O Cometa de Halley
Conferencia do sr. Innocencio Camacho na Caixa Economica Operaria
O illustre professor, sr. Innocencio Camacho, realisou, hontem, á noite, na séde da Caixa Economica Operaria, a sua annunciada conferencia sobre o cometa de Halley.
O conferente, muito saudado pelo numeroso auditorio, descreve o que é um cometa e quaes os cometas periodicos e não periodicos; profere algumas palavras sobre a analyse espectral; mostra como apparece um cometa e faz a descripção do nucleo e da cabelleira e analysa largamente as theorias da astronomia.
Impedindo-nos a falta de espaço, com que lutamos, de desenvolver cada um d’estes pontos, proficientemente tocado [sic] pelo conferente, vamos, em resumo, dar uma nota sobre a conclusão deste brilhante trabalho:
A astronomia diz-nos com toda a segurança: o nucleo do cometa não chocará a terra n’esta sua visita; no dia 19 de maio dar-se-ha a conjuncção heliocentrica do planeta; isto é, no dia 19 de Maio, a uma certa hora, estarão em linha recta os centros do sol, do cometa e da terra, mas estes dois ultimos não se chocarão, por que estarão n’esse momento á distancia de 22 milhões de kilometros um do outro, mas n’essa occasião a cauda do cometa póde alcançar a terra.
A historia da astronomia accrescenta ainda que em 30 de junho de 1861 a terra esteve durante algumas horas na cauda d’um cometa e que, apesar d’isso, a terra nada soffreu,
Perante estas affirmações categoricas da astronomia podemos estar confiados: o nucleo do cometa não chocará com a terra.
O conferente trata a seguir da influencia da passagem da terra na cauda do cometa de Halley e explica: verificando-se a hypothese de que não ha realmente cauda; isto é, que o traço luminoso que observamos é apenas um reflexo immaterial, não ha motivo para entramos em discussões; não havendo causa, não ha effeito.
Mas se esta hypothese não corresponde á realidade das coisas, outra série de phenomenos e circumstancias [sic] conhecidas nos dizem que, sob o ponto de vista mechanico e phisiologico é insignificante a acção da cauda sobre a terra.
A este respeito, o sr. Innocencio Camacho cita as opiniões do sr. Charles Nordmann, conhecido astronomo do observatorio de Paris, e de Camillo Flammarion, estas ultimas inseridas no Boletim da Sociedade Astronomica, de França, concluindo da leitura d’essas opiniões, que os homens de sciencia terão muito que aprender; o grande publico nem tem que ter esse trabalho nem motivo para receios de qualidade alguma.
Uma das superstições mais em voga, ainda mesmo em nossos dias, é que o apparecimento d’um cometa annuncia sempre grande fatalidade. Este absurdo – diz o orador – baseia-se na ignorancia em que muita gente está quanto ao numero de cometas que sulcam o systhema solar. Deve, porém, saber-se que o numero dos cometas observados é de muitas centenas, não passando anno em que não sejam vistos dois ou tres novos; mas, como muitos são invisiveis, á vista desarmada, o publico ignora-os, e julga que são raros. A verdade é que, só no seculo passado, se registaram 174 cometas considerados novos. No anno passado, foram vistos 5, incluindo o de Halley. É natural que estando quase sempre á vista da Terra, um ou mais cometas, a sua presença coincida com factos que nella succedam. O contrario é que seria para admirar. E o orador a confirmar a affirmação lê algumas passagens, pelas quaes se verifica que a ignorancia e a crendice humana teem sido grandemente exploradas em todos os tempos refere varias anecdotas extrahidas da «Historia do Céu», de Camillio Flammarion.
Ao concluir, o sr. Camacho foi vivamente applaudido pela assistencia.
«O Cometa»
Com este titulo appareceu hontem á venda o numero unico de um jornal humoristico illustrado, inserindo grande numero de jocosas poesias intercalladas no texto de alegre prosa.
Para destruir o panico
Pelo Governo Civil de Lisboa foi hontem enviada a todas as camaras municipaes, juntas de parochia e administradores dos concelhos do districto, uma circular impressa om [sic] que se baseiam as conclusões da brilhante conferencia realisada pela Academia das Sciencias de Portugal, sobre o cometa de Halley, nas quaes se demonstra que este mal algum pode acarretar-nos.
Conferencias no Porto
Porto, 14. – José Maciel Ribeiro Fortes, alumno do Lyceu Central D. Manuel II, realisou esta tarde naquelle est[ab]elecimento uma interessante conferencia, sobre o [c]ometa de Halley, sendo vivamente applaudido pela assistencia.
Tambem o sr. dr. Duarte Leite, concluiu hoje no theatro Aguia d’Ouro a conferencia sobre o mesmo assumpto, que começara hontem, acompanhada de projecções luminosas.
Santarem, 14. – O apparecimento do cometa de Halley, que de dia para dia mais se vae avisinhando de nós, continúa despertando grande curiosidade aos innumeros admiradores d’este maravilhoso astro.
Pouco depois da meia noite já se veem grupos de individuos em varios pontos da cidade, e em procura do local que melhor lhes facilite apreciar esse astro, sendo preferido para tal fim o largo de S. Julião.
Alguns circumstantes [sic] se fazem acompanhar de um oculo ou binoculo, disputando-se por vezes qual d’esses auxiliares é de maior alcance.
Hoje eram duas horas da manhã quando se principiou a notar o desenvolvimento da sua grande cauda, um pouco acima do horisonte.
A olho nu permaneceu quasi invisivel até poucos minutos antes d’aquella hora, adquirindo em breve maior nitidez, até que ás 2 1/2 horas se descortinava o nucleo no seu auge de nitidez.
Assim se conservou o celebre cometa até ás 3 e meia, momento este em que os clarões crepusculares o obrigaram a diminuir de intensidade.
Ás 4 horas todos os curiosos se retiravam para se refazerem do repouso perdido, em honra do grande astro que em breves dias nos vae deixar em paz e socego [sic].
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A passagem do cometa tem despertado interesse, segundo nol-o communicam os nossos correspondentes no Beco de Santo Aleixo, Vianna do Alemtejo, Cerdeira do Côa, Vizeu, etc.
Observações em Madrid
Madrid, 14. – Segundo as observações feitas pelo observatorio de Madrid, que é dirigido pelo astronomo Iniguez, a cauda do cometa de Halley, que apresentava ante-hontem uma extensão de 38 milhões de kilometros, occupava a noite passada 60 graus, o que corresponde a 74 millhões de kilometros.
Não se nota vestigio algum de cyanogeno [sic] – (Havas).
[NOTA - A realização da conferência em Lsboa foi anunciada na edição n.º 15982 do Diário de Notícias, 13 de Maio (p. 2, c. 6); e as conferências no Porto foram anunciadas, uma na edição n.º 15981, de 12 de Maio (p. 2, c. 6), outra na edição n.º 15983, de 14 de Maio (p. 2, c. 5-6)]