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Texto da entrada (ID.1782)

O Museu Oceanographico de Monaco

O monumento – Sessão solemne da sua inauguração – Discurso do principe de Monaco e dos representantes portuguezes

Por occasião da inauguração do grande Museu Oceanographico, fundado pelo principe Alberto de Monaco, e por elle solemnemente inaugurado em 29 de março ultimo, publicou o Diario de Noticias informações telegraphicas sobre a imponente sessão e sobre as festas realisadas em honra dos representantes das nações estrangeiras que ali affluiram.

Vamos hoje, porém, dar uma noticia mais detalhada do que foi esse verdadeiro acontecimento scientifico, tanto mais agradavel por interessar o nosso paiz, ao qual nas pessoas dos seus representantes, srs. conde de Sousa Rosa e Alberto Girard, foram tributadas as mais honrosas manifestações de apreço, não só por parte de sua alteza o principe Alberto de Monaco, como tambem pelos delegados de todos os paizes ali representados.

O riquissimo e soberbo monumento com que o principe Alberto quiz dotar o seu paiz, faz honra ao notavel architecto Delefortie, a quem sua alteza encarregou da construcção e da qual se pode avaliar a grandiosidade, pelas seguintes notas: o Museu, em fórma de rectangulo com um corpo avançado, mede 100 metros de comprimento por 15 de largura; o grande corpo da frente, tem 20 metros de fachada. O monumento termina por um attico continuo que se eleva a 77 metros, e 90 acima do nivel do mar, limitando um grande terraço que serve de telhado.

(...)

Depois de se atravessar o vestibulo, onde se vê no chão um lindo mosaico representando o «yatch» Princesse Alice», passa-se á grande sala quadrada onde se admira uma soberba estatua em marmore branco do principe do Monaco, trabalho do esculptor Puech. De cada lado abrem-se grandes portas de vidro e bronze, ficando de um lado a sala das conferencias, do outro, uma sala destinada a recolher as collecções oceanographicas do principe.

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A sessão solemne

Foi imponentissima a sessão que se realisou, pelas 2 horas da tarde, sob a presidencia do principe Alberto. Á porta do museu fazia a guarda de honra uma companhia de carabineiros ostentando vistoso uniforme de gala.

O principe deu entrada na sala das sessões acompanhado do duque d’Urach, membros do Instituto Oceanographico, do governador e «maire» do Monaco, executando por essa occasião uma orchestra o hymno d’aquelle paiz.

O principe, subindo ao estrado que se erguia ao fundo da sala, assumiu a presidencia, occupando logares á sua direita o sr. Emilio Loubet, antigo presidente da republica franceza, vice-presidente do Instituto; á sua esquerda o sr. Paulo Reguard, segundo vice-presidente.

Na primeira fila de cadeiras viam[-]se os representantes de todas as nações estrangeiras, ostentando grandes uniformes cm as condecorações da ordem de S. Carlos, que na vespera lhes haviam sido conferidas.

Discurso do principe de Monaco

O principe de Monaco produziu então um notavel discurso pondo em evidencia os progressos de uma sciencia que, embora nova, já está fortemente estabelecida no dominio intellectual.

Referindo-se ao nosso paiz, disse o principe que o rei D. Carlos consagrava á occeanographia [sic] os momentos que tinha livres. Continuava uma obra e dava um exemplo util á sciencia do seu paiz, quando um crime em desharmonia com o progresso dos costumes, inspirado nos bastidores da politica, anniquillou a vida d’aquelle monarcha sabio, artista e bom. É assim que n’esta época agitada pelo choque de uma velha corrente de barbaria com a seiva do espirito moderno, apparecem ainda ondas selvagens sumergindo n’uma revessa lenta os campos da natureza humana que estariam já salvaguardados, se tantos actos ancestraes não o tivessem transformando n’um terreno difficil de occupar. Mas o atavismo, esta força limitada que prolonga atravez dos estados successivos dos seres a influencia de gerações anteriores, não cede senão lentamente a uma força eterna no universo, á força da evolução que arrasta os homens para um futuro impenetravel aquem do tenue veu que encobre o tempo.

O principe Alberto continua então a occupar-se de outras nações que tambem teem contribuido muito para o desenvolvimento da sciencia oceanographica, concluindo o seu notavel discurso, entre ovações da assembléa.

A seguir ao principe de Monaco falaram os srs. Pichon ministro dos negocios estrangeiros de França, o almirante von Koester, o vice almirante Grenet e o delegado do governo portuguez conde de Sousa Rosa.

Discurso do representante de Portugal

O sr. conde de Sousa Rosa, encarregado de representar o nosso paiz na inauguração do Museu Oceanographico, depois de agradecer ao principe de Monaco o convite que para tal fim endereçou a Portugal, diz que se a gratidão do delegado portuguez era já grande, mais tinha augmentado pelo testemunho de apreço tão sincero e tão sympathico que sua alteza tinha demonstrado referindo-se á obra oceanographica do rei D. Carlos, de saudadosa memoria.

O rei D. Carlos, continúa o sr. Sousa Mora [sic], era effectivamente um investigador oceanographico cheio de ardor e de enthusiasmo, dedicando-se de alma e coração aos estudos e aos trabalhos d’aquella especialidade, e cada vez que se preparava para ir para o mar, a bordo do seu hiate para uma nova campanha, não podia occultar a sua alegria com a esperança de augmentar as suas collecções com um exemplar raro, ou de poder por meio das suas observações, levantar um pouco o veu que cobre ainda mysteriosamente a vida que anima as profundidades do mar.

Dir-se-hia que o desventurado rei com inveja dos seus antepassados que outr’ora fizeram explorar por intrepidos navegadores portuguezes a superficie dos mares até ao extremo Oriente, queria elle, dedicar-se á empreza ainda mais difficil de explorar as suas mais inacessiveis profundezas!

Pobre rei! Se a sua morte foi uma perda nacional, foi tambem sem duvida uma grande perda para a oceanographia á qual elle se dedicava com uma tão activa intelligencia e um tão notavel enthusiasmo.

Ao rei D. Carlos se referiu vossa alteza ha pouco, em phrases tão eloquentes como amaveis. Essas palavras, alteza, terão o echo mais sympathico em Portugal.

As colleções do rei D. Carlos, foram dadas por seu filho, el-rei D. Manuel, á Liga Naval Portugueza, que organisou com as mesmas um museu recentemente inaugurado em Lisboa pelo monarcha, sob a direcção de um dos seus membros mais distinctos, o sr. Alberto Girard, que aqui está representando a Liga Maritima de Portugal.

El-rei D. Manuel não deixará de se interessar pessoalmente pelos trabalhos de oceanographia em Portugal, e a Liga Naval saberá por certo continuar a obra começada, de fórma a tornal-a cada vez mais importante.

O sr. conde de Sousa Rosa concluiu o seu discurso enaltecendo a obra grandiosa fundada pelo principe de Monaco, a quem saudou em nome de el-rei, do governo e da nação portugueza.

O orador foi applaudidissimo, seguindo-se depois as conferencias sobre oceanographia feitas pelos srs. A. Berger, P. Portier e L. Joubui, lentes do Instituto Oceanographico.

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Um almoço no Museu

Foi revestido de grande imponencia e esplendor o almoço realisado na sala das conferencias e ao qual assistiram 270 convivas.

O principe de Monaco ergueu o primeiro brinde, saudando os chefes de Estado ali representados, seguindo[-]se o ex-presidente Loubet, que brindou pelo principe, felicitando-o pelo exito do seu emprehendimento.

Muitos sabios de varios paizes discursaram, figurando entre elles o sr Alberto Girard, delegado da Liga Maritima de Portugal que produziu o seguinte discurso que foi applaudidissimo.

Fala o sr. Alberto Girard

O illustre naturalista, depois de agradecer a honra de ter sido convidado para a inauguração do Museu, disse sentir-se vivamente emocionado, porque aquella festa lhe fazia recordar bastantes annos passados junto de um soberano, que, como o principe de Monaco, era um apaixonado pela oceanographia.

Disse representar ali a Liga Maritima de Portugal e que em nome d’essa nova Sociedade fazia votos para que sua alteza podesse proseguir [sic] nos seus trabalhos largos annos, porque a referida Sociedade, tendo como objectivo no seu programma o desnvolvimento e a defeza das pescarias maritimas, ella sabe bem que é unicamente pela oceanographia que tal se póde conseguir, não podendo por esse facto deixar de se associar ás homenagens ao sabio principe que actualmente dirige a evolução d’esta sciencia moderna e que pela sua perseverança, pelo seu saber, pondo a sua alta e generosa influencia ao serviço d’aquelles que a cultivam e a amam, rende um serviço incontestavel ao progresso e ao bem estar da humanidade.

O sr. Girard affirma que traduz com as suas palavras o desejo de todos os seus compatriotas, que não esquecem os serviços que o principe de Monaco lhes tem prestado, explorando scientificamente os mares que banham os Açores, descobrindo o banco «Princesse Alice» e pondo a sua alta e generosa influencia ao serviço da organisação e da meteorologia d’aquellas ilhas.

Portugal tem necessidade da oceanographia, disse o orador. Situado no limite sudoeste da Europa, a sua bathymetria é quasi unica no continente. Possuindo uma fauna muito variada, onde abundam as especies migrantes da mais alta importancia economica – as distincções a fazer n’esta fauna procurar as causas oceanographicas das variantes que apresenta, eis os muitos problemas cuja solução é d’uma incontestavel utilidade para Portugal.

O rei D. Caros tinha-o nitida e claramente comprehendido, e tão desgraçadamente o destino quiz tristemente impedir que elle continuasse na sua obra. A alta utilidade da mesma ficou demonstrada e á Liga Naval Portugueza, no patriotismo da qual el-rei D. Manuel quiz confiar, offereceu para expôr a publico, as ricas e instructivas collecções, reunidas pelo fallecido monarcha, seu pae, recommendando-lhe que empregasse todos os esforços para continuar a grandiosa obra começada.

Deveria concluir, disse o sr. Girard e dar por findo o meu brinde. Mas, alteza, el-rei d. Manuel II quiz uma vez mais associar-se á vossa festa de espirito, ao vosso triumpho, que não coroa a vossa vida, mas que é um novo e grande degrau para um triumpho maior ainda. É por isto que eu tenho a honra de levantar o meu brinde em nome do rei de Portugal, entendendo que a melhor fórma de o fazer é pelas suas proprias palavras que passou a ler:

«Girard. – Dize [sic] ao principe de Monaco, por quem eu professo grande amisade e admiração, que do fundo do coração e mais do que qualquer outra pessoa, me associo á inauguração do Museu Oceanographico.

Voce melhor que ninguem conhece as razões tão preciosas e tão queridas do meu coração de filho dedicado, que nunca poude esquecer a obra do seu pae tão amado.»

O sr. Girard concluiu, brindando em nome d’el-rei D. Manuel, ao principe Alberto de Monaco.

Este discurso, que produziu funda impresssão, foi applaudidissimo.

Liga Maritima de Portugal

Conferencia do sr. Girard sobre oceanographia

Como noticiámos, o illustre naturalista sr. Alberto Girard, realisa talvez na proxima semana, na séde da Liga Maritima, na rua do Alecrim, uma interessante conferencia, occupando-se não só de assumptos oceanographicos e dos trabalhos do congresso ha pouco realisado em Monaco, mas tambem das grandiosas festas ali realisadas em honra dos congressistas.

Como dizemos acima, o sr. Alberto Girard regressou ha pouco de Monaco, onde foi como delegado da Liga Maritima de Portugal.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "O Museu Oceanographico de Monaco" in Diário de Notícias de 14 de Abril de 1910, nº. 15953, p. 3 (c. 3-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1782.



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