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Chronica scientifica

A observação das tempestades – Estudo das descargas electricas atmosphericas – Fundamento da previsão meteorologica

No ultimo artigo da secção referimo-nos, ainda que muito ao de leve, á possibilidade da previsão das tempestades, dificil problema cuja solução interessa tão intimamente os meteorologistas e constitue um dos mais constantes desejos de toda a gente que necessita achar meio de se collocar a salvo dos perigos e percalços de que ellas dão causa.

O dito, já envelhecido, de que o celebre Franklin inventando o pararaios [sic] arrebatou o raio ás nuvens, não ficou sendo apenas um requinte de elegancia literaria. Foi o registo memoravel de um facto inicial, sobre cuja importancia não é licito insistir demasiadamente, por ser de convicção unamime o seu aproveitamento[.] O que nem todos pensarão é que essa gloriosa descoberta, de uma engenhosa simplicidade, que tem a marca do genio, é a precursora de inventos que hoje satisfazem pelo menos em parte, aquelles desiderata.

Vamos agora, em vista da importancia geral do assunto e da sua actualidade, tentar de um modo sumario dar uma idéa do que seja o systema de previsão das tempestades, pela aplicação dos principios ultimamente estabelecidos em electricidade.

Por mais que aturados estudos, seguidos desde seculos a este respeito, muito hajam contribuido para o aumento de conhecimentos sobre os phenomenos atmosphericos, ainda hoje a sciencia meteorologica não pode sem louvavel hesitação, que a duvida scientifica justifica, ditar a lei pela qual se rege essa phenomenalidade e crear os necessarios elementos de previsão do tempo. Comtudo [sic] a physica, a mechanica e outras sciencias de fecundas aplicações teem prestado nestes ultimos annos á meteorologia valiosos subsidios, sobretudo em instrumentos de observação e registo das alterações que se passam entre o ar e o solo e que tanto se relacionam com a fragil existencia humana e em geral com as variadas manifestações de vida que por toda a parte se encontram.

Pondo de parte por agora as observações que levaria o estudo das nuvens, cingir-nos-emos aos breves elementos sobre a electricidade atmospherica, que imediatamente entra em acção nas crises tempestuosas. Um primeiro ponto a considerar é a proveniencia desse agente no envolucro gasoso da Terra. É de vulgar conhecimento se carregam de electricidade. Donde vem esta capacidade de electrização? Muitos phenomenos physicos podem original-a, por exemplo, a evaporação. A quéda continua de gotas de agua pura atravez do ar produz uma mudança no estado electrico deste elemento, ficando ellas carregadas positivamente, enquanto o ar o está negativamente. Fazendo-se uma condensaçao de vapor na atmosphera as pequeninas gotas que o formam reteem quantidades infinitesimas de electricidade. Em virtude da condensação aumenta o potencial da carga espalhada no ar, pelo principio reconhecido experimentalmente de que este potencial cresce quando o conductor ou condensador diminue de volume. Esta tensão electrica eleva-se pois com o agrupamento das gotas de agua. Junta-se a isto a electrização por influencia, isto é, desde que as nuvens, em consequencia da condensação, se aproximam do solo, esta pela sua electricidade propria determina a separação das nuvens em dois partidos, de nomes contrarios. É o phenomeno já sabido de um corpo isolado, do qual se aproxima um conductor electrizado, apresentar a sua carga dividida em dois campos de electricidades contrarias. É o que se denomina usualmente electrização por influencia.

As nuvens podem carregar-se pois de potenciaes diversos entre ellas e diversamente ainda para com o solo de que se acham proximas. As suas descargas, de efeitos luminosos e sonoros, que compõem por vezes os mais bellos espectaculos e tambem os mais perigosos, são as tempestades electricas ou propriamente ditas. Estas são portanto devidas á instabilidade dos elementos electricos da atmosphera, produzida por um movimento ascendente do ar.

Os meteorologistas distinguem as tempestades de calor e as de depressão. As primeiras são devidas ás diferenças de temperatura das camadas de ar em contacto com o solo. São as trovoadas de verão, muito restrictas. As outras são consequencia de movimentos trubilhonaes da atmosphera (cyclones) e podem fazer longos itinerarios.

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A previsão das tempestades pode-se entender sob dois pontos de vista diversos. Primeiro a determinação das condições da formação dellas e d’ahi o annuncio das que provavelmente se hão de desencadear. É esta uma funcção particularmente dificil, perante os conhecimentos actuaes da meteorologia, pelos quaes apenas se podem formular circunstancias de ordem geral, que não permittem uma precisão rigorosa. No segundo ponto de vista procura-se, dada a formação de uma tempestade, assinalar logo no começo a sua eclosão e transmittir ao longe o sentido em que ella se desloca, de modo a dar ocasião ás prevenções, de certo muito uteis, sendo executadas a tempo.

É ao estudo das ondas chamadas hertzianas que se deve o estabelecimento desta especie de previsão, que vem a ser um dos mais felizes empregos da telegraphia sem fios.

Data de 1896 a utilização de um dos orgãos delicados deste invento – o cohesor – á observação das descargas electricas aereas (Popoff). Este orgão essencial é apenas um tubo de vidro com limalha metallica moderadamente apertada entre dois fechos tambem de metal, ligados por dois conductores um á antena e outro á terra. O estado de divisão da limalha opõe-se normalmente á passagem de qualquer corrente electrica, mas se a antena receber ondulações ou descargas, ainda que de longe, a resistencia do cohesor diminue a ponto de se deixar atravessar por uma corrente de pilha, em cujo circuito se acha interposto. Um choque repentino fal-o voltar ao estado primitivo. Cada posto de observação especial das tempestades é constituido por um receptor de telegraphia som [sic] fios. Alguns experimentadores adicionaram um aparelho inscritor para fornecer o traçado indicador ou um telephone e uma campainha de alarme. Os dispositorios divergem apenas em questão de pormenores.

A instalação de postos deste genero é um meio muito apreciavel de defeza de uma região, pelos avisos que prontamente expedem, fazendo com que se tomem com rapidez as precauções necessarias para evitar os desastres causados pelas tempestades. Sabendo-se que a sensibilidade de taes aparelhos é muito grande, registando descargas sucedidas a 200, 300 e 400 kilometros, comprehende-se que se possa conhecer não só a distancia relativamente grande a formação de uma tempestade, mas ainda a sua direcção e o sentido em que se encaminha.

Na sequencia de numerosas observações feitas no posto de Saint-Émilion, o professor Turpain, de Poitiers, viu que este methodo de observações das tempestades era realizavel.

Não só pelos movimentos do ponteiro registador como pelo telephone se pode ter a noção do afastamento ou aproximação da tempestade.

O aparelho de Turpain, de sensibilidade graduadas [sic], construindo [sic] para este efeito e experimentado no observatorio de Puy de Dôme, conseguiu registar um grande numero destes phenomenos, algumas vezes dois dias antes da observação directa das descargas, o que faz crêr que a advertencia por este modo proporcionada venha a ser realmente util.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

José Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / A observação das tempestades – Estudo das descargas electricas atmosphericas – Fundamento da previsão meteorologica" in Diário de Notícias de 8 de Março de 1910, nº. 15917, p. 1 (c. 5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1718.



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