Papagaios volantes
Precaução a tomar contra a ruptura do cabo de sustentação
O coefficiente de segurança, que, como já aqui dissémos, parece convir para o cabo dos papagaios, é o coefficiente 3; todavia, em virtude das fortissimas tracções a que dão logar ás rajadas, torna-se necessario empregar disposições especiaes que as attenuem evitando que o cabo se parta em consequencia d’esses esforços anormaes.
Batut preconisa o emprego d’um intermediario de cautchuc entre o cabo e as redeas que em virtude da sua elasticidade não tende bruscamente o cabo, transmittindo-lhe, sem choque, o esforço supplementar provacado [sic] por algum augmento brusco da intensidade do vento.
Outro processo consiste em fazer avançar o ponto de ligação e que permitte diminuir a incidencia e portanto attenuar o valor da pressão do vento sobre o papagaio.
Com effeito, a pressão do vento sobre uma superficie é maxima quando esta é normal á sua direcção, e vae diminuindo á medida que ella se inclina sobre a direcção do vento. Ora o avanço do ponto de ligação ou o que vem a ser o mesmo, o alongamento do braço inferior das redeas do plano de symetria do papagaio, (ou de dois ou mais braços inferiores, symetricamente collocados em relação áquelle plano), fazendo inclinar o papagaio sobre o vento, diminue o valor da pressão do vento sobre o papagaio, e, por consequencia, a tracção que este exerce sobre o cabo de sustentação.
O avanço do ponto de ligação póde obter-se por dois processos: intercalando entre o cabo e as redeas um fio delgado que recebe a pressão do vento, e que partindo-se, desde que este attinge um certo valor, manobra um gatilho que faz avançar o ponto de ligação; ou empregando redeas elasticas que permittam regular, automaticamente, a sua posição.
O primeiro processo não é aconselhavel, visto que altera de um modo permanente as condições de equilibrio do papagaio, depois de haver funccionado, mesmo que a causa haja desapparecido; tal é o caso vulgar d’uma rajada.
O emprego das redeas elasticas deve ser preferido.
No boletim do observatorio meteorologico de Blue-Hill encontra-se um exemplo que mostra bem a sua efficacia.
Dois papagaios, dos quaes um apenas era munido de redeas elasticas, foram lançados com um vento de 80 kilometros á hora.
O papagaio munido de redeas elasticas tinha estas reguladas por fórma a não permittir que a tensão do cabo excedesse 5 kilogrammas por metro quadrado de superficie sustentadora do papagaio, e, effectivamente durante a experiencia, nunca essa tensão foi succedida, ao passo que o outro papagaio, durante o mesmo tempo, exerceu sobre o cabo de sustentação uma tensão media de 40 kilogrammas por metro quadrado de superficie sustentadora.
Quando convenientemente reguladas, as redeas elasticas, permittem assim limitar á vontade a tensão maxima do cabo de sustentação.
Vejamos agora, rapidamente, como funccionam as redeas elasticas.
Com os ventos ordinarios a tensão do cabo reparte-se entre os dois braços o A e o B das redeas, dos quaes apenas o braço B é elastico (fig. 1). Quando o vento sopre violentamente o braço elastico B alonga-se e quasi toda a tensão é supportada pelo braço A, ligado á parte anterior do papagaio, inclinando-se este tanto mais sobre a direcção do vento, quanto mais violento elle fôr (fig. 2).
Emile Veuz emprega um systema de redeas elasticas muito recommendavel (fig. 3).
Duas correias C, e de côrca [sic] de 0,m02 de largura, munidas de um furo na extremidade, abraçam um numero variavel de anneis de cautchuc A, a de 0,m10 de diametro. A secção do cautchuc é circular com um diametro de cerca de 0,m008. Um fio ff’ munido de dois nós, n e n’, distantes um do outro, limita a maxima distancia dos anneis e serve simultaneamente de fio de segurança no caso de ruptura dos anneis.
Este systema, além de simples, apresenta a vantagem de se poder regular com a maior facilidade a força do cautchuc, para o que basta abraçar pelas correias um numero maior ou menor de anneis.
* * *
Além de ser condicção de desclassificação no proximo concurso de papagaios, a ruptura do cabo de sustentação póde ter graves consequencias como mostra o seguinte accidente occorrido em Berlim em 1900 e relatado, em nota, por Marchis o seu livro «Leçons sur la navigation aerienne».
Cinco papagaios aucteorologicos Hargrane de 13m2 [sic] de superficio [sic] quebram o cabo de sustentação do grupamento, sob um vento de 12 a 13 por segundo.
A extremidade livre do cabo passando sobre um jardim a N.E. de Berlim, fórma tres anneis em volta da perna de um rapaz e corta-lh’a até á tibia; uma mulher tocada levemente pelo cabo recebe um grande ferimento na cara, muitos homens ficam com o fato rasgado e um cavallo é derruba[do] e ferido n’uma rua da cidade. Em 24 horas, os papagaios percorreram 140 kilometros, sendo encontrados no dia seguinte em Lausitz, ainda voando e conservando intactos os seus apparelhos registradores.
Se o cabo de sustentação é metallico póde ainda ir ao contacto com conductores onde passem correntes de alta tensão e occasionar graves accidentes.
Por aqui se vê a necessidade e a importancia de evitar por todas as fórmas a ruptura do cabo de sustentação dos papagaios.
Tancos, fevereiro de 1910.
Pedro F. Ribeiro d’Almeida
(Do Aero-Club de Portugal)
[NOTA - Não obstante a referência, no artigo, a 3 imagens, o jornal só publicaria uma, a figura 3, que aqui consta em anexo]
Pedro F. Ribeiro d’Almeida - "Papagaios volantes"
in Diário de Notícias
de 11 de Março de 1910, nº. 15920, p. 7 (c. 3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1720.
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