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Texto da entrada (ID.1732)

Assumptos do dia

Questões medico-sociaes

XCVI

Morte aos ratos

São varios os meios usados para apanhar e matar ratos. As ratoeiras, os alimentos toxicos, os virus raticidas, os gazes asphyxiantes, e os animaes que são inimigos naturaes e inexoraveis dos ratos, constituem os processos mais usados.

Diga-se, desde já, que as ratoeiras se prestam melhor do que outro qualquer processo, nas questões que se prendem com a propagação da peste, é apanha e destruição dos ratos, permittindo o seu exame bacteriologico, a identificação das especies segundo os seus logares de habitação, e o estudo das variedades dos ecto-parasitas com que elles cohabitam.

Ha ratoeiras de natureza, fórma e dimensões muito variantes. Todavia, nem todas são bem feitas, é preciso cuidado em as escolher, pois ha ratos sabios que conhecem o segredo de entrar na ratoeira, comer a isca e... pôrem-se ao fresco com toda a galanice. As que são bem feitas são uteis, mas o segredo da sua efficacia está no seu grande asseio e na abundancia e variedade dos alimentos destinados a engordar os ratos. De cada vez que fôrem utilisadas, se devem lavar muito bem e até chammejar as ratoeiras; a filhô de azeite, o peixe frito, o toucinho assado e o queijo são, para o caso, acepipes de primeira ordem. Não se deve retirar logo a ratoeira quando n’ella cae um rato, os seus gemidos chamam outros que tambem são apanhados.

Dos alimentos envenenados ha uns que todos podem preparar com strychinina, arsenico ou phosphoro, e outros ha já preparados e á venda, taes como a pasta Steiner que é phosphorada, a pasta Attila que é usada em Paris nos canos, e a «Qarter’s» [sic] common sense exterminador empregada geralmente em Londres. Para quem quizer uma boa preparação, pouco perigosa, mas efficaz para exterminar ratos, pode servir-se da seguinte fórmula: scilla em pó, 15 grammas, banha, 60 grammas, farinha, 15 grammas. O gesso com farinha tambem serve bem, se se collocar logo ali ao pé um recipiente com agua, o rato assim que come a mistura vae beber e morre sem demora. Com respeito aos virus raticidas, os mais acreditados são o Danysz que é a cultura especial de um microbio, applicada sobre os alimentos, e que determina uma doença mortal e contagiosa de uns para outros. O Ratite é tambem um virus do mesmo genero, e o Ratin, ainda da mesma natureza, é o agente preferido na Allemanha e na Dinamarca para dar cabo dos ratos. Estas processos microbianos, têm, todavia, uma acção fugaz, vaccinam alguns animaes que não morrem e ficam assim immunisados, e determinam reacções bacteriologicas tão parecidas como as da peste que podem sem razão para tal iniuquietar [sic] e induzir em erro quando se examinam ratos mortos por estes virus sendo longa e trabalhosa a operação de identificação a fazer para essa destrinça, em que tem por força de intervir com alguma demora os laboratorios.

Dos gazes asphyxiantes, occupa o primeiro logar o sulfuroso por que mata os ratos e seus parasitas, e se emprega por meio dos apparelhos Clayton e Marot; e o segundo logar a mistura do acido carbonico e oxido de carbono pelo apparelho Nocht, de Hamburgo, que mata rapidamente os ratos, mas, que não tem acção sobre os insectos variados que nelles se obrigam [sic].

Os animaes que teem a prenda de mais odiar os ratos, são os gatos, os cães rateiros, as cobras, o mocho e a fuinha.

As cobras prestam um grande serviço porque devoram os ratos e os insectos; os gatos são com certeza muito uteis, mas, somente antes da invasão da peste, declarada a epidemia desta doença, representam então um outro e novo perigo, visto que luctam com os ratos e convivem muito comnosco [sic].

Qual será destes o melhor processo? Todos são, na realidade, bons, e todos podem falhar. Assim, o melhor é usal-os todos simultaneamente, e em uma campanha a valer, completal-os pelos premios aos captores.

Notando-se que toda a diligencia e despeza para dar cabo de uma especie tão damninha são deveras bem empregadas. Mas, ella defende-se com astucia [e] animo. Basta a fecundidade com que a natureza a dotou para a tornar especie muito abundante e disseminada.

O rato decumanus, o mais espalhado talvez de todas as variedades, é o que vive em especial nos canos, nas tocas subterreas, nas mercearias, nos depositos de trapo e ossos, nos matadouros, e nos logares mais sujos; não gosta de aceio nem de alinho. A femea tem de cada vez 7 a 16 filhos. O rattus é frequentador mais assiduo dos navios, nada bem, e é um intrepido marinheiro; a femea tem de cada ninhada 4 a 7 filhos.

O alexandrinus é o guloso e o ladrão das farinhas, grão e mais artigos d’estas classes; não vive na canalisação nem gosta do mar, prefere as cidades e os vastos armazens de viveres. A femea, de cada gravidez, tem 5 a 10 filhos. E em todas as especies as ratas estão muito a miudo gravidas, sendo o periodo da gravidez bastante curto. O mus musculus ou morganho, é o ratinho das nossas casas, e o maior numero de filhos que a femea chega a ter de cada prenhez é de 4. As tres especies que acima citamos em primeiro logar, são as mais encarniçadas na diffusão da peste. E, para ajudar essa já grande faculdade prolifica d’esses roedores, parece até que depois de dizimados pela epizotia e pela nossa guerra, no periodo seguinte a estas crises, e para compensar as grandes perdas que a doença e os nossos meios de destruição lhes occasionam, as ratas apparecem com cedo gravidas, muito novinhas ainda, antes mesmo do tempo proprio em que normalmente isto costuma acontecer; e parece egualmente que n’essas temporadas o periodo da gravidez é menor do que o habitual, é abreviado!

São dignas de menção especial as campanhas contra os ratos realisadas em Sydney, Thompson e Ashburton, mas, a de Tokio excede-as muito, pois foram mortos 4.800:000 d’estes funestos roedores.

A ultima montaria que lhes foi feita nos Açores, em Angra, com destroço de mais de 650:000 ratos, tambem deve ficar memoravel. Honra merecida por quem a planeou e dirigiu. Bem estabelecido o periodo da peste que os ratos transportam para os portos em communicação com as regiões infectadas d’aquelle mal, convém fixar as medidas de ordem permanente que n’este sentido urge promulgar.

Segundo colhemos dos melhores estudos, são as seguintes:

1.º – Vigilancia attenta dos caes e edificios visinhos do mar;

2.º – Sendo o meio mais pratico para não ter ratos o não lhes dar abrigo nem sustento, torna-se perciso ter sob particular cuidado e em numero o mais reduzido possivel, na linha dos caes, os despositos de farinhas, de grão ou de outros artigos muito do gosto d’aquelles roedores. N’esta ordem de ideias, devem os caes ser asphaltados ou lageados em condições de não permittir que os ratos façam tocas no sub-solo, e não convem demorar muitos dias nos caes os generos de que os ratos mais gostam. A guarda d’essas mercadorias deve ser em locaes bem fechados e de facil exterminio dos ratos pelos agentes gazosos, ou cingidos por uma barreira de zinco firmada no terreno e de uma altura que não pemitta a entrada e saida de ratos;

3.º – Os armazens, hangars e depositos á beira dos caes carecem de ter nas fundações materiaes escolhidos, e nas aberturas grades miudas e solidas, tudo em ordem a não deixar que os ratos entrem e se installem nos edificios;

4.º – O esgotto que é o refugio mais vulgar dos ratos e sobretudo da especie mais sensivel do bacillo da peste, necessita ser objecto dos mais attentos cuidados. E que nunca venham abrir na visinhança dos portos ou docas as aberturas de despejo dos cannos;

5.º – A destruição dos ratos nos cannos e nas habitações deve ser proseguida [sic] methodica e incessantemente, até mesmo quando não grasse a peste.

Fica feito o cauto avizo.

G. ENNES.


Referência bibliográfica

G. Enes - "Assumptos do dia / Questões medico-sociaes / XCVI / Morte aos ratos" in Diário de Notícias de 23 de Março de 1910, nº. 15932, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1732.



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