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Curso Superior de Lettras

Excursão geographica á Serra da Arrabida

Só hoje nos é possivel dar umas notas ligeiras sobre os principaes phenomenos sobre que mais incidiu a attenção dos estudantes excursionistas, phenomenos que serão objecto de conferencias de propaganda scientifica feitas por alguns dos mesmos estudantes, tres pelo menos, segundo somos informados.

Iniciaremos as nossas notas sobre esta excursão, em tudo nova entre nós, por frisar que foi cumprido á risca o programma previamente estabelecido pelo professor dr. Silva Telles, qualidade que achamos digna de nota entre as muitas qualidades por que esta excursão se impõe, sobrelevando a da sua iniciativa, partida de uma associação de estudantes, a Associação Academica do Curso Superior de Lettras, que é digna do maior respeito e mais rasgados encomios e cujo exemplo não deve nem pode passar despercebido no nosso meio academico.

Partidos de Lisboa em 21 á tarde, foram os excursionistas pernoitar em Setubal, onde tiveram uma recepção enthusiastica da parte dos seus collegas d’aquella cidade.

No dia 22, ás 7 horas da manhã, sairam por mar para o Portinho da Arrabida.

O director da excursão, professor Silva Telles, ia-lhes minuciosamente indicando os traços phisionomicos da parte da serra em contacto com o mar.

O estuario do Sado, as divagações d’este rio, o promontorio de avulsão onde se encontra Troia – estudo que se fará em outras excursões – foram assumptos de varias considerações sobre potamologia, ramo interessantissimo das sciencias geographicas pouco cultivado entre nós, mas a que a Associação Academica do Curso Superior de Lettras tenciona destinar, por isso mesmo, algumas das suas forças ainda fracas, para o seu desenvolvimento de capital importancia n’um paiz essencialmente agricola como o nosso.

Logo depois do Outão, os excursionistas puderam tomar nota do aspecto das escarpas terminaes d’essa parte da serra, a disposição e orientação dos estratos e os caracteres do seu relevo.

Entre a Galapa e o ilheu da Anixa os desvos [sic] dos estratos foram registados com cuidado.

Logo em seguida, e até ao sinclinal do Portinho, e a proposito do que iam observando o professor dr. Silva Telles, expoz aos seus alumnos as idéas do illustre geologo sr. Paul Choffat, cujo trabalho, sobre a geologia da Arrabida é um livro indispensavel para comprehender a physionomia revolta d’esta serra.

Os excursionistas tomaram nota da fractura do Alpertuche no auticlinal [sic] do Solitario dos desvinelamentos [sic] dos terrenos entre o Calhau do Risco e os ilheus Tres Irmãs, das fórmas caracteristicas que apresenta a Serra do Risco, dos afundimentos que, segundo o sr. Choffat, ter-se-iam dado em virtude da resistencia das massas devonicas que se estendem ao oriente, pelo Alemtejo [sic], feições estas que os alumnos e a maior parte dos professores de geographia do nosso paiz apenas conhecem por photographias de logares estrangeiros, ás vezes bem menos expressivas que os logares agora observados pelos excursionistas e, em qualquer caso, sempre bem longe de permittirem fazer uma idéa nitida do que as coisas são na realidade.

Das feições geographicas mais interessantes, foram tiradas photographias, que hão de servir brevemente para elucidar as conferencias de alguns alumnos, como dissémos, vão realisar sobre esta excursão scientifica.

Como se não tratava desta vez de um estudo especial, mas de se obter unicamente um conhecimento somatico da zona que se ia percorrer, os alumnos, depois de terem subido o castello de Cezimbra – o auticlinal do Castello – puderam observar a disposição muito interessante do triangulo de Cezimbra e do seu aspecto geomorphologico, que é caracteristico.

Contornaram, em seguida a pé, a Serra do Risco, por muitos motivos interessante, quer pela sua fórma geral, inconfundivel, quer pela sua feição estratigrafica, digna de demorado estudo.

Entre a Serra do Risco e o Fôjo, os excursionistas demoraram-se no exame das fórmas de erosão, de suagregação [sic], dos processos naturaes de ruina das montanhas, observando com grande interesse e attenção uma das mais interessantes zonas no ponto de vista geographico de todo o seu itinerario.

No começo da noito [sic] entraram no Valle do Solitario de um aspecto phantastico áquella hora. Os raios da lua filtrando-se atravez dos troncos, mal illuminavam a vereda pedregosa e rude sobre que os excursionistas difficilmente caminhavam. Á saida da matta a caravana demorou-se analisando a fenda do Alpertuche vista do alto, feição geographica de uma belleza indescriptivel. Era já noite cerrada quando chegaram ao Portinho; tinham andado mais de 20 kilometros, medidos em pedometros de que alguns alumnos iam munidos, num percurso irregular e accidentado.

No Portinho, onde já tinham almoçado, foram recebidos e hospedados, com uma gentileza captivante, pelos srs. dr. Fernandes Costa e Frederico Fernandes.

No dia 23, depois de uma matutina visita á gruta de Santa Margarida, ás 9 horas da manhã, após o almoço, percorreram os excursionistas toda a encosta em cima do Formosinho, onde estão os conventos Novo e Velho, o Bom Jesus, as Guaritas, monumentos que visitaram, demorando-se principalmente na observação geographica desta parte da Serra, destinada a um largo futuro pelas suas excepcionaes qualidades, unicas no paiz e rarissimas em toda a Europa. Ás 11 ½ começaram a ascensão do Formosinho, o ponto culminante da Serra, atravez da matta incomparavel de S. João do Deserto que o professor de botanica, dr. Robert Chodat, reitor da Universidade de Genebra que, ha dois annos a visitou, qualifica de l’un des derniers sinon le dernier vestige d’une forêt préglaciaire sud-europienne [sic].

A matta do Solitario como a da S. João do Deserto são interessantissimas sob o ponto de vista da geographia botanica. Os trabalhos de Daveau, de Codat [sic] e outros foram indicados aos excursionistas pelo professor dr. Silva Telles. Percorreram depois a zona que vae do Alto do Formosinho ao Alto da Cascalheira descendo ao Valle do Pecheleiro e Azeitão pela matta da Confeitaria. No Alto do Formosinho e na vertente norte da Serra foram minuciosamente examinadas todas as feições geographicas: fórmas de desnudamento, dirruição e inclinação diversas dos anticlinaes [sic], formação das planicies e relevos de accumulação, etc.

Durante os dois dias da excursão, e principalmente quando os excursionistas percorreram a face sul da Serra, o professor dr. Silva Telles acentuou mais de uma vez a importancia das qualidades excepcionaes da Serra da Arrabida não só como centro de attracção dos «touristes» que em parte alguma da Europa encontram uma paisagem tão pittoresca e grandiosa, mas tambem no ponto de vista do seu aproveitamento para sanatorios de convalescentes, estações de repouso, etc.

Durante toda a excursão o professor dr. José Maria Rodrigues que acompanhou sempre os excursionistas, deu a estes preciosas e interessantissimas notas sobre assumptos historicos ligados aos logares que visitavam e a toda a Peninsula da Arrabida que eram registadas pelos alumnos com o maior interesse.

No regresso dos excursionistas, em Azeitão, foi lhes offerecido um «lunch» pelo conhecido e intelligentissimo viticultor sr. José Antonio Fernandez, em cuja casa veiu [sic] esperar os excursionistas o sr. dr. Fernandes Costa, cuja amabilidade inexcedivel deixou profundamente reconhecidos, tanto os professores srs. drs. Silva Telles e José Maria Rodrigues, como todos os alumnos que os acompanhavam.

É esta a primeira excursão scientifica que uma escola superior de Portugal faz á serra da Arrabida, que com os mesmos intuitos já foi uma vez visitada por uma excursão de estudantes, mas estudantes suissos, acompanhados do professor Chodat, a cuja obra já nos referimos.

É significativo que até no estudo das bellezas do nosso proprio paiz, como de resto em tudo o mais, tenhamos sido precedidos pelo estrangeiro.

Outras excursões, porém, para consolação nossa, nos promette realisar á mesma serra a Associação Academica do Curso Superior de Lettras, dentro de um programma definido, no intuito de tornar conhecido e aproveitado para a sciencia e para o paiz um dos fragmentos mais bellos não só de Portugal mas da Europa inteira.

Á prestimosa Associação que vem iniciar entre nós uma nova e digna vida academica e os modernos processos de ensino, os nossos reiterados encomios, mais uma vez, e oxalá que o seu exemplo fructifique, fazendo sinceros e ardentes votos por que o seu plano grandioso e utilitario não claudique, como estamos habitados a ver claudicar todas as idéas prestimosas, entre nós.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "Curso Superior de Lettras / Excursão geographica á Serra da Arrabida" in Diário de Notícias de 27 de Janeiro de 1910, nº. 15878, p. 1 (c. 6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1673.



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