Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.1633)

Assumptos do Dia

Assistencia Nacional aos Tuberculosos

Carne e leite

Um dos meios por que se faz a transmissão do germen tuberculoso é – já o deixámos dito – pelo leite e pelas carnes de alimentação. O distincto medico portuense sr. Arantes Pereira, discreteando na Sociedade União Medica, sobre o contagio da tuberculose, que ali se discutia, e dissertando sobre a distribuição geographica d’aquelle morbo, cita, a tal respeito, o celebre trabalho de Brusch (Med. Mod. n.º 43, julho de 97) e prova, com elle, que a tuberculose augmenta, nos diversos paizes com a maior proporção de gado vaccum [sic], ou bovino, para cada habitante, e com o maior uso do leite e da carne de vacca. – Assim por exemplo: na Islandia, em condições de clima identicas ás da Dinamarca (onde a tuberculose está na relação de 2 a 3 por %), é rara esta doença: as vaccas só dão ali leite no verão e quasi se lhes não emprega a carne para a alimentação. Os kirguis das steppes russas não teem a vacca domestica e consomem, por isso, o leite da egoa e a carne de cavallo: gosam por este facto, de completa immunidade para a tuberculose, o que tambem succede aos esquimaus [sic], que domesticaram o rangifer em vez da vacca. Os esquimaus, porém, que habitam a Groenlandia [sic], especialmente os da classe media, criam vaccas, consomem-lhes o leite todo o anno, e contraem frequentemente a tisica.

Na India, onde a vacca é sagrada, usava[-]se só leite de bufalo, sendo então desconhecida ali a tuberculose; desde que, com os inglezes, foi introduzida a vacca leiteira, já em alguns pontos a tisica ceifa muitas vidas, tendendo a alastrar por toda a India. – Muitos outros exemplos se apresentam n’aquelle trabalho, comprovativos da transmissão da tuberculose pela carne e pelo leite de vacca.

Segundo a opinião auctorisada do sr. Sabino de Sousa, expressa no congresso de Coimbra, «a maioria de Portugal come carne tuberculosa e bebe leite tuberculoso.» – Isto deve ser assim, visto que, em quasi todo o paiz, a fiscalisação das rezes a abater e das vaccas leiteiras não existe, ou – o que é peior [sic] – é feita...

De uma villa sabemos nós, onde este «fiscalisação» está confiada... a quem pódem supôr os nossos benevolos leitores – se alguns temos – que foi confiada?... Je vous le donne en mille... Á mulher do calceteiro da camara!... Ha bons seis ou sete annos já nós advogámos, n’um semanario que então dirigiamos, a necessidade da fiscalisação «por veterinario» das carnes d’açougue e das vaccas de leite. Gastámos n’isso o melhor da nossa logica e da nossa erudição, que por tal fórma «assombrou» a respectiva edilidade, que ainda hoje não voltou a si, ficando, portanto, impossibilitada psychicamente de tomar as providencias, que miudamente lhe apontávamos. Ella e as que lhe succederam; tal foi o effeito intensissimo do meio que escolheramos para remediar um grande mal.

A verdade é que as camaras municipaes, na sua maioria, são constituidas por pessoas muito dignas, muito respeitaveis, mas sem a illustração bastante para comprehender a importancia d’esta e de outras questões de hygiene e de policia sanitaria. É ao governo que compete, pois, providenciar, obrigando as camaras, que o não tiverem já feito, a crear um partido de veterinario e a provel-o em pessoa idonea. A esse veterinario incumbirá a inspecção de todo o gado, que for abatido nos matadouros do municipio e a inspecção tambem das vaccas de leite.

O ordenado seria de 400 a 600 mil réis annuaes, conforme a importancia do municipio e o trabalho a desempenhar.

Por esta medida os cursos de veterinaria voltariam a ser mais frequentados e crear-se hiam assim muitos logares para serem preenchidos sem o menor gravame para o Estado. A lucta contra a tuberculose não deve só travar[-]se nos grandes centros de população; é preciso que se generalise, que se empenha em todo o paiz.

Lá fóra, na provincia, por essas miseras aldeolas e tristes logarejos, onde a hygiene é – e será – a negação completa de quanto a sciencia nos ensina, onde o typo robusto do bom aldeão e o não menos vigoroso e sadio do camponez se apresentavam, não ha muito tempo ainda, como trincheiras e baluartes, que as doenças de peito não assaltavam, nunca, vae a tuberculose – mercê do contagio pela maior facilidade das communicações com os grandes centros – devastando cruelmente, não poupando sexos, nem escolhendo idades – Pois bem: a esses infelizes desherdados, que nascem e vivem só para o trabalho rude, que para seu uso só teem de bom o que lhes não podem tirar: o ar tonificante e puro do campo e o bom sol que lhes aquece as energias, a esses eternos proletarios, quando alimentam seus filhos com leite de vacca, quando vão ao açougue buscar carne para os seus doentes – e só n’estas circumstancias [sic] lá vão – dê-se-lhes, ao menos, a certeza de que não matam os filhos com o leite que lhes fornecem e de que na carne, com que alimentam os seus doentes, não vae em vez da saude que lhes procuram – ás vezes com que sacrifício! – o germen d’outra molestia, muito mais grave ainda do que a que pretendem debellar.

Se a Assistência Nacional aos Tuberculosos conseguir dos poderes publicos este enorme beneficio para as povoações ruraes, não será elle o menor dos muitos que está promovendo, nem o menos valioso e humanitario de quantos se propõe prestar.

Alves Crespo.


Referência bibliográfica

Alves Crespo - "ASSUMPTOS DO DIA / Assistencia Nacional aos Tuberculosos / Carne e leite" in Diário de Notícias de 9 de Julho de 1900, nº. 12424, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1633.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Opinião

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema

Associação/Sociedade
Outros
Palavras Chave


Notícia