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Texto da entrada (ID.1785)

Chronica scientifica

Chuvas insistentes – Causas presumidas e noções verdadeiras a respeito das chuvas – Importancia geral do meteoro – Observações dos physicos e dos meteorologistas – Regime pluviometrico – Repartição das chuvas á superificie do globo – Estudo das mudanças de tempo

Os menos prevenidos apresentam tendencia para atribuir á aproximação do Cometa certas alterações insolitas de regime atmospherico ultimamente notadas e cujas dolorosas consequencias se teem feito sentir neste canto da Europa. É facil, sem cair em ridicula superstição, presumir que a excessiva intemperie porque estamos passando, agravada pela revolução primaveril, seja obra de influencias astraes exteriores ao nosso planeta. Nada porem nos autoriza a acreditar seriamente nellas. Todos os annos cruzam o ceo [sic] cometas mais ou menos conhecidos, inesperados ou não, sem que até aqui se tenha podido apreciar scientificamente a sua tal ou qual influencia sobre as coisas dos outros astros por entre os quaes perpassam nas suas fabulosas carreiras, com as suas indefinidas nebulosidades, antes pelo contrario, parece que são elles, os cometas, os incomodados, por isso que é sabido exercerem os planetas perturbações sobre a marcha d’elles e sensiveis alterações aos seus periodos.

Tem-se querido perscrutar as verdadeiras causas das incessantes chuvas e dos temporaes que em certas epocas se desencadeiam nas costas e sobre os continentes, mas a meteorologia não é ainda uma sciencia adulta, conduzindo a theorização como a astronomia, sobre observações seculares, sobre bases mathematicas, que fornecem a necessaria estabilidade ás suas inducções.

A meteorologia acha-se por enquanto interessada na conquista dos factos, para que não encontra, por ora, mais de que uma parente ligação. É pois susceptivel de deixar divagar o pensamento sobre a casualidade de interessantes phenomenos, que mais ou menos directamente teem que vêr comnosco [sic], com o nosso organismo, com o nosso modo de vida, com a economia.

Brúckner mostrou, por exemplo, as relações entre a politica aduaneira e a chuva, declarando-se a inclinação para o protecionismo após ás [sic] quadras abundantemente chuvosas no ocidente da Europa ou naquellas em que a precipitação aquosa foi insuficiente, como acontece na Europa oriental. Tambem na Australia existe uma relação entre a colheita do trigo e a quantidade de agua caida. Porque a chuva é, pelas multiplas variações a que é sujeita, o phenomeno meteorologico que maior acção exerce sobre as diversas formas de actividade do globo e consequentemente sobre a vida que á sua superficie se agita. A ella se deve o modelado dos terrenos, essa gigantesca e brutal esculptura que só o tempo sabe trabalhar, a desagregação das rochas, a formação das terras, a rivulisação, as alluviões, a erosão dos pincaros, recortando nos seus altos castellos d’aguia, gargantas, caniões e minusculos arrendados que são os ornatos dessa phantastica architectura natural. As aguas atmosphericas regulam a existencia das plantas e animaes; são um factor importantissimo na producção humana derivada da exploração do solo e portanto nas transacções commerciaes de que os productos delle extrahidos são objecto.

A precipitação da agua em forma de chuva obedece a um movimento complexo que é curioso descriminar. A existencia de vapor de agua na atmosphera tem diferentes razões; a sua condensação origina esses dois aspectos com frequencia observados: As nuvens e a chuva. A physica elementar ensina que uma massa de ar progressivamente resfriada se torna cada vez menos apta para conter o vapor d’agua em suspensão no seu seio e em breve chega o momento chamado da saturação. Não é porém esta a causa unica dessa condensação. Experiencias de physica provam que ella se faz em volta de quaesquer corpusculos solidos em suspensão no ar; as poeiras que existem geralmente na atmosphera das cidades industriaes, constituem outros tantos centros de condensação; d’ahi os intensos nevoeiros como aquelles que se notam nas cidades do Norte e proverbialmente em Londres, cuja atmosphera fuliginosa se presta extraordinariamente a este processo.

Mascart notou além d’isso que certos corpos existentes no ar podem provocar a formação de nevoa. O ozone [sic] e os compostos nitratos estão n’este caso. Por outro lado Helmoltz demonstrou que a electricidade tem egualmente um papel na condensação aquosa atmospherica e aos physicos de hoje parece que a radio-actividade aerea, qualidade muito mais espalhado [sic] que a principio se cria, facilita tambem aquelle phenomeno.

Delicadas e precisas observações chegam ao conhecimento de que no ar existem constantemente em suspensão goticulas liquidas, de 1/100 de micra de diametro, que verosimilhantemente podem constituir nucleos de condensação como as poeiras.

O aquecimento a que é devida a formação de vapor d’agua atmospherico deve-se principalmente ao sol. Julgavam os antigos que este astro projéctava sempre a mesma quantidade de calor. Os estudos de uma sciencia mais moderna, a astro-physica, deixam perceber que a temperatura solar, de ha muito avaliada, seja variavel, aumentando em certos ciclos, como quer o abade Moreux, atribuindo-se a este excesso uma evaporação maior e d’ahi, dados certos factores, a condensação de massas mais consideraveis de agua vaporizada, d’onde maiores precipitações, chuvas abundantes, torrentes, inundações que assolam os campos, as villas e até as cidades, em periodos que desta maneira poderiam ser calculados aproximadamente. Vagueia muito pela hypothese esta explicação do sabio astronomo de Bourges, necessitando ainda de longos annos de indagação pertinaz e cuidadosa para se reconhecer a sua probabilidade.

Quanto ás acções que produzem o efeito contrario, isto é, o resfriamento do ar, ao qual a quéda da chuva está imediatamente subordinada, podem ellas dar-se de diversas maneiras.

As camadas atmosphericas perdem calor por irradiação, por atravessarem uma região seca e fria massas de ar relativamente humidas e quentes. Podem misturar-se quantidades de ar, saturadas ou não, de temperatnras [sic] diferentes. Essa refrigeração provém emfim [sic] da distensão que sofre o volume de ar que, por uma razão qualquer se eleva na atmosphera.

Estes movimentos ascendentes do ar são as causas mais vezes determinantes da chuva. Deve-se em primeiro lugar á circulação geral do ar, nas regiões equatoriaes, por exemplo, em que os fortes contrastes de temperatura em relação ás regiões ao N. e ao S. provocam essa moção ascencional.

Ha as chuvas devidas á existencia de relevos, consequencia do encontro das correntes aereas com os montes e que faz que as regiões montanhosas apresentem um maximo relativo de precipitações. Produzem-se tambem as chuvas durante a constituição dos turbilhões ou cyclones, movimentos circulares muito rapidos do ar.

A variação deste meteoro é pois condicionada por um grupo de factores de interesse consideravel, as correntes aereas, as cadeias de montanhas, os mares, os cursos de agua, a vegetação e um sem numero de circunstancias locaes que não [é] possivel pormenorizar aqui, sem dar a esta singela noticia fóros do [sic] introducção a algum tratado de meteorologia.

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A repartição da chuva nos diversos pontos do globo é desegual [sic], seguindo numa lei de constrastes, de que é facil de nos apercebermos pelo exame de uma carta pluviometrica, em que essas precipitações se acham registadas. O estudo dos climas torna explicaveis esses frisantes contrastes, pelo conhecimento dos elementos que entram em funcção para produzir essas variantes.

Observa-se, por exemplo, a coincidencia dos maximos de pluviosidade com as zonas de minimo barometrico e com as aereas de cyclones e tambem com as regiões de mais elevado relevo, do que resulta ser o hemispherio boreal o mais rico em contrastes desta ordem e o antigo continente tambem.

Um meteorologista escossez, sir J. Murray, teve a paciencia de calcular a altura media annual da chuva que cae em todos os pontos do globo e reconheceu que o continente onde chove mais é na America Meridional (1670mm). Em seguida vem a Africa (825mm), a America do Norte (730mm), a Asia (655mm), a Europa (615mm), e finalmente a Australia (520mm). A quantidade de chuva que cae durante o anno em toda a superficie da terra, supondo-a uniformemente repartida, formaria uma camada de 970mm de altura, representando um volume de 111.800 kilometros cubicos de agua e portanto do mesmo numero de milhares de toneladas.

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Os regimes climatericos são caracterizados em parte pela precipitação da chuva, conforme ella se faz em maior ou menor quantidade durante o anno; são elles os mais variados, dos tropicás [sic] os [sic] mais altas latitudes, formando diversos typos.

D’entre elles destaca-se para o nosso interesse imediato o regime mediterraneo, que se encontra na bacia do Mediterraneo e tambem nas latitudes medias nos dois hemispherios e forma uma transição entre os que pertencem aos climas tropicaes e os que governam as latitudes elevadas.

No verão a area mediterranea está submettida ás condições da zona desertica, mas no inverno, em resultado de um movimento anticyclonico tropical, a pressão baixa e os ventos de Oeste correm sobre a zona mediterranea, trazendo as chuvas. Nesta distingue-se dois typos: o maritimo, que se define pela precocidade das chuvas (setembro a abril) e cujo melhor exemplo é Lisboa, e o continental, realizado na parte oriental da bacia do Mediterraneo, em geral mais seco, onde os ventos de Oeste penetram mais dificilmente, onde a estação das chuvas é de dezembro a maio e cujo exemplo é Jerusalem.

O estudo das mudanças de tempo, ainda mais dificultoso que o dos climas, é o resultado de uma acumulação de rigorosas observações meteorologicas, que só se podem executar nas localidades em que o material seja completo e os serviços bem organziados [sic]. É exactamente sobre esta ordem de trabalhos que se funda a previsão do tempo e a explicação de anomalias no estado deste.

O seu fundamento principal é a analyse dos movimentos cyclonaes, a que o notavel meteorologista Teisserenc de Bort chama os centros de acção da atmosphera.

Sobre as costas ocidentaes da Europa, quando uma depressão barometrica se pronuncia, os ventos convergem para o centro dessa depressão e, como este se desloca rapidamente, resultam mudanças atmosphericas nos sitios por onde ella caminha. As correntes que predominam na parte anterior da depressão, e geral vindos de Leste, são quentes no verão e frios no inverno, enquanto os ventos que dominam na parte posterior, trazem influencias maritimas e por tanto são frescos no verão e quentes no inverno, chuvosos sempre, principalmente nesta ultima quadra.

A transição de vento de Leste para Oeste passando pelo quadrante do Sul e arrastando a chuva é uma evolução que se repete muitas vezes nessa parte do continente europeu e se observa no nosso paiz, onde as depressões passam muitas vezes ao Norte, progredindo para Nordeste.

Quando a depressão se apresenta mesmo sobre a região considerada a mudança do vento faz-se caminhando do sul e rodando para Oeste e depois para o Noroeste, fazendo cair a chuva e diminuindo a temperatura. Neste caso a ronda do vento faz-se rapidamente e o resfriamento é subito.

É o que acontece com frequencia no nosso clima, principalmente na primavera e dá origem ás borrascas com que esta formosa e inquieta quadra nos mimoseia.

Todos estes acontecimentos, repetidos em condições analogas ou identicas, nas diferentes quadras do anno dependem pois de phenomenos physicos especiaes, regidos por leis que a metereologia trata de descobrir e cujo estudo ella tem adiantado muito, sobretudo para o conhecimento tão importante dos climas. Ella progride, apezar das ironias dos que se divertem á custa das suas incertezas, pelo esforço benemerito de uma forte pleiade de investigadores de todas as nacionalidades, cujas indagações se tornam dia a dia mais interessantes. Assim como o seu instrumental se acha bastante complicado e artificioso, a sua technica vem a ser exigente e o ensino della tende a ocupar um logar distincto a par das sciencias de aplicação, que virão a ter num futuro proximo a sua secção perfeitamente demarcada nas universidades, academias e institutos onde se professam as especialidades como a oceanographia e a sismologia, que teem para a vida pratica um valor indiscutivel.

J. BETHENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

José Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Chuvas insistentes – Causas presumidas e noções verdadeiras a respeito das chuvas – Importancia geral do meteoro – Observações dos physicos e dos meteorologistas – Regime pluviometrico – Repartição das chuvas á superificie do globo – Estudo das mudanças de tempo" in Diário de Notícias de 20 de Abril de 1910, nº. 15959, p. 7 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1785.



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