O cometa de Halley
A Academia de Sciencias de Portugal affirma ao paiz o seguinte
A Sciencia não mente. Enganar-se, sim, póde! Mentir, nunca!
A Academia de Sciencias de Portugal não iria prejudicar irremediavelmente os seus creditos e os do seu paiz, affirmando principios e deduzindo conclusões que não fossem baseadas no mais rigoroso criterio scientifico.
Pois bem!
O phenomeno da passagem da terra pela cauda do cometa de Halley, annunciado para a manhã do dia 19 do corrente, tem interesse immediato unicamente para os homens de sciencia e, especialmente, para os astronomos.
Muita gente espera aquelle dia, ou antes, aquella noite, para ver o astro em toda a sua magnificiencia.
É um engano.
Desde o dia 16 ao dia 21 d’este mez, ninguem, entre nós, verá coisa alguma que se relacione com aquelle cometa, pela mesma razão porque ninguem vê astros junto do Sol que os offusca. Apenas alguma rara e inoffensiva estrella cadente, correndo de um para outro ponto do ceu e deixando perdido o seu rastro luminoso, virá destruir a monotonia da noite, denunciando-nos a existencia de corpusculos cosmicos gravitando pelas immensidades infinitas, e sufficientemente imprudentes para virem queimar-se na passagem pela nossa atmosphera, como a borboleta queima as azas ao atravessar a chamma que a attrae.
De resto, as ultimas observações levam-nos a crer que nós nem chegaremos a ser attingidos pela cauda do astro.
E que fôssemos? Que fôssemos mesmo roçados pelo seu proprio nucleo; o que nos succederia? Provavelmente – Nada.
Nós já chocámos em 1872 com o proprio nucleo de um cometa, e ficámos quites com o magestoso espectaculo de uma chuva de estrellas cadentes, muito mais deslumbrante e mais inoffensivo do que o dos fogos de artificio em noites de arraial.
Nós já atravessámos em 1861 a cauda de um cometa e ninguem deu pelo phenomeno.
Basta ter a noção do que seja um d’estes corpos celestes, para se vêr, desde logo, que não podia deixar de ser assim.
Compõem-se, como se sabe, de nucleo e cauda.
O nucleo é a parte mais importante.
Para fazer ideia da sua constituição, supponha-se em ponto muito maior, tão grande quanto a imaginação possa abraçar com os termos de comparação ao nosso alcance, supponha-se uma d’essas nuvens de mosquitos que, n’uma tarde de verão, enxameiam junto da agua estagnada. Supponha-se que as dimensões d’estes variam da poeira insignificante á grandeza de tremoços, á de bolas de bilhar, e, finalmente, á de elementos com algumas toneladas de peso; mas em numero tanto maior quanto menores eles forem. Ter-se-ha assim uma grosseira idaia do que seja o nucleo de um cometa.
Imaginemos agora um corpo constituido d’esta forma, correndo velozmente atravez do espaço e encontrando a terra no seu caminho. É facil de prever o que succederia. Cada um dos seus componentes era como que um projectil, animado de velocidade tal, que, ao penetrar na nossa atmosphera, se manifestaria como estrella cadente, consumindo-se pelo incendio, como faisca tirada de pederneira, e augmentando a massa do nosso globo com as cinzas resultantes da sua combustão.
Pelo que respeita á cauda não será talvez diffícil encontra-lhe phenomeno comparavel.
Todos teem visto, n’um dia sereno, levantar-se no horisonte um fumosinho tenue e que se esvae, esbate e perde na limpidez da atmosphera. Pois a cauda de um cometa é em tudo semelhante: uma emanação saida do nucleo e perdendo-se na vastidão do espaço.
Apenas, como differença, sabe-se que aquelle provém de algum fogo ou casal, na lucta diaria e constante pela conservação da vida; ao passo que esta se suppõe provir de forças, ainda apenas entrevistas, dimanando do foco central d’onde irradia o movimento e a vida – o Sol. Mas, em compensação, observa-se que a sua tenuidade e a sua subtileza são tão grandes, que, em presença d’ellas, o ar que respiramos é mais compacto do que o aço comparado com a nossa propria atmosphera; que assim nos protege como couraça absolutamente impenetravel.
Para ver, pois, se [ha] realmente alguma razão para temer a approximação do cometa de Halley, basta notar:
1.º Que o nucleo d’este astro nos passa á distancia minina de 23 milhões de kilometros, e que, portanto, são tantas as probabilidades de vir ao encontro do nosso globo, como probabilidades ha de um expresso norte-americano vir chocar com o rapido do Porto;
2.º Que seria tão absurdo temermos qualquer perigo proveniente da passagem pela cauda de um cometa, como estarmos em um quarto forrado de paredes e aço com kilometros de espessura, e receiosos [sic] que o vento nos perturbasse, ou que particulas arrastadas por esse vento atravessassem os póros de todo aquelle aço e viessem produzir acções toxicas sobre o nosso organismo.
Finalisando:
A Academia de Sciencias de Portugal não póde deixar de protestar contra os abusos da credulidade popular, tendentes a cultivar o alarme geral, e que só poderiam perdoar-se quando fundamentados na ignorancia, o que, nem por isso, deixaria de ser altamente lamentavel e profundamente triste.
A magnificencia de Deus reconhece-se nas manifestações variadissimas da Natureza, e o engenho do homem na comprehensão dos preceitos que as regulam.
Lisboa, 1 de maio de 1910.
O cometa visto em Lisboa
As «Novidades» publicavam hontem uma gravura indicando a situação do cometa, em relação a Venus, o qual, segundo aquelle collega, é já visivel em Lisboa, das 2 e meia ás 3 horas e meia da madrugada, por cim[a] da egreja da Graça.
A conferencia de hoje na Sociedade de Geographia
É hoje, ás 8 horas e meia da noite, que o illustre astronomo, sr. Mello e Simas, realisa a conferencia promovida pela Academia de Sciencias de Portugal, na sala «Algarve» da Sociedade de Geographia, subordinada ao titulo – «A acção que o cometa de Halley poderá exercer sobre a terra.»
Fóra de Lisboa
Rio Maior, 2. – Hontem, ás nove horas da noite, já se sentiram n’esta villa os effeitos do cometa de Halley. Um grupo de individuos fez subir d’um dos pontos mais elevados d’esta terra um balão que, tocado pelo vento, foi parar a uma altura regular, começando pouco tempo depois a descer.
Na rua do Encherto, limite da villa e a parte mais baixa que aqui ha, os habitantes d’aquella rua, julgando tratar-se do cometa de Halley, sairam de casa espavoridos, pedindo de mãos postas misericordia.
Quando viram que era um simples balão, recolheram ás suas habitações envergonhados e maldizendo os iniciadores de tal brincadeira.
-----
Colares, 1. – Hoje, ás 3 horas ½ da madrugada, vi claramente sem auxilio de lente o celebre cometa. Que eu saiba, mais duas pessoas o viram, em consequencia de as ter avisado.
-----
Tortozendo, 1. – Na povoação do Ferro deu-se ha dias um caso interessante. Ei-lo:
Uns rapazes fizeram um «aeroplano» e na mecha que fazia o gaz deitaram uma materia que, quando subia, desprendia-se da dita mecha umas estrellas de luz. Muita gente, que não teve conhecimento da subida, se assustou, causando maior impressão á professora d’aquella localidade que, convicta de que era o cometa de Halley e da posibilidade [sic] do fim do mundo com a passagem de tal visitante, foi accommettida d’um ataque esterico que a conservou tres horas sem fala.
Que tal o susto e ainda não chegou o dia 18...
- Outro susto...
Hontem correu grande boato de que na noite d’hontem para hoje haveria um grande tremor de terra que mataria a todos que estivessem dentro das habitações.
Cremos que algumas pessoas dormiram na rua para fugirem á morte, se não fôra a grande ventania que corria...
- Um parochiano d’uma terra aqui visinha contou-nos que o seu prior lhes havia dito na egreja que se acabava o mundo no dia 18 do corrente.
Esperava pela morte, mas estava a mandar manipular uma receita na pharmacia Popular para fugir a ella!...
-----
Villa do Conde, 1. – Como em todo o paiz, tambem n’esta villa tem sido visto o celebre cometa de Halley.
Na occasião em que escrevemos estas desprentenciosas linhas, cinco da manhã, viemos de observar o celebre astro.
No Campo da Feira, seriam 3 e meia horas da manhã, reuniram-se varias pessoas a fim de ver o dito cometa, no que foram bem succedidas.
Na direcção de leste via-se distinctamente o planeta Venus e mais ao norte o celebre cometa de Halley.
A lua tambem tinha um circulo muito luminoso, que na nossa vista parecia ter uns tres a quatro metros de circumferencia [sic].
Muita gente anda assustada, principalmente a das aldeias, pelo que achamos justo que o rev. parocho, na missa conventual, illucide os seus parochianos, explicando-lhes o que são estes astros luminosos.
Isto deveria fazer-se em todo o paiz.
-----
Figueira da Foz, 1. – Ás 3.35 da manhã de hoje foi aqui visto pela primeira vez, ao lado do planeta Venus, o cometa de Halley.
Terror pelo cometa
Capinha, (Fundão), 30. – Muita gente anda assustada com o cometa Halley, suppondo que a 18 de maio findará este mundo com grande estrondo e sem intervenção d’aquella trombeta de que nos fala Vieira n’um dos seus celebres sermões.
Ha quem julge como certo o fim de tudo isto e muita gente antecipadamente vae encommendando a alma a Deus e preparando-se para morrer, o que afinal não é muito agradavel para quem ama a vida e d’ella frue muitos gozos e encantos.
Consta-nos que no dia 18 do correntea a gente d’esta povoação tenciona ir para a Serra do Cavallinho, onde se acha erecta sobre uma columna a Nossa Senhora do Valle Doirado.
Se por acaso o cometa arrastasse na sua vertiginosa carreira o nosso planeta, la iamos por essas regiões aerias [sic] e adeus agradaveis utopias, adeus ambições, adeus idealismos, philosophias!
Não valeria a pena ás grandes nações armarem-se até aos dentes para as eventualidades de uma guerra.
Assestem todos os canhões contra esse cometa e verão quão impotente é a humanidade n’este valle de desenganos.
Dizem-nos que ha por aqui quem pretenda fazer testamento, o que na verdade é uma grande tolice, suppondo-se que o cometa não deixa uma mosca viva.
Ha dias um individuo que se matrimoniou ha pouco lamentava-se por não possuir uma solida fortuna para poder fugir para o estrangeiro nas azas do amor!...
Pelo visto, esta pobre gente tem umas noções muito falsas do que é a mechanica celeste e aquelle que tanto ama a vida por que adora a mulher, o que queria é dinheiro, mais dinheiro e sempre dinheiro para ir esconder a sua ventura em qualquer cantinho do mundo.
O peior [sic] é que ninguem pode fugir á sorte se esse monstro descoberto pelo astronomo Halley, passar muito proximo da terra.
Tanto vale ter dinheiro como o não ter.
Soceguem [sic] porém os capinhenses que não ha novidade.
Quando ha annos passou proximo do nosso globo o cometa Biela tambem houve sustos, mas ninguem morreu por isso.
Afinal o que é a vida?
Muitos chamam-na difficil por causa do codigo penal; outros por motivos de ordens differentes.
Nós encontramol-a aprazivel mesmo no meio das torturas moraes e physicas de que enfermam as sociedades.
Se elle até, «amar é sofrer»!
[NOTA - A decisão de divulgar este aviso foi deliberada em reunião noticiada na edição n.º 15970 do Diário de Notícias, de 1 de Maio (p. 3, c. 1-2)]