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Texto da entrada (ID.1867)

Modificação do teclado do piano

Conferencia do sr. Matta Junior

Perante escolhido auditorio e sob a presidencia do sr. Mendonça e Costa, secretario perpetuo da Sociedade Propaganda de Portugal, realisou hontem o sr. João Eduardo da Matta Junior, distincto professor do Conservatorio, nas salas daquella agremiação, a sua annunciada conferencia sobre o seu invento a respeito da modificação ou remodelação do teclado do piano, invento a que já largamente nos temos referido.

Feita a apresentação, o sr. Matta Junior entrou no assumpto da sua conferencia, dizendo:

Acalmado o enthusiasmo que quasi sempre seduz o inventor de qualquer idéa, procurei investigar se a minha remodelação teria já sido estudada por qualquer outro, se poderia aliar-se á historia da arte, e finalmente se trazia vantagens á tecmologia [sic] pianistica.

Para destruir essas duvidas, precisei investigar das principaes modificações que o piano tem soffrido, inciando [sic] as minhas investigações da epoca em que appareceu o primeiro piano vertical, o que foi em 1807, sendo seu fabricante Southweld, seguindo-se em 1808 Broadwood, que applicou as barras de ferro ao piano. No mesmo anno Erard apresenta o mecanismo de repetição; em 1809, Wilknison [sic] monta o primeiro piano com cordas obliquas; em 1822 Erard emprega barras de ferro por baixo das cordas, no mesmo ano Roder adopta para cavalete barras de metal.

Em 1826 Pape applica quadro de ferro, para que o piano possa resistir á tensão das cordas.

Em 1830, Rabrook apresenta o primeiro piano de cordas cruzadas; em 1834 Pleyel fabrica tampos harmonicos de pinho.

São estas as modificações mais importantes que durante quasi um seculo teem apparecido. Procurou-se a resistencia para a tensão das corda [sic], – applicou-se o duplo escape, para facilidade de repetição e leveza do teclado – deu-se maior resonancia [sic] pelo cruzamento das cordas, mas em facilitar a technologia do pianista nunca se pensou. O teclado ficou como da primitiva.

Algumas obras escriptas por mathematicos e phylosophos teem apparecido planeando novos systemas de tonalidades melodicas e harmonicas, baseando-se na conformação do orgão auditivo.

A musica moderna fundamentada, na gamma sonora dos doze sons; os unicos que a escala das vibrações produz e o ouvido acceita, teem levantado duvidas entre os phisiologistas, que pretendem substituir a intelligencia pela acção do organismo attribuindo á conformação do ouvido, a determinação dos sons, e a sua afinação, baseando-se no estudo anatomico, do professor Boerhare, que diz: «os cannaes semi-cisculares [sic] do ouvido, são constituidos d’um seguimento de arcos de diametros diversos que produzem tantos sons quantos os da escala chromatica, isto é doze sonoridades.»

Alguns musicologos querendo coadunar a harmonia universal á harmonia dos sons, tiram ao homem com essa juncção, toda a liberdade de concepção tornando interdictas as suas faculdades sentimentaes.

Admittindo mesmo que a natureza regulasse d’uma maneira geral a fórma dos sons, impondo a todos as mesmas impressões e combinações de sons, seria um absurdo porque a impressão que a musica produz não é igual para todos.

O que se conclue de todas estas observações é que a musica nos é fornecida pelo organismo do ouvido sob a impressão de factos exteriores, e que as sensações que sentimos são puramente phisicas.

Notadas as condições de unidade de proporção e de ordem que governa a natureza, o sentimento da arte aperfeiçoou-se no homem despertando-lhe o sentimento do bello; procurou dar ás suas producções o reflexo d’essa perfeição suprema, que encanta a imaginação, confunde a razão, e ordena a admiração dos seculos.

As primeiras artes que appareceram foram a poesia, a musica e a dança, seguem-se-lhe a architectura, a esculptura e a pintura.

Do conjuncto de todas estas diversas artes, simultaneamente tratadas, impelliu-as ao seu maior desenvolvimento, porque o conhecimento de uma arte conduz ao aperfeiçoamento das outras.

As transformações que as artes teem soffrido são o reflexo das modificações que se operam nos habitos, costumes e civilisação de qualquer povo.

Na Grecia esse povo avido de liberdade e independencia, as artes evidenciaram-se de uma fórma notavel, deixando modelos e monumentos, que apesar de estarem em ruinas ainda hoje os admiramos.

Foram os gregos que nos deram as bases para a formação da escala sonora, e as leis scientificas da harmonia.

A determinação e a classificação dos sons chamaram sciencia harmonica, hoje consideramos a sciencia da harmonica como a parte de um todo cujo complemento só a philosophia musical póde realisar.

Em muitos casos a inspiração domina todas as regras theoricas, produzindo essas inspirações efieitos [sic] novos e desconhecidos, que as leis scientificas não podem diffinir [sic] nem classificar; sendo, porém, d’um efieito tão notavel e surprehendente que depois se tornam em leis.

Isto prova que são os compositores que na maioria dos casos fazem as leis scientificas da musica, emquanto [sic] que toda a sciencia nunca poderá produzir compositores, por que a inspiração é natural expontanea [sic], não tem leis que a determine; da analyse d’esses sons dos seus agrupamentos e figurações é que nascem as leis scientificas da musica.

*

Reconhecido que a musica moderna tem de ser baseada nos doze sons que constituem a gamma sonora, provado está o erro, em que se fundamenta o systema heptaphone, constituido pelas suas sete notas, sete sustenidos, sete bemoes, sete sustenidos-duplos e sete bemoes duplos.

Todas estas doze sonoridades que são completamentes [sic] independentes, tem igual importancia, nas suas combinações sonoras e nas suas attrações [sic], podendo todas ellas servirem de «tonica, dominante e sensivel».

Como poderemos nós tendo doze sonoridades tão eguaes, acceitar apenas sete, e repudiar as restantes cinco, considerando-as como accidentes dependentes das sete notas.

Se ao som se pudesse dar a elasticidade, subir ou descer, acceitariamos em principio esse systema, mas sendo o som inalteravel, como decifrar esse enygma?

A unidade que prende o systema heptaphone ou duodecimal, produz um desiquilibrio [sic] tão sensivel, que torna impossivel o poder-se estabelecer leis de symetria, resultando uma difficil interpretação para a notação musical.

Uma consequencia d’este facto – é considerar-se a escala do tom DO 4, como a reproducção das sete notas naturaes da musica, quando são todas accidentadas.

Todas estas reflexões conduzem-nos, a examinar e reconhecer, a importancia real dos doze sons, – pela sua autonomia e a comparar as escalas maiores e menores eguaes, differençando-se estas d’aquellas pela distancia em que se encontram dispostos os differentes intervallos.

Pelo systema duodecimal os meios tons chromaticos e diatonicos, ficam eguaes, os sons enharmonicos, desapparecem porque só servem para ortographia musical.

Sendo indiscutivel estes principios, devemos tomar a escala chromatica, como a geradora da musica moderna, abandonando o systema heptaphone, com as suas sete notas.

A origem do genero chromatico deve-se a Nicolau Vicentino, no anno de 1555. Notada a deficiencia do genero diatonico, por não encerrar a variedade precisa de sons para a arte, introduziu na musica moderna, o antigo genero chromatico, porque só por este meio se podiam constituir todas as escalas, de maneira a ficarem os meios tons no 8.º para o 4.º grau e do 7.º para o 8.º. Mas para realisar o genero chromatico em harmonia era preciso procurar a forma de se obter um aggregado de sons, um accorde que tivesse um caracter de attracção, como a escala dos meios tons.

O instincto musical do celebre compositor veneziano Claudio Monteverde [sic] levou-o a essa descoberta. Até áquella epoca, as dissonancias eram consideradas como um artificio, pelo qual o som d’um accorde se prolongava sobre o seguinte, fazendo ouvir uma nota estranha e retardada, a audição da nota natural ou consonante, Monteverde conseguiu apenas guiado pelo seu instincto reconhecer a possibilidade de fazer ouvir com agrado um accorde sentindo-se uma dissonancia independente da prolongação.

Loquim, no seu tratado de «L’harmonia clair» diz:

A antiga theoria das 7 notas, dos 7 sustenidos e dos 7 bemoes só teem rasão de existir para o papel; no dia em que me convenci que a musica moderna, só se poderia basear nos doze eguaes, viu logo reunido d’uma fórma verdadeiramente methodica todos os meus trabalhos sobre a harmonia, e que durante longos annos tinha recolhido.

E comtudo [sic] conservou em toda a sua obra a graphica e notação musical de Pierre Galin, e em verdade podemos dizer que essa graphica, se impõe pela clareza, simplicidade e que d’um golpe de vista se reconhece a nomeclatura e valor dos differentes signos que representam a musica.

Menchaca querendo pelo seu systema simplificar a notação e graphica musical torna segundo me parece, mais complicada a leitura e ortographia musical, alem de destruir tudo o que está feito.

Mas para a reforma dos teclados de piano a graphia musical pouco importa – e como «Loquin» diz: «que para a reproduzir a successão das dozes [sic] de cada oitava, será preciso que o piano soffra uma modificação ficando o teclado uniforme por teclas brancas e pretas intercalados [sic] e continuas e alternadas» empregando na pauta seis notas brancas e seis notas pretas alternadas produzindo os doze sons, aproveitando a graphica rythmica de Galin, supprimindo a differença das côres para valores das figuras que se usa hoje.

Plenamente convicto dos principios que fundamentou os meus trabalhos reconheci a simplicidade que o systema duodecimal produz e não vacillei em transportar para o teclado de piano a successão symetrica dos doze sons, n’um seguimento uniforme de teclas brancas e pretas alternadas e continuas como representante da escala chromatica.

Esta uniformidade traz a mais perfeita similhança a todos os passos symetricos, que começarem por uma tecla branca ou por uma tecla preta; porque encontraremos em qualquer das series a mesma uniformidade de dedilhação, a mão fará os mesmos transportes, encontrando as mesmas saliencias de teclas pretas.

A resultante de todas estas vantagens, resumem-se [sic] ás seguintes conclusões:

1.º – Representar a gamma sonora dos doze sons, base da musica moderna.

2.º – Reduzir a duas todas as posições da technica do pianista.

3.º – Serem uniformes todos os passos que comecem por uma tecla branca, ou tecla preta.

4.º – Fazer a mão o mesmo transporte em todos os passos que sejam symetricos.

5.º – Ter a sonoridade egual para todos os passos de egual desenho, visto que a dedilhação será sempre a mesma.

6.º – Maior rapidez na execução das escalas chromaticas.

7.º – Transportar d’uma sonoridade para outra, com a maior facilidade.

8.º – Poder-se applicar a todos os pianos, sem outra modificação do que a substituição d[o] teclado.

Estas vantagens e muitas outras que a pratica demonstrará, devem trazer grande vantagem e facilidade para o estudo do piano.

Será o piano, pela reforma dos seus teclados, a alavanca que facilitará a realisação pratica da theoria dos doze sons, e a solução do problema da musica moderna.»

Ao terminar o seu interessante discurso, foi o sr. Matta Junior muito applaudido.


Referência bibliográfica

João Eduardo da Matta Junior - "Modificação do teclado do piano" in Diário de Notícias de 13 de Maio de 1910, nº. 15982, p. 4 (c. 4-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1867.



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