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Texto da entrada (ID.1621)

Assistencia Nacional aos Tuberculosos

Sanatorios maritimos

(Physiologia)

Os trabalhos de Maffucci, Strauss e Gamaleia, Graucher e Ledoux-Lebard provam que as lesões de tuberculose podem todas ser reproduzidas pelas toxinas conservadas nos bacillos mortos.

O soro, os outros liquidos e até o ar expirado d’um tisico conteem venenos capazes – se os attingem – de perturbar a nutrição intima dos individuos sãos.

Está provado que o suor de um tuberculoso, mesmo depois de convenientemente esterelisado – quer dizer de filtrado de forma a não ter bacillo algum – e injectado n’um animal ou n’um homem, produz um accesso egual ao do proprio doente.

A formula antiga, meramente empirica, que estabelecia – que tudo é scrofula n’um scrofuloso – pode scientificamente converter-se n’esta – tudo é tuberculose n’um tuberculoso.

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Gley e Charrin provaram ser facil, injectando em animaes são os venenos produzidos pelo bacillo pyocyanico, provocar o nascimento de seres anormaes.

É antiga a experiencia de determinar a epilepsia constante do producto, alcoolisando os paes.

E Feré, inoculando ovos de gallinha com a peçonha da serpente, os pintos nasciam, ou cegos ou coxos ou com uma aza atrophiada, etc.

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Além de casos curiosos de ausencia de cerebro (aneucephalia), nos filhos de tuberculosos, o dr. Ricochon de Champdenier, fez um estudo curioso das anomalias de organisação da descendencia dos tisicos.

É assim que notou, em 49 familias de tuberculosos, 30 casos de luxação congenita da anca, facto que se coaduna com a observação de Planchou – da frequencia de entorses, hernias, encrustações, etc. Tudo depende, sem duvida, d’uma fraqueza especial do apparelho ligamentoso e peculiar aos individuos saidos de familias tuberculosas.

Além d’essa muitas outras deformações originaes registou – assymitria facial, implantação viciosa dos cabellos na fronte – forma especial da orelha – desegualdade das fendas palpebraes, – altura das sobrancelhas – atrophia do labio superior, que mal cobre os dentes respectivos – implantação defeituosa dos dentes – dentes supranumerarios – invaginação dos bicos dos seios, etc.

Prova, tudo isto, uma doença do ovo grave, ás vezes, que se traduz pela morte do feto, ou pela fraqueza congenita, que, apenas, permitte dias de vida á crença recemnascida [sic].

Approximando estes factos, scientificamente demonstrados, podemos concluir: que se os filhos de tuberculosos raras vezes recebem da mãe, atravez da placenta, o bacillo, sempre ou quasi sempre recebem toxinas que, impregnando o edificio embryonario, alteram o plano normal de organisação, marcando o producto com os stigmates physicos da degeneração e as instabilidades dynamicas que os predispõem para contrair a tisica. Alem d’estes, outros predispostos ha, todos do grupo complexo dos degenerados, preparados, em gerações anteriores, uns por infecções chronicas, syphilis, lepra, etc.; outros, por intoxicações lentas[,] alcool, chumbo, tabaco, etc.

Mas para o nosso estudo importa principalmente, considerar os filhos dos tuberculosos, e ainda toda a somma de doentes que realisam as tuberculoses locaes e se seriam desde a tuberculose ganglionar – a scrofula por excellencia – até á tuberculose vertebral – o mal de Pott, e juntos, para os auctores modernos, constituem o grupo dos scrofulosos.

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Provam todas as estatisticas publicadas dos innumeros hospitaes, que nasceram da evocação evangelisadora de Barilai – o apostolo fervente dos sanatorios maritimos – que a percentagem de cura dos scrofulosos ahi tratados é de 70 a 80 por cento.

Quer dizer, que o clima maritimo, não só desimpregna os que hereditariamente nasceram, com as vidas cellulares viciadas pelas toxinas fabricadas pela doenças dos paes, mas é capaz de matar os bacillos que determinam as lesões locaes tuberculosas, de activar a dissolução e o desapparecimento dos cadaveres d’esses bacillos – uma das maiores difficuldades para a completa cura de todas as tuberculoses, como o provou Gamaleia, demonstrando que esses cadaveres conservam por largos annos terrivel virulencia, e ainda favorecendo a eliminação dos venenos circulantes.

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Como consegue o clima maritimo tão prodigioso resultado?

Permittindo pela sua constancia que os doentes estejam mais tempo ao ar livre; porque esse ar é mais oxydante. Contém elementos que melhor favorecem as combustões intra-organicas; porque este ar, pela sua extrema pureza, não só melhor se proporciona á funcção capital da respiração, mas ainda permitte que a luz, mais intensa, attinja o maximo do seu poder desinfectante; e emfim [sic] porque o ar do mar contém traços de iodo, de sal, chloreto de sodio, etc., que estimulam duplamente a vida por serem excitantes directos da actividade cellular e porque estimulam o grande apparelho eliminador chamado – o systema lymphatico – tão preguiçoso, tão lento, tão insufficiente nos scrofulosos.

Constante, puro, oxydante e excitante eis as condições cardeaes da acção da atmophera marítima

A constancia é dada pela uniformidade maior dos elementos clinicos, menores desvios thermicos, nychtemeraes, mensaes e annuaes, menores variações hygrometricas, pela menor quantidade de chuva – pois é regra que chove menos nas costas do que no interior das terras – rareando ainda as trovoadas e portanto dando-se menos essa anciedade [sic] penosa da tensão electrica.

A oxydação é facilitada pela abundancia do ozone [sic]. É lel [sic] reconhecida em climatologia que o ozone é mais copioso na atmosphera maritima do que mesmo nas grandes altitudes e nas florestas onde o ozone attinge elevado grau. Ora o ozone é um dos excitantes mais energicos da vitalidade, augmentando a oxyhernoglobina e melhorando a nutrição geral. É considerado como um dos mais activos germicidas e a sua acção sobre o bacillo de Koch é conhecida. Ainda a maior pressão barometrica do mar facilita e exagera as combustões intra-organicas.

A excitação dos actos nutrictivos, sendo a consequencia da somma de todos os elementos da atmosphera occeanica, é, sem duvida, tributaria da presença do iodo, que o ozonometro revela, e aiada [sic] da quantidade de chloreto de sodio que as poeiras do mar trazem, arrastadas pelo vento.

A pureza do ar do mar é demonstrada nos interessantes estudo [sic] de Miquel. Achou este illustre bactereologista por cada metro cubico d’ar

                               bacterias

Mar alto …..….……….        0,6

2:000m altitude ……….     3

Rua Rivoli …………….    3480

Esgotos de Paris ……… 6000

Hotel Dieu …………….   40000

Labsque e Rivière, completando este trabalho em relação ao ar maritimo das costas acharam respectivamente, segundo havia ou não junto florestas de pinheiros

               0,4    a            8  bacterias

            150      a          155      »

A importancia da pureza do ar sae d’esta consideração, que o ar é o primeiro dos alimentos e que a pureza, significando ausencia de poeiras, permitte á luz solar o maximo d’acção.

Assim, as creanças, á beira mar, conseguindo permanecer o mais tempo possivel ao ar livre, nas condições acima indicadas, teem a inapreciavel vantagem de poderem utilisar o maximo d’acção d’esse grande agente microbicida chamado luz.

Para mostrar a influencia da luz na vida dos microbios e explicar a acção d’esse agente em processos infecciosos é bom lembrar algumas experiencias.

Pansini introduz gottas de uma cultura de carbunculo asperogeneo em agua, que sujeita á acção do sol. Inicialmente contou 2520 bacterias por centimetro cubico, depois d’uma exposição de 20’ – 130, de 30’ apenas 44 e de 45’ – 0.

Procuccini, expondo ao sol a agua d’esgoto contendo 300 a 400 mil bacterias por centimetro cubico, no fim do dia o liquido estava esteril.

Mais curiosa é a observação de Buchner nas aguas do Isar; ás 4 horas a. m. contou 520 bacterias por centimetro cubico, numero que foi diminuindo com as horas do dia, de modo que ás 8 horas da noite havia apenas 5 por centimetro cubico.

Cobrindo uma placa de gelose que se inoculou d’uma cultura de carbunculo, com um papel preto recortado, e expondo a preparação á luz solar, a cultura toma a forma exacta d’esse papel.

Trabalhos especiaes de Koch demonstram ter a luz identica acção sobre o bacillo da tuberculose.

Colocadas sob a acção constante d’esse modificador maravilhoso – o ar maritimo – as creanças scrofulosas transformam a sua natureza, corrigem os seus humores e todas as cellulas libertadas da grilheta das toxinas obteem o equilibrio mais estavel, e tornam-se creanças sãs.

Os sanatorios maritimos são o instrumento proporcionador d’esse meio de cura.

Ha quem julgue isso pouco.

Muitos exigem que o sanatorio conferisse a invulnerabilidade, sem se lembrarem que a mythologia não é dos nossos tempos.

O sanatorio cura porque ali sabe-se, pode-se e quer-se curar. O sanatorio transforma o vencido – tantas vezes já condemnado – em luctador resistente, apto até a entrar com vantagem na senda espinhosa da vida. Se futuras impericias ou imprevidencias o fizerem de novo succumbir não é certo a esses sanatorios nem tão pouco ás benemeritas instituições que os levantaram, que se deve pedir responsabilidades. Esses sanatorios e essas instituições não pretendem, nem pretenderão nunca resolver as difficuldades de todas as contradições economicas.

ANTONIO LENCASTRE.


Referência bibliográfica

António Lencastre - "Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Sanatorios maritimos / (Physiologia)" in Diário de Notícias de 4 de Junho de 1900, nº. 12389, p. 1 (c. 4-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1621.



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