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O cometa Halley – A sua influencia provavel sobre a Terra – Necessidade de observações astrophysicas

O cometa Halley, celebre na historia da astronomia por ser o primeiro cuja orbita foi calculada e tambem por ser aquelle que tem sido contemplado maior numero de vezes, avançou para a Terra, no decurso de 80 dias, isto é, de 12 de setembro a 1 de dezembro de 1909, de 300 milhões de kilometros, ou cerca de 3 milhões e meio de kilometros por dia.

Ao passo que o cometa Halley – apenas accessivel, pela sua fraca nebulosidade, á photographia – caminhou só para a Terra até meado de dezembro, continua progressivamente a dirigir-se para o Sol até 20 de abril, época em que deverá distar 90 milhões de kilometros do Sol (sua menor distancia orbitaria).

N’esse momento, elle ficará mergulhado nos effluvios das radiações electrica, calorifera e luminosa do Sol, radiações que contribuirão naturalmente para o fazer passar por varias metamorphoses, produzindo uma especie de phosphorescencia que, prolongando-se em direcção opposta ao Sol, fará mostrar essas caudas formidaveis que teem sido a admiração e o terror dos nossos antepassados.

Seguidamente, affastar-se-á do fóco luminoso do astro do dia, marchando na vastidão do Espaço até se perder na noite ultraneptuniana, porquanto a sua orbita é percorrida em cerca de 75 annos.

Em virtude do contraste dado entre a orbita elliptica do cometa, que é quasi parabolica, e a da Terra que é quasi circular, o cometa, que se afastou da Terra em meado de dezembro para se approximar de novo em 20 de abril, é possivel que passe, em 18 de maio, entre o Sol e a Terra, segundo os melhores calculos dos astronomos, inglez Crommelin e americano Searle.

Mas o que mais interessa aos habitantes da Terra, é saber se o cometa, que na sua maxima approximação dista de nós 26 milhões de kilometros e que póde ter uma cauda de 30, 40 ou 50 milhões de kilometros, chegará a attingir-nos e a envolver-nos durante algumas horas.

Ora n’uma entrevista (publicada n’este Diario) feita ao nosso venerando mestre o vice-almirante e engenheiro hydrographo sr. Campos Rodrigues, sabio director do Real Observatorio Astronomico de Lisboa, foi por elle declarado, com a auctoridade que o caracterisa, que, quando a cauda cometaria envolvesse o nosso planeta, ella pela sua tenuidade nenhum mal lhe poderia fazer; e, antes pelo contrario, o cometa é que poderia ser prejudicado.

Posta de parte a importância, sob o ponto de vista da mechanica, do choque do cometa com a Terra, resta-nos encarar este phenomeno sob outros aspectos, taes como: meteorologicos, magneticos, sismologicos, etc.

Os phenomenos electricos, para os quaes a sua theoria é, na hora actual, [a] mais perfeita de toda a physica, quan[d]o applicada aos corpos celestes, deixa-nos ficar perplexos.

Se é certo que os phenomenos electromagneticos e electostaticos desempenham um papel importante no systema solar, razão alguma ha para não admittir que elles gosem d’um papel de não somenos importancia nos cometas.

Está demonstrado á evidencia qua a variação do campo magnetico terrestre se faz parallelamente á variação da «actividade solar». Este parallelismo, que não offerece hoje duvida, mesmo aos mais scepticos, contraprovando consequentemente a existencia do campo magnetico da Terra, affigura-se-nos que se estende aos outros astros.

Dos estudos, a que se consagrou o eminente director do observatorio de Pulkova, sobre o cometa d’Encke, deprehende-se a existencia d’um campo analogo, por isso que o nucleo d’este cometa se encontrava submettido, afóra as influencias que poderiam produzir as forças perturbadoras newtonianas, a uma outra influencia que, pelo mesmo illustre astronomo, foi considerada como proveniente de uma força de origem electromagnetica.

Até as proprias variações no campo magnetico, em que o cometa se move, devem originar correntes electricas na materia de que elle é constituido, dando logar a effeitos luminosos, semelhantes áquelles que se observam nos tubos de Geisler, quando são deslocados n’um campo magnetico intenso.

Além, d’isso, como o sol emitte ondas electromagneticas, que quando chegadas á terra perturbam os magnetographos, e bem assim outras constitutivas da propria luz que nos impressionam a retina, da mesma sorte essas ondas, encontram um cometa, devem causar phenomenos luminosos, electricos, etc.

Em resumo, essa onda electromagnetica, emanada do sol, que perturba na terra o magnetographo e no cometa faz variar a intensidade luminosa, traduziria, n’uma telegraphia sem fio interastral, uma onda hertziana para a qual o cometa comportar-se-ia de «detector electrolytico» e o magnetographo de «cohesor».

Do exposto, se deprehende qual a importancia do papel da electricidade nos cometas. Berthelot viu n’ella o motivo das combinações hydrocarburadas do azote, indicadas pela analyse espectral, no cometa Morehouse (1908c). Ainda relativamente ao cometa Morehouse, a importancia da electricidade foi nimiamente [sic] manifestada nas observações realisadas pelo sabio Deslandres, no observatorio astrophysico de Meudon França); no observatorio Yerkes (Estados Unidos); no observatorio particular de Juvisy (França); pelo illustre astronomo Quénisset, etc.

N’este cometa (Morehouse) verificou-se um extraordinario campo electrostatico, em que as forças electromagneticas vinham actuar associadamente com a força repulsiva do sol.

De tudo isto se deve inferir que naturalmente a meteorologia electrica (electricidade atmospherica), e bem assim as correntes telluricas (um dos ramos da geophysica) devem interessar n’essa occasião a humanidade), não só sob o ponto de vista physiologico, embora longe de nós a idéa de qualquer cataclysmo, mas sob um ponto de vista, egualmente altruista, que é o scientifico.

Taes estudos, com magoa o dizemos, julgamos não poderem ser feitos em Portugal, por não existir um observatorio astrophysico, onde se estudem: a «ionisação do ar»; a «dispersão da electricidade»; o «potencial atmospherico»; a «producção e intensidade das ondas hertzianas geradas pelas descargas atmosphericas»; e, por fim, as «correntes telluricas» (correntes naturaes electricas que circulam na crusta [sic] terrestre).

Os phenomenos sismicos (meteorologia endogena), segundo as teorias mais modernas e dependentes das crises do Sol, devem egualmente reclamar a attenção dos nossos homens de sciencia; pois, que sendo um facto perfeitamente assente o da productibilidade das correntes telluricas no momento dos tremores de terra, e desenvolvendo-se estas correntes sob a influencia da actividade solar, tudo nos conduz a acceitar que é presumivel a producção de quaesquer phenomenos sismicos pela proximidade do cometa. Para isso seria sufficiente que a energia electrica do Sol fosse perturbada pela interposição do cometa Halley.

As correntes telluricas, que tão grandes perturbações trazem para as linhas telegraphicas e acompanhadas quasi sempre de perturbações magneticas, auroras boreaes, etc., resultam das variações experimentadas pela electricidade atmospherica, a qual poderá servir tambem de intermediaria entre o Sol e a crusta terrestre para a apparição das perturbações sismicas.

Dos phenomenos magneticos não trataremos, pois são do conhecimento de todos as fluctuações porque passam os elementos magneticos e, consequentemente, as variações que perturbam as agulhas magneticas, quando haja qualquer pequena oscillação na energia cinética do Sol.

Desde 1751, que Celsius, em Upsal, fez tal revelação, até hoje, nunca a existencia d’essa relatividade soffreu a minima objecção. Cooperaram activamente na vulgarisação d’esta correlação, Sabine em 1852 e Ellis em 1879.

Terminando, para não alongar mais o artigo, seja-nos licito fazer votos para que Portugal se colloque a par das outras nações, que devotadamente tratam d’estes estudos.

N’este modo de sentir, é que entendemos que a iniciativa particular (como se dá no estrangeiro), auxiliada pela iniciativa official, poderia contribuir não para obter observatorios de primeira ordem, como os de: Greenwich (Inglaterra); Catania (Italia); Ebro (Hespanha); Zo-S’e (China); etc., que n’estes ultimos tempos tão perseverantemente teem trabalhado nas estatisticas solares das manchas e faculas, para a affirmação que a maioria dos phenomenos terrestres tem a sua razão da existencia na energia electrica do Sol, mas apenas para a acquisição de instrumentos astro-physicos, com que se estudem as meteorologias «electrica» e «endogena» tão utilitarias á agricultura, navegação, hygiene, etc. Assim o exigem o bom nome e o lustre do nosso paiz, como intellectual, para não ficar na rectaguarda das demais nações cultas.

A. RAMOS DA COSTA.


Referência bibliográfica

A. Ramos da Costa - "O cometa Halley – A sua influencia provavel sobre a Terra – Necessidade de observações astrophysicas" in Diário de Notícias de 7 de Fevereiro de 1910, nº. 15889, p. 4 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1684.



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