigo pelo censo da população leprosa, tornar bem conhecida a doença pelo ensino regular da leprologia e combatel-a pelo isolamento (tendo o conferente alvitrado para tal fim a escolha da provincia do Alemtejo [sic], onde a molestia é rara e ha grandes terrenos ferteis ainda incultos e longe dos povoados), e a regularisação das noções do contagio e hereditariedade.
Ao terminar a sua conferencia, o sr. dr. Zeph[e]rino Falcão foi applaudido com uma demorada salva de palmas, e calorosamente felicitado por quantos o escutaram.
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